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O Congresso de Viena: restaurar a ordem absolutista do Antigo Regime

CAPÍTULO 1 1814-1829: MISSÃO JESUÍTA EM PROGRESSO

1.1. O Congresso de Viena: restaurar a ordem absolutista do Antigo Regime

A Batalha de Waterloo, em 1815, marcaria definitivamente o fim da Era Napoleónica causando, de modo consequente, mudanças políticas, sociais e

1814 (7 ago.) Restauração Universal da Companhia de Jesus 1828 (16 jun.) Ordonnances em França expulsam os jesuítas dos seus Seminários 1829 (13 ago.) Reentrada em Portugal de missionários Jesuítas

34 económicas em toda a Europa. Um acordo entre os países vencedores (Império Austríaco, Império Russo, Prússia e Grã-Bretanha) contribuíu para o restabelecimento da paz e estabilidade política na Europa.

Assim, no Congresso de Viena (entre 11 de novembro de 1814 e 9 de junho de 1815) reorganizaram-se as fronteiras europeias afetadas pelas conquistas de Napoleão, restauraram-se «as velhas casas dinásticas», procurando-se um «equilíbrio geoestratégico entre um Directório ou Pentarquia de potências»31.

A expansão napoleónica pela Europa revelara-se um perigo para o sistema legitimista, confessional e aristocrático, uma ameaça para a Europa dos reis. Deste modo, o Congresso de Viena teve três objetivos fundamentais, necessários para se estabelecer um equilíbrio entre as grandes potências vencedoras de Napoleão32:

1) a restauração do Antigo Regime e do absolutismo: grande preocupação das monarquias absolutistas uma vez que se tratava de recolocar a Europa na mesma situação política em que se encontrava antes da Revolução Francesa dado que esta havia terminado com os privilégios reais e instituído o direito legítimo de propriedade aos burgueses;

2) o regresso das dinastias depostas pela política expansionista de Napoleão Bonaparte, defendido sobretudo por Talleyrand que garantia com isso o retorno dos Bourbon ao poder com a aprovação dos vencedores. Assim, após 1815, voltam a subir ao trono os Bourbon em Nápoles e em Espanha, a dinastia de Orange nos Países Baixos, assim como se mantem a dinastia dos Habsburgo, em Viena, símbolo da ordem tradicional do Antigo Regime. Em Portugal, os

31 SARDICA, José Miguel – A Europa Napoleónica e Portugal. Lisboa: ed. Tribuna, 2011, p. 55. Veja-se, inclusive, BONIFÁCIO, Maria de Fátima – Seis Estudos sobre O Liberalismo Português. Lisboa: Ed. Estampa, 1991, pp. 297-303 (O Concerto Europeu ou a Europa das Potências).

32 Veja-se DUROSELLE, Jean Baptiste - A Europa de 1815 aos nossos dias: vida política e relações Internacionais. São Paulo: Pioneira, 1976, pp. 4 e ss.; CORREIA, Maldonado – “O Congresso de Viena - Fórum da Diplomacia Conservadora no Refazer da Carta Europeia”. In Nação e Defesa, Ano XIX, nº 69, jan-mar 1994, pp. 40-41.

35 Bragança tinham transferido a corte portuguesa para o Brasil em 29 de novembro de 1807 de onde regressam em 1820;

3) o restabelecimento do equilíbrio político-militar entre os estados europeus, embora com ascendência de uns face a outros, promoveu a preservação da paz.

Houve uma tentativa de retorno à velha ordem, patente, por exemplo, na reação conservadora que se encontra manifestada nas proposições de F. K. von Savigny (1789-1861) e na sua Escola do Direito Histórico definidora da tradição e do carácter sagrado do passado e contrária ao desvio da evolução natural por qualquer alteração brusca ou de qualquer reforma33. Segundo René Rémond,

“Na nova Europa já não se pensa na República e o princípio da legitimidade monárquica triunfa inequivocamente. É dele que se reclamam os doutrinários da restauração, os filósofos da contra-revolução, os Burke, os Maistre, os Boland, os Haller. É igualmente nesta noção de legitimidade que se inspiraram os diplomatas que, em Viena, recompõem os territórios”34.

Este princípio de legitimidade vai estar subjacente ao pensamento contrarrevolucionário e à política dos regimes conservadores. A Santa Aliança, acordo entre as três grandes potências cristãs da Europa (Império Russo, Prússia e Império Austríaco), criada após o Congresso de Viena, e assinado em 26 de setembro de 1815, em Paris, teve como intenção a manutenção de um acordo mútuo entre soberanos, e em relação aos seus súbditos, no sentido da manutenção da fé cristã. Mas tal aliança veio a funcionar como bloqueadora do avanço de novos focos revolucionários nas décadas seguintes.

No dia 15 de novembro do mesmo ano, a Grã-Bretanha que se encontrava à margem das questões políticas europeias, e sentindo que o Império Russo

33 Veja-seCOSTA, Alexandre Araújo – Hermenêutica e método: diálogo entre a hermenêutica filosófica

e a Hermenêutica Jurídica. Tese de Doutoramento em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade

de Brasília, Brasília, 2008, cap. III, secção 2 (Do historicismo ao conceitualismo: Savigny); RÉMOND, René - Introdução à História do Nosso Tempo: Do Antigo Regime aos Nossos Dias, Lisboa: ed. Gradiva, 1994, pp. 139-141.

36 ganhava terreno na política europeia, propôs a criação da Quádrupla Aliança. Este pacto foi concebido no sentido de regulamentação dos relacionamentos entre as potências menores e os seus conflitos, delimitando para isso as esferas de influência específicas de cada uma, como forma de assegurar o recíproco controlo e circunscrição caso algum país se tornasse demasiado poderoso para subverter toda a lógica do sistema internacional vigente até então, como tinha acontecido com a França.

Foi assim criado um mecanismo de segurança coletiva contra potências erráticas ou sublevações internas antimonárquicas. As potências da Santa Aliança procuraram consagrar estruturalmente o status quo, mantido através de uma coligação conservadora da legitimidade monárquica contra os ideais revolucionários republicanos da Revolução de 1789. Sob a invocação da “Santíssima e indivisível Trindade” e com base nas doutrinas da unidade cristã e do direito divino dos príncipes, pretendia-se colocar as relações internacionais sob a égide do cristianismo onde os soberanos se consideravam como “pais” dos seus súbditos e dos seus exércitos35.

Mas a restauração não consegue restabelecer inteiramente a situação de 1789. O mapa europeu vai ser muito simplificado e o número de Estados ficou reduzido. Os vencedores saem da guerra engrandecidos, a Grã-Bretanha expandiu-se dentro e fora da Europa e as três potências continentais (Rússia, Prússia e Áustria) cresceram dentro da Europa36. No futuro próximo esta partilha

da Europa irá produzir descontentamentos entre os Estados que foram sacrificados por um “equilíbrio europeu” realizado em proveito das grandes potências.

35 O art.2º do Tratado da Santa Aliança refere o princípio da legitimidade deste modo:

“…a nação cristã de que eles e seus povos fazem parte não tem outro Soberano senão aquele a quem só pertence em propriedade o poder, porque somente nele se encontram todos os tesouros do amor, da ciência e da sabedoria infinita, isto é, Deus, nosso Divino Salvador Jesus Cristo, o Verbo do Altíssimo, a Palavra da Vida.”.

37 Numa grande parte da Europa, porém, os ideais da França revolucionária tinham deixado sementes, continuando a subsistir uma corrente liberal que era apoiada por fações da sociedade, e que atuavam como força de contestação às monarquias restauradas em 1815. Tal como afirmou Theodoros Kolokotronis (1770-1843), marechal de campo e herói grego, “a Revolução Francesa e os feitos de Napoleão abriram os olhos ao mundo. Antes disso, as nações nada sabiam, e o povo pensava que os reis eram deuses sobre a terra e que era obrigado a dizer que aquilo que estes fizessem era bem feito. Devido a esta presente mudança, é mais difícil governar o povo” 37. Os governos irão ter uma

série de cautelas para não chocarem com uma burguesia e uma nobreza esclarecidas. O liberalismo estava implantado e alimentava o desequilíbrio do status quo Europeu38.

Deste modo, as grandes potências unidas por um mecanismo regular de congressos tinham-se comprometido a repelir todas as revoluções que eclodissem na Europa e na América.

No congresso de Aix-la-Chapelle, (entre setembro e novembro de 1818), tinha ficado consagrado o princípio da intervenção nos assuntos internos de outros Estados39. Após Aix-la-Chapelle vários congressos marcaram o novo

ritmo europeu contrarrevolucionário de combate às ideias liberais. E pela primeira vez, desde os tempos de Roma, existe um poder europeu. O apoio a esta causa foi dado nos congressos de Karlsbad, de agosto de 1819, e de Viena de maio de 1820, entre o Império Austríaco e o Reino da Prússia, onde foram tomadas medidas contra a agitação do nacionalismo liberal na Alemanha. Assim, os exércitos austríacos reprimiram as manifestações da associação de estudantes, denominados Burschenschaft que seguiam os princípios liberais e

37 HÄBICH, Theodor - Deutsche Latifundien. Stuttgart: W. Kohlhammer, 1947, pp. 27 e ss.. Apud HOBSBAWM, Eric J. – A Era das Revoluções, 1789-1848. 5ª ed.. Lisboa: ed. Presença, 2001, p. 99. 38 AMEAL, João – História da Europa, vol. V (1800-1914). Lisboa: ed. Verbo, 1984, p. 123. Veja-se, inclusive, SARDICA, José Miguel – ibidem, 2011, pp. 54-57.

38 nacionalistas estabelecidos pela primeira "Original Burschenschaft" fundada no ano de 1815.

No congresso de Troppau (outubro de 1820) e de Laybach (entre janeiro e maio de 1821) foi dado o apoio ao Império Austríaco para este socorrer o rei D. Fernando das Duas Sicílias que havia sido constrangido por uma revolta dos súbditos que pediam uma Constituição. Esta repressão estendeu-se à Lombardia e ao Piemonte, onde os liberais tinham alcançado os seus objetivos, aprovando uma Constituição.

Porém, a partir do congresso de Troppau, o espírito da Santa Aliança apenas persiste no centro e leste do continente europeu. Na Europa monárquica pensava-se de duas formas diferentes, oscilando entre o absolutismo e as práticas constitucionais.

Em 1825, com a morte de Alexandre I da Rússia e o suicídio de Lord Castlereagh (Secretário inglês dos Assuntos Estrangeiros de 1812 a 1822), substituído posteriormente por George Canning (de 1822 a 1827), dava-se uma reviravolta no chamado “Sistema Metternich”40, especialmente quanto à política

de intervenção na política interna dos Estados. Na verdade, os britânicos tinham os seus interesses na construção do Império Ultramarino e em impedir que a Santa Aliança pudesse intervir e reprimir os movimentos independentistas das colónias espanholas e portuguesas41. Simultâneamente, sentiam a necessidade

de manter o equilíbrio no continente europeu para que não emergisse uma potência mais forte que outra.

Apesar do “Sistema Metternich”, estabelecido com base no equilíbrio das relações internacionais europeias, proliferaram uma série de movimentos revolucionários. Os descontentamentos gerados pós-Congresso de Viena

40 Sistema Metternich é o nome dado ao Concerto Europeu onde um dos seus promotores foi o Príncipe de Metternich-Winneburg-Beilstein. Este liderou a delegação austríaca no Congresso de Viena. Também pode ser chamado de “Sistema de Congressos” ou “Sistema de Viena”, devido à sua influência na procura do equilibriu europeu.

41 A Grã-Bretanha tinha todo o interesse em quebrar o protecionismo entre as metrópoles e as ex colónias sul-americanas, pelo que o seu apoio às independências na região se torna visivelmente claro.

39 tornar-se-ão o ponto de partida para as sucessivas revoltas de ideais liberais e nacionalistas que acabam por deflagrar por toda a Europa logo a partir de 182042:

na década de 20 na Europa Meridional, nos Balcãs e na América Latina; na década de 30 na Europa Ocidental. Movimentos revolucionários iniciaram-se em França e alastraram pela Europa, nomeadamente na Bélgica43; e em 1848

diversas revoluções de caráter nacionalista e liberal iniciadas por uma crise económica na França, abrangeram grande parte da Europa.

No dia 26 de março de 1828, em Londres, o marquês de Palmela em carta ao conde de Vila Real comentava sobre as movimentações na Europa:

“… tomo a liberdade de chamar a attenção de V. Ex.ª para o Relatorio que encontrará no Morning Chronicle de hoje, sobre a ultima sessão da Camara dos Lords, na qual o Ministro dos Negocios Estrangeiros, Lord Dudley, respondendo a uma pergunta que lhe fôra dirigida acerca do estado actual das relações politicas da Europa, confessou que as intenções annunciadas pela Russia não deixavam quasi esperança da conservação da paz entre essa Potencia e a Porta ottomana.

O Gabinete austriaco emprega agora os meios possíveis para induzir a Russia a contentar-se unicamente com a execução das medidas ajustadas no tractado de 6 de Julho, afim de realisar a independencia da Grecia, e a abster-se de entrar isoladamente, por sua propria conta, na guerra com os turcos. […]

[…] O que n'este momento attiahe mais especialmente a atenção do Gabinete britannico é a conducta da França, acerca da qual começam a conceber-se graves suspeitas, motivadas pela influencia que exerce em Paris o Embaixador russo. Infere-se que existe entre Paris e S. Petersburgo uma intelligencia muito intima, e talvez projectos totalmente independentes dos principios consignados no tractado da tríplice alliança” […]

[…] Junta-se a outros motivos de suspeita a circumstancia de ser hoje o Ministerio francez composto de individuos conhecidos pela sua hostilidade contra o Gabinete britannico, como Mr. Hyde de Neuville e Mr. de Chateaubriand, de cuja proxima elevação á Presidencia do Conselho já se não duvida. […]que ha hoje entre os dois Gabinetes uma especie de

42 Sobre este assunto veja-se BERSTEIN, Serge; MILZA, Pierre - História da Europa: do século XIX ao

início do século XXI, 1ª ed.. Lisboa: Plátano, 2007, pp. 10-16; MANIQUE, António Pedro - Portugal e as Potências Europeias (1807-1847): relações externas e ingerências estrangeiras em Portugal na primeira metade do seculo XIX. Lisboa: Livros Horizonte, 1988, pp.21-26 (Fatores de Rotura do Equilíbrio

Europeu); RÉMOND, René - Introdução À História Do Nosso Tempo: Do Antigo Regime Aos Nossos Dias. Lisboa: ed. Gradiva, 1994, pp. 141-145; HOBSBAWM, Eric J. – ibidem, pp. 106-115.

43 Os belgas são obrigados à integração num reino dominado por holandeses, ao qual se deu o nome de Reino dos Países Baixos, onde foi nomeado rei o holandês Guilherme I, da Casa de Orange. Esta união forçada provocou, desde logo, uma oposição religiosa, cultural e linguística da parte dos belgas. Os católicos belgas não queriam um soberano protestante e exigiam uma autonomia maior.

40

ciúme e desconfiança, que não existiam desde a epocha da restauração dos Bourbons44.

Como refere Eric Hobsbawm, “Em 1830, e de novo em 1848, quando a França derrubou o seu regime e o absolutismo foi abalado ou destruído noutros países, as nações tremeram”45.

Do mesmo modo, a chamada «Questão Oriental» causada pela decadência do Império Otomano e dos interesses das grandes potências – sobretudo a Grã-Bretanha, o Império Russo e com menor relevância a França - em algumas das suas regiões, irá ameaçar o equilíbrio de forças na Europa. Entre vários episódios que influíram diretamente na derrocada do Império Otomano, e poderiam ter desequilibrado as forças europeias, podem-se citar: a insurreição da Sérvia, a Guerra da Criméia, a autonomia do Egito e a independência grega. Apesar destes conflitos, as relações diplomáticas na Europa conseguiram chegar a bom termo, após a criação de diversos tratados, como o Tratado de Berlim, concluído em 13 de julho de 1878, no qual foi restabelecido um regime de controle permanente sobre a administração interna do império Otomano, sendo reajustadas as fronteiras dos novos estados independentes.

1.2. Génese e maturação do tradicionalismo filosófico-político, doutrinário e