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O Legado Político das Invasões Francesas a partir de 1820

CAPÍTULO 1 1814-1829: MISSÃO JESUÍTA EM PROGRESSO

1.4. A Questão Político-Religiosa no Contexto Português até à morte de D João

1.4.3. O Legado Político das Invasões Francesas a partir de 1820

Após 1815, aumentava a pobreza, a ruína agrícola e industrial. O colapso nas rendas públicas teve como consequência atrasos nos pagamentos aos funcionários públicos e militares, a miséria e o desemprego. Esta situação levou à Conspiração de Lisboa em 1817, liderada pelo General Gomes Freire de Andrade, Grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (1815-1817), que teve como objetivo da conjura a substituição de D. João VI que se encontrava no Brasil pelo duque de Cadaval243, “… reformar abusos, cohibir um governo injusto, dispotico,

absurdo; salvar a Patria já quasi sepultada no abismo, &c…”244, e à Revolução

do Porto em 1820, que já teve o cunho liberal.

242 CHAZOURNES, Léon de - ibidem, p. 179.

António Astorgano Abajo refere que “Quando o Papa Pio VII, … restaurou a Companhia de Jesus em 1814 só restavam vivos 27 portugueses expulsos, e o mais jovem tinha 72 anos”. ABAJO, António Astorgano – “Para uma periodização da literatura dos jesuítas portugueses expulsos (1759-1814”. In Brotéria,

Cristianismo e Cultura, vol. 169 (A expulsão dos Jesuítas, 250 anos), 2009, p. 333.

243 Opinião de PEREIRA, Ângelo – D. João VI Príncipe e rei: a retirada da família real para o Brasil,

1807. Lisboa: Imprensa Nacional de Publicidade, 1943, p. 144. Apud VENTURA, António – ibidem, 2013,

pp. 90-93. Veja-se, inclusive, VICENTE, António Pedro - “Do Rossilhão às Invasões Francesas”. In TEIXEIRA, Nuno Severiano (coord.) - Portugal e a Guerra, História das intervenções militares

portuguesas nos grandes conflitos mundiais, séculos XIX e XX. Lisboa: Edições Colibri/ Instituto Ciências

Sociais da Universidade Nova de Lisboa, 1998, p. 45.

244 Pretendiam também a reunião das cortes, uma Constituição e a eleição de um rei constitucional. Veja- se FREITAS, Joaquim Ferreira de - Memoria sobre a conspiração de 1817: vulgarmente chamada a

116 A Revolução de 1820, que já vinha imbuída deste conjunto de antecedentes245, aos quais podemos adicionar outros eventos como a fundação

do chamado "Sinédrio", integrado por alguns maçons, e que tinha como finalidade a consolidação do Exército Português no país, e a Revolução de 1820 na Espanha que restaura, em março, a Constituição liberal de Cádis (1812), evidenciava uma viragem na mentalidade das elites portuguesas, só quebrada no período de 1829-1834, período do absolutismo miguelista.

Flávio José Gomes Cabral menciona que,

“No dia 22 de outubro de 1820 atracava no porto recifense o paquete inglês Cresterfiel, trazendo as recentes notícias sobre uma revolução iniciada na cidade do Porto no dia 24 de agosto, a qual havia dado início a um movimento de caráter constitucionalista que exigia, entre outras medidas, a convocação de cortes, o que de certa forma punha em xeque a monarquia absoluta”246.

A ação panfletária e outras manifestações como, por exemplo, modinhas e gestos que iam afligindo o governador de Pernambuco, levou a que no espaço colonial se tenha desenvolvido uma certa repressão e criado condições para que se excedessem os limites que, para a Coroa, eram a sua própria salvaguarda.

Em Pernambuco, existia um alerta quanto à propagação das doutrinas constitucionais uma vez que se ia tomando consciência de uma possível

245 Teve como antecedentes: a invasão de Portugal pelas tropas napoleónicas, em 1807; a transferência da corte portuguesa para o Brasil (1808-1821); a assinatura do Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas, no dia 28 de janeiro de 1808 e o posterior Tratado de Comércio e Navegação assinado entre Portugal e a Grã-Bretanha em 19 de fevereiro de 1810; situação de miséria económica em Portugal, com fábricas em declínio, a agricultura em decadência, que levou a um colapso das rendas públicas e a miséria social. Mas também contribuíram para esta Revolução Liberal do Porto, uma oposição à influência inglesa nos assuntos internos do Estado; a Conspiração de Lisboa de 1817; a fundação do chamado "Sinédrio", integrado por alguns maçons, e que tinha como finalidade a consolidação do Exército Português no país; e a Revolução de 1820 na Espanha que restaura, em março, a Constituição de Cádis (1812), e que servia de exemplo para Portugal instalar os ideias do liberalismo. Veja-se VARGUES, Isabel Nobre – “O processo de formação do primeiro movimento liberal: a Revolução de 1820”. In MATTOSO, José (dir.) – ibidem, pp. 45-63.

246 CABRAL, Flávio José Gomes - “Vozes Públicas: as ruas e os embates políticos em Pernambuco na crise do Antigo Regime português (1820-1821)”. In SÆCULUM: Revista de História, nº13, (jul./ dez. 2005), pp. 63-64.

117 mudança do sistema, da Constituição e das Cortes247. Acusavam-se os ingleses

de espalhar jornais europeus com novidades acerca desses acontecimentos, cujas matérias eram escritas com grande entusiasmo ajudando a aumentar e a espalhar estes ideais revolucionários por diversas províncias248.

D. João VI tenta proteger o Reino da entrada dos novos ideais procurando manter um enquadramento ideológico pró Viena. Segundo António Ventura,

“D. João VI reagiu com dureza e determinação perante o ocorrido em Portugal e no Brasil [o processo de Gomes Freire de Andrade e a revolta de Pernanbuco], na linha, aliás, do que já fora solicitado pelo principal Sousa. A portaria de 17 de julho de 1817 proibia a circulação do Correio Brasiliense e de O Português. Em 30 de maio de 1818, um alvará régio de D. João VI secundava a condenação do papa Clemente XII, proibindo as sociedades secretas, incorrendo os seus membros no crime de lesa-majestade, com severas penas que podiam ir até à condenação à morte e ao arresto de bens”249

Estes acontecimentos foram relevantes para o retorno a Portugal da Corte em 1821, e o juramento da primeira Constituição Portuguesa, em 23 de setembro de 1822250.

O período subsequente ao regresso da corte pode ser dividido em duas partes. A primeira está relacionada com as diversas tentativas de implantação do miguelismo e do retorno aos ideais tradicionalistas, que ao nível político

247 BARRETO, Luiz do Rego - Memória justificativa sobre a conducta do marechal de campo Luiz do

Rego Barreto durante o tempo em que foi governador de Pernambuco e presidente do governo da mesma província. Lisboa: Typ. de Desidério Marques Leão, 1822, p. 25.

248 Carta do governador ao Ministério do Reino, 19 de dezembro de 1820. In BARRETO, Luís do Rego -

Cartas Pernambucanas, vol. LII. Recife, 1979, pp. 156-157; BERNARDES, Denis - O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. Ed. Universitária UFPE, 2006, pp. 361-366.

249 VENTURA, António – ibidem, 2013, p. 98.

Veja-se, inclusive, o Aviso dos Governadores do Reino em nome d’El Rei ao Presidente e Deputados da

Real Junta do Commercio para “… mandar immediatamente bloquear o porto, e costas de Pernambuco e

enviar um corpo das mesmas tropas, […] castigando os pérfidos, que se arrojáraõ a tramar taõ detestável traiçaõ”. In O Investigador Português em Inglaterra …, vol. XIX, nº LXXIII, julho de 1817, pp. 86-87 e,

Conspiração Portugueza (artigo copiado do Times de 21 de junho de 1817). Ibidem, pp.108-109.

250 MANIQUE, António Pedro – op.cit., pp. 41-44.

Entre 1820 e 1834 Portugal vai passar por um conjunto de mudanças de regime político e de governo, umas da responsabilidade dos liberais, outras dos absolutistas. Vide em APÊNDICE J - quadro informativo sobre as mudanças de regime político e de governo entre 1820 e 1834.

118 externo se liga ao crescimento da influência francesa, associada à figura de Hyde de Neuville, embaixador francês em Lisboa e aliado das forças conservadoras antiliberais. A segunda parte, após a morte do rei D. João VI, está associada à vitória do absolutismo e à confirmação da união entre o Trono e o Altar com D. Miguel. Nesta fase, o interesse político inglês em Portugal vai registar diversas alterações e a França manteve sempre o seu interesse por Portugal pelo fato de as suas tropas se manterem em Espanha, dando apoio ao absolutista Fernando VII.

Deste modo, entre 1823 e 1825, iremos encontrar em Portugal a afirmação crescente de um regime ligado à figura de D. Miguel e de sua mãe, a rainha Carlota Joaquina, com uma política realista e tradicionalista, com episódios ligados a diversas tentativas e desaires absolutistas. Logo em 1823 dá-se a Vilafrancada, primeira reação absolutista encabeçada por D. Miguel, que suspende a Constituição de 1822 e encerra as Cortes. A pressão dos conservadores e tradicionalistas encontrou-se bem expressa na revolta da Abrilada, desta feita para destituir D. João VI do trono251, e que teve como

consequência o exílio de D. Miguel. A Espanha, a Santa Sé, a Áustria, a Prússia e a Rússia opuseram-se terminantemente a que se instituísse em Portugal um sistema representativo, incluindo a própria convocação de Cortes à maneira tradicional. Nem sequer admitiam a concessão de qualquer Carta Constitucional, ao género da francesa de 1814252. A Inglaterra e a França não se empenharam,

também, em dar apoio às intenções de D. João VI. Metternich e Chateaubriand temem as consequências desse processo em Espanha, que depois do Triénio Liberal (1820-1823), entra no ano de 1823 com D. Fernando VII novamente

251 A intervenção em 1823 do exército francês em Espanha, restabelecendo aí o regime absoluto, levou o inglês George Canning a aceitar o pedido de apoio do recentemente estabelecido regime cartista, contra o tenente-general D. Francisco de Almeida, opositor do regime saído da Revolução Liberal de 1820 e que era apoiado pelo regime absolutista espanhol. A divisão comandada pelo general William Clinton, oficial que tinha participado na Guerra Peninsular, chegou ao Tejo em 24 de dezembro de 1826, mas reembarcou em 2 de abril de 1828 por ordem de D. Miguel, que, entretanto, assumira o governo de Portugal, instaurando um regime absoluto.

252 Luís XVIII (1755-1824), rei de França nos anos de 1814-1815, 1815-1824. Regressa a França em 1814, depois da derrota de Napoleão assumindo uma monarquia constitucional, de acordo com o regime da Carta fixando, deste modo, uma monarquia limitada.

119 restabelecido no trono, restaurando o absolutismo (denominada Década Ominosa ou Década Nefasta)253.

Dois outros episódios marcaram a política externa e interna de Portugal nestes três anos: a morte de D. João VI e a preparação do regime da Carta. Esta era mais liberal e opunha-se ao regime de 1822 e ao absolutismo, tentando ser representativa de um compromisso entre a doutrina da soberania nacional, adotada sem restrições pela Constituição de 1822, e o desejo de preservar os direitos régios.

Neste período, a luta de influências pelo controlo da política portuguesa aumenta entre britânicos e franceses.

O crescimento da influência francesa encontra-se ligada ao embaixador Hyde de Neuville, cujo papel na Abrilada foi essencial, protegendo o rei D. João VI dos contrarrevolucionários, como se verá mais adiante. Do lado inglês estava William A’Court (1779-1860), embaixador britânico em Portugal entre 1824 e 1828, acusado de se relacionar com liberais e absolutistas254.

Uma figura portuguesa que se destaca é o conde de Subserra, Manuel Inácio Martins Pamplona Corte Real (1760-1832), político da tendência pró- francesa da fase inicial do vintismo e que foi Ministro da Guerra e da Marinha, de 1 de junho de 1823 a 15 de janeiro de 1825, e que no período entre 1 de junho de 1823 e 19 de março de 1824 acumula com as funções de ministro assistente ao despacho, o que equivalia à liderança do governo. É uma personagem que

253 Em 1830, o periódico brasileiro Aurora Fluminense, jornal político e literário, punha em causa a independência das colónias espanholas face à metrópole e ao seu rei D. Fernando: “Para que querem os Americanos a independencia? São elles por ventura capazes de governar-se? Não he antes hum acto de beneficiencia da parte da Metropole querer encarregar se por mais tempo do cuidado de fazer a ventura destes povos, ainda na infância? Podem os novos Estados achar hum regímen, preferível ao do piedoso Rei Fernando, mestres melhores do que os Jesuitas, protecção mais efficas, que a das esquadras Hespanholas, recursos que possão comparar-se aos do Thesouro?”. In Aurora Fluminense, nº 285, de 4 de janeiro de 1830, p. 2.

254 Veja-se sobre a revolução liberal de 1820 até 1825 e a conjuntura europeia, MANIQUE, António Pedro – op. cit., pp. 51- 62; e sobre Portugal, Inglaterra e França entre 1823-1825: economia e política em, SILBERT, Albert – Portugal na Europa oitocentista. Lisboa: ed. Salamandra, 1998, pp. 25-64.

120 se encontra muito ligada a Hyde de Neuville, sendo acusado de ser sistematicamente favorável à França. Albert Silbert refere:

“… é incontestável que a influência pessoal de Hyde sobre o governo português foi muito forte e que ela se exercia em todos os domínios, em particular sobre o da política interna. […] assinalar a frequência dos encontros com o rei D. João VI […], com Palmela e Subserra […]. Esta influência francesa funciona evidentemente num sentido anti-inglês”255.

Em novembro de 1823, Chateaubriand incentivada Hyde de Neuville a lutar contra a influência inglesa no governo português:

“Agora que a guerra acabou e que a situação em Portugal é tal que se sente a necessidade de procurar um novo apoio nos princípios que a França professa com os seus aliados do continente, o governo do rei está longe de querer negligenciar a ocasião para conseguir a adesão desta potência ao sistema de aliança continental e de afastar a influência exclusiva da Inglaterra”256

Os ingleses vão acusar o embaixador Hyde de convencer o rei de Portugal a solicitar a intervenção armada do Reino Unido, assumindo que a mesma seria recusada pelo governo britânico em obediência ao seu proclamado princípio de não-intervenção. Se isso acontecesse, a França ficaria em posição de satisfazer o pedido que os britânicos tinham declinado, substituindo a influência britânica pela francesa. O insucesso do plano deveu-se, em grande parte, à excessiva agressividade diplomática que minou a influência política de Hyde de Neuville em Lisboa, forçando-o a deixar a capital em janeiro de 1825, retomando o seu lugar na Câmara dos Deputados em Paris257.

255 SILBERT, Albert – ibidem, 1998, pp. 54-55.

256 Albert Silbert refere que esta carta se encontra em Correspondance Politique, vol. 139, fº 365 rº. Carta de 14 de novembro de 1823. SILBERT, Albert – ibidem, 1998, p. 55.

Sobre a correspondência trocada entre Chateaubriand e Hyde de Neuville ler DURRY, Marie-Jeanne -

Chateaubriand et Hyde de Neuville ou Trente ans d’amitié, Impr. alençonnaise (F. Grisard, administrateur),

1929.

257 SILBERT, Albert – ibidem, p. 59.

No período que esteve em Lisboa (1823 – janeiro de 1825) este embaixador “…tinha direitos a atenções particulares por parte do conde de Artois, futuro Carlos X”, que a partir de 1824, quando sobe ao trono,

121 Em julho de 1824 já se sentia o receio francês face à intromissão inglesa na política interna, mesmo que essa seja feita a pedido do rei D. João VI. Era necessário não indispor a Inglaterra e não despoletar na mesma uma reação incontrolável.

De França vinham novos ventos - “É preciso evitar tudo o que possa fornecer à Inglaterra um pretexto de se queixar com clamor da influência à qual nós aspiramos”258.

A França ambiciona o Brasil, em detrimento de Portugal259. Mas, com

base na Doutrina de Monroe (elaborada por John Quincy Adams) e a mensagem dirigida pelo presidente dos Estados Unidos James Monroe (presidente de 1817 a 1825) ao Congresso, em 2 de dezembro de 1823, considerava-se todo o Governo de fato como autoridade legítima. Esta Doutrina reafirmava a posição dos Estados Unidos contra o colonialismo europeu, considerando-se este como uma ameaça direta aos Estados Unidos260.

Neste contexto, a Grã-Bretanha que até 1822 tentava não contrariar os intentos da Santa Aliança devido, entre outros fatores, à politica conciliadora do Visconde Castlereagh (Secretário dos Assuntos Estrangeiros de 1812 a 1822)261, toma, a partir desta data, conta do cenário político europeu impondo

aos outros Estados o princípio de não intervenção. Assim, em 1823, a Grã- Bretanha provoca, com intenção estratégica, a obtenção de um compromisso da

tenta restaurar o Antigo Regime com o apoio do ministério autoritário do conde de Villèle (entre 14 de dezembro de 1821 a 4 de janeiro de 1828). Ibidem, p. 61.

258 Correspondance Politique, vol.139, fº65 vº. Apud SILBERT, Albert – ibidem, p. 61. 259 Ibidem, pp. 62-63; AMEAL, João – ibidem, pp. 140-144.

260 ROBERTS, John M. – História Ilustrada do Mundo, Vol. VII: A Era das Revoluções. Lisboa: Círculo de Leitores, 1999, p. 155. Veja-se, inclusive, MONROE, Kristen Renwick,(ed.) - The Economic Approach

to Politics. Nova York: Harper Collins, 1991; SEXTON, Jay - The Monroe Doctrine: Empire and Nation in Nineteenth-Century America. Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 2011.

261 O seu sucessor foi George Canning (1770 -1827) que será Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de 1822 a 1827. Opondo-se à politica intervencionista das potências da Santa Aliança, ele conseguiu que a América do Sul ficasse fora da esfera de influência francesa. Veja-se MANIQUE, António Pedro – op. cit., pp. 18-20.

122 França e a concordância do Austríaco Metternich262, de não intervenção nas

independências da América latina, retirando a Portugal e à Espanha a possibilidade de reconquista das ex colónias com o apoio europeu.

No período subsequente à morte de D. João VI (10 de março de 1826, Palácio da Bemposta, Lisboa), as potências europeias, nomeadamente a França e a Grã-Bretanha, permaneciam atentas ao desenrolar dos novos acontecimentos na luta pela coroa. O conflito torna-se claro entre os partidários de D. Pedro, filho primogénito, mas um imperador brasileiro constitucional, e D. Miguel, apoiado pela sua mãe e que desde a Abrilada tinha deixado bem claro as suas intenções e referências políticas ligadas aos partidários do absolutismo.

Um incidente diplomático ainda aconteceu antes da morte do rei, quando este designa um Conselho de Regência, chefiado pela sua filha D. Isabel Maria, afastando deste modo a rainha e os seus partidários realistas. Assim, o rei afrontava a família real espanhola pelo facto da rainha ser irmã de Fernando VII e de duas filhas de D. João VI serem casadas com membros da corte espanhola – a princesa da Beira, na época viúva do príncipe Pedro Carlos de Bourbon, neto de Carlos III de Espanha, e a primeira esposa de D. Carlos, a infantaD. Maria Francisca de Bragança. Ambas muito conservadoras e que tinham tomado António Ribeiro Saraiva como seu agente particular, para que este encontrasse apoio no estrangeiro, com o intuito de pôr fim ao exílio de D. Miguel, em Viena de Áustria263.

262 Recordemos um momento posterior em que D. Miguel se encontrava em Viena quando jurou a Carta Constitucional enviada por D. Pedro, sendo que a Áustria era uma das potências da pentarquia, e simultaneamente da Santa Aliança.

263 António Ribeiro Saraiva. In PORTUGAL - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico,

Bibliográfico, Numismático e Artístico, vol. VI, pp. 292-294.

No dia 2 de junho de 1842, por Carta Régia de D. Miguel a A. R. Saraiva, este agradecia-lhe o apoio contínuo dado à sua causa: “Tomando em consideração os serviços que tendes prestado á Causa da Legitimidade, e não menos o interesse que haveis manifestado pelo Bem Geral da Nação, a qual hoje mais que nunca reclama a attenção de todos os Portuguezes, por isso que se acha em um estado da maior confusão, […] desejando eu ver pôr um termo a tão violento estado, e revendicar uma Corôa que injustamente me foi usurpada; e tendo um perfeito conhecimento da vossa honra, intelligencia, verdadeiro amor da Patria, e constante fidelidade á minha Real Pessôa, Hei por bem e me praz, que continueis no exercicio de vossa antiga Missão n’essa Côrte”. In SARAIVA, António Ribeiro – Cartas Conspiradoras. Londres: Schulze e Ca., 1844, pp. 40-41.

123 Mas, com a morte do rei, as grandes potências reconhecem a legitimidade de D. Pedro e da regência. No entanto, a França, de Carlos X e do governo do conde de Villèle, que protegia a Espanha do retorno desta à causa liberal, junta- se à política de Metternich na não aceitação do fato de D. Pedro querer uma nova Constituição, a Carta Constitucional264. Segundo Temperley, Metternich

numa circular enviada a 4 de julho de 1826 para Paris, Berlim e S. Petersburgo (excluindo o envio desta para Londres) anunciava que o Imperador Francisco não aceitava que D. Pedro, através da Carta, quisesse destruir as Leis Fundamentais, a qual precisava da provação das Cortes265. Aliás, segundo

Gervinus, Metternich já havia enviado a Lisboa “… un détachement de jésuites […] pour y ourdir des intrigues contre la Constitution”266. O chanceler Austríaco

oferece apoio ao rei de Espanha no sentido de a proteger dos efeitos da Carta Constitucional e insiste com o governo francês para que este reforçe o exército. Nesta situação, a Grã-Bretanha vem em defesa da Carta, incentivando a execução das ordens de D. Pedro na publicação da mesma267.

Ao período de intervenção ativa na política portuguesa por parte das potências europeias segue-se uma intervenção quase nula e passiva devido aos problemas surgidos no Oriente europeu com a guerra de independência grega, bem como a declaração de guerra da Rússia à Turquia, colocando no horizonte

264 A Carta é consideravelmente avançada para a sua época, uma vez que os Impérios autocráticos do centro e do leste da Europa (Austro-húngaro, Russo) reprimiam duramente qualquer religião que não fosse a “oficial” do Estado. Tanto essa Constituição de 1822 como a Carta Constitucional de 1826 negaram ao clero regular os direitos de representação nas cortes e de votar nas eleições. Tais medidas irão provocar a hostilidade do clero mais conservador que vai aderir mais tarde ás forças absolutistas durante a Guerra Civil. In RIBEIRO, Joana Clara Freire; ALMEIDA, Roberta Santos Almeida Duarte – A Liberdade

Religiosa no Constitucionalismo Português, UCP, Seminário de Direito da Liberdade Religiosa Padre João Seabra, 18 de dezembro de 2009, pp. 10-11.

265De acordo com as Leis Fundamentais do Reino, um príncipe herdeiro que levantasse armas contra