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2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.8 O GÊNERO TEXTUAL E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS

2.8.2 O gênero anúncio na dinâmica social

Após o início das investigações que nortearam este trabalho - a partir das inquietações oriundas da percepção das dificuldades de posicionamento crítico que muitos alunos demonstraram – os esforços foram concentrados na escolha de um gênero que pudesse

auxiliar no aprimoramento das noções argumentativas contidas nos mais variados textos, principalmente aqueles que pertencem a gêneros que fazem uso da argumentação de modo mais amplo e intenso. Esse propósito encontra fundamento na afirmação de Marcuschi (2010, p. 31), pois “quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma forma linguística específica e sim uma forma de realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares”.

Nessa perspectiva, definiu-se que as atividades seriam desenvolvidas com base no gênero anúncio, já que se constitui de textos com vasta circulação social e muito presente no cotidiano dos sujeitos da pesquisa. Além disso, os recursos multimodais contidos nas mais variadas composições possibilitam também a exploração das questões argumentativas na linguagem não verbal, uma vez que busca convencer o enunciatário por meio da articulação entre os constituintes verbais e não verbais das mensagens.

Aos fatores acima, agrega-se a inegável presença dos anúncios no cotidiano das pessoas, por meio dos mais variados suportes e formas de circulação, as quais estão cada vez mais amplas, devido à expansão das novas tecnologias e do rápido acesso à informação. Devido a essa dinamicidade na divulgação das informações, a publicidade encontra um campo propício para a sua expansão. De acordo com Ingedore Koch

O contato com textos da vida quotidiana, como anúncios, avisos de toda a ordem, artigos de jornais, catálogos, receitas médicas, prospectos, guias turísticos, literatura de apoio à manipulação de máquinas etc., exercita a nossa capacidade metatextual para a construção e intelecção de textos. (KOCH, 2011, p. 53)

Ratifica-se, portanto, a pertinência da escolha do gênero anúncio para a realização de cada etapa dos exercícios propostos em sala de aula. Nesse sentido, buscou-se a exploração do gênero com o escopo de aprimorar as noções críticas dos discentes, possibilitando que eles adotem reflexões válidas acerca dos conteúdos que frequentemente chegam a cada um, independentemente do suporte adotado.

Além dos interesses acima mencionados, a seleção do gênero anúncio também está relacionada às possibilidades de tonar os processos de leitura, oralidade e escrita mais prazeroso e eficiente, propondo formas de contato com o texto que permitam práticas mais aprofundadas e não-lineares, bem como evidenciando novas formas de uso da linguagem. Segundo Sílvia Helena Cardoso,

O discurso da propaganda e marketing constitui um material privilegiado para a prática escolar de ensino/aprendizagem de língua materna. A reflexão sobre a linguagem na sala de aula por meio do funcionamento desse tipo de discurso produzido em nossa sociedade, ao qual estamos expostos no nosso dia a dia, sobretudo pela mídia, pode ser um elemento poderoso para ajudar a fazer da escola um espaço mais transformador do que reprodutor, a formar alunos leitores e

produtores de textos conscientes do lugar que ocupam na sociedade e capazes de reagir criticamente àquilo que se institui. (CARDOSO, 2005, p. 93)

A colocação acima sintetiza a relevância do contato com o anúncio, pois esse gênero convida o discente a assumir uma posição mais ativa em relação as interações sociais, colocando-se também como agente modificador das relações coletivas e reconhecedores do seu papel nos diversos contextos sociais em que se enquadra. Com isso, pode-se constituir como um sujeito mais reflexivo e, consequentemente, mais autônomo, tanto na escola quanto nos demais ambientes que possa frequentar.

Dessa forma, as atividades com o gênero anúncio podem proporcionar o aprimoramento da argumentação por parte dos discentes; auxiliando-os, inclusive, no desenvolvimento de estratégias que possam aperfeiçoar seu potencial persuasivo, considerando que o processo comunicativo também se configura como uma tentativa constante de afirmação de discursos, promovendo inúmeras trocas de posição entre enunciador e enunciatário nos diversos contextos sociais.

Quanto à linguagem, o gênero acima mencionado possibilita que sejam abordados aspectos relevantes para o trabalho com o educando, principalmente no que tange à pragmática da língua. Desse modo, um dos traços que merece destaque na composição desse gênero é a construção de mensagens concisas que retratam muito bem o processo dinâmico no qual os sujeitos estão inseridos e o propósito comunicativo de um anúncio: buscar formas breves e eficazes de transmitir informações e alcançar o convencimento, favorecendo a adesão do enunciatário às ideologias propostas.

Não é raro também o uso de recursos propositadamente ambíguos e polissêmicos em que o produtor dos textos se utiliza da criatividade para chamar a atenção do público. Para Bazerman (2009, p. 45), “as propagandas quase sempre buscam novidade e variedade para ganhar a atenção de espectadores desatentos”.

Aliado ao reconhecimento desses itens, é ressaltante que os alunos percebam a presença da intertextualidade e o uso recorrente de formas imperativas - as quais constituem a base para o estabelecimento da linguagem apelativa, por meio de recursos multimodais.

Cumpre ressaltar que a proposta de trabalho com o gênero, presente neste estudo, difere de algumas formas recomendadas nos livros didáticos, nos quais os gêneros são utilizados como um pretexto para o surgimento de questões gramaticais descontextualizadas e que estão voltadas somente para o aspecto estrutural da língua.

Com isso, assegura-se que o gêneros, em especial o anúncio, só pode ser explorado de maneira produtiva se forem estiverem pautados em ações voltadas para a prática social. Essa

afirmação não descarta as atividades que envolvem conteúdos gramaticais, desde que elas estejam assentadas em propósitos que levem o aluno à reflexão sobre as possibilidades de uso da linguagem de maneira contextualizada, em consonância com o gênero escolhido.

Essa consideração encontra consistência em Marcuschi (2010, p. 37), já que, segundo o autor, “em sala de aula, de modo particular, pode-se levar os alunos a produzirem ou analisarem eventos linguísticos os mais diversos, tanto escritos como orais, e identificarem as características de gênero em cada um”.

É válido, então, desenvolver mecanismos que mostrem as peculiaridades do anúncio, fazendo referência, sobretudo, à maneira como as mensagens são construídas, à dinamicidade das informações, às relações de complementaridade entre as sentenças verbais e as imagens, ao rompimento de padrões de organização textual, às ideologias que permeiam o discurso etc.; com o intento de aprofundar a leitura dos textos e aprimorar a autonomia dos discentes nas relações sociais. Nessa lógica, Marcuschi atesta que

a publicidade se caracteriza por operar de maneira particularmente produtiva na subversão da ordem genérica instituída. Desenquadrar o produto de seu enquadre normal é uma forma de enquadrá-lo em novo enfoque, para que o vejamos de forma mais nítida no mar de oferta de produtos. (MARCUSCHI, 2010, p. 34)

Contudo, o mesmo autor alerta que “os gêneros independem de decisões individuais e não são facilmente manipuláveis, eles operam como geradores de expectativas de compreensão mútua” (MARCUSCHI, 2010, p. 37). Entende-se, portanto que as adequações são decorrentes de negociações coletivas em detrimento dos interesses individuais que possam estar presentes nos processos de interação.

Essa necessidade de aceitação recíproca das ideias partilhadas entre os sujeitos revela a importância dos propósitos argumentativos contidos nas mensagens. Em outras palavras, a argumentação assume esse valor porque os atores sociais dialogam no sentido de buscar o consentimento de suas ideologias e precisam utilizar as mais variadas técnicas de persuasão para que isso ocorra.

Sobre essa habilidade de convencimento, Antônio Suárez Abreu (2009, p. 26) afiança que “convencer, etimologicamente, significa vencer junto com o outro […]. Convencer é construir algo no campo das ideias. Quando convencemos alguém, esse alguém passa a pensar como nós”. Nesse sentido, reafirma-se que a proposição de novas estratégias argumentativas – a partir do trabalho com o gênero anúncio – pode contribuir para a negociação de sentidos do texto e elevar a criticidade dos alunos.

Esse processo de persuasão, que é muito latente no gênero anúncio, propicia a execução de atividades que envolvam a oralidade, a qual pode funcionar como importante

estratégia para se trabalhar a argumentação no texto de propaganda, uma vez que os educandos exercitarão sua criatividade para que suas ideias sejam aceitas pelos seus pares.

Essa estreita relação entre a oralidade e a escrita, situadas de maneira complementar nos textos publicitários, colaboraram para a seleção desse gênero, já que o contato com esses textos também auxilia na evolução da expressividade dos discentes, principalmente porque grande parte dos alunos se esquiva da possibilidade de expor suas opiniões para a classe e aceita, sem contestar, as informações que lhes são repassadas durante as aulas.

Cumpre expor também que, neste trabalho, os anúncios foram segmentados em dois grupos: institucionais e comerciais. Essa divisão tem como intuito mostrar aos alunos as diferenças entre cada um desses textos. Isso se dá porque – apesar de ambos estarem centrados no enunciatário – o anúncio institucional tem a intenção de alertar sobre determinada situação, expor uma problemática etc.; enquanto que o foco do anúncio comercial é a venda de produtos, expondo qualidades e benefícios que estimulem os potenciais consumidores a adquirir algo e/ou fidelizá-lo a alguma marca.