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Gênero interacionismo sociodiscursivo

No documento O discurso de outrem em retextualizações (páginas 37-40)

2.2 GÊNEROS TEXTUAL DISCURSIVO

2.2.3 Gênero interacionismo sociodiscursivo

Bronckart (1999), ao tratar dos estudos a respeito do texto, aborda a linguagem em suas dimensões discursivas e/ou textuais. Justifica seu posicionamento, pois adere a uma psicologia interacionista social, a que chama de interacionismo sociodiscursivo. O interacionismo social procura analisar a conduta do ser humano como resultado de um processo histórico de socialização. Conforme o autor, foi no curso da evolução que, progressivamente, o ser humano desenvolveu formas de interação semiótica decorrentes não só da necessidade de sobrevivência mas também como resultado do desenvolvimento de sua

consciência, tornando-os capazes para colaborar com os outros na organização social. Para o autor:

Os textos e/ou discursos são as únicas manifestações empiricamente observáveis das ações de linguagem humanas (a língua é um construto; as frases e os morfemas são apenas „recortes abstratos‟) e, de outro lado, é no nível dessas unidades globais que se manifestam, de forma mais nítida, as relações de interdependência entre as produções de linguagem e seu contexto acional e social (BRONKCART, 1999, p.14).

De acordo com Bronckart (1999), há uma relação de interdependência entre as produções de linguagem e o contexto social, ou seja, a linguagem não só refletiria as ações humanas como também as organizaria e as condicionaria. Para tratar da abordagem interacionista, Bronckart (1999) se fundamenta em vários pesquisadores, tais como: Vion (1992), cujos trabalhos são centrados nas interações verbais; na análise dos gêneros e tipos textuais proposta por Bakhtin (1978; 1984); na análise das formações sociais16 elaboradas por

Foucault (1969), proposições que expandem a concepção das interações entre formas de vida e jogos de linguagem desenvolvida segundo Wittgenstein (1961; 1975); e, ainda, em seus estudos anteriores, Bronckart (1977, 1987, 1994), em que defende uma abordagem interacionista que deve apoiar-se na análise saussureana do arbitrário radical do signo (1916), que constitui uma contribuição teórica essencial para a compreensão do estatuto das relações de interdependência entre a linguagem, as línguas e o pensamento.

Quanto aos processos de construção psicológica, nessa perspectiva, o interacionismo desenvolve uma releitura crítica da obra de Piaget e de Wygotsky, que constitui o fundamento mais radical do interacionismo em psicologia.

Conforme Bronckart (1999, p.31), “a espécie humana se caracteriza pela extrema diversidade e pela complexidade de suas formas de organização e de suas formas de atividade”. Sua evolução está indissoluvelmente relacionada à linguagem, que por sua vez, confere às organizações e atividades humanas uma dimensão particular, o que justifica que sejam chamadas de sociais. A língua, de acordo com o autor, mesmo que assegure a intercompreensão, não pode ser considerada como uma entidade única e homogênea. A língua como afirma Bronckart (1999, p.37), apoiado no trabalho de Berrendonner et. al.(1983), “apresenta-se como um conjunto de subsistemas encaixados, movediços e permeáveis, que são apenas apreensões estruturais abstratas das modalidades de funcionamento dos diferentes gêneros de textos, únicas realidades empiricamente atestáveis das línguas”.

16 Formações sociais, conforme Bronckart (1999, p.31) referem-se às ações comuns aos indivíduos de

Quanto à definição de gênero textual, o autor esclarece que os textos são produtos da atividade humana e, como tais, estão articulados às necessidades, aos interesses e às condições de funcionamento das formações sociais no seio das quais são produzidos. Isso justificaria, segundo ele, a diversidade de modos de fazer textos, pois os contextos sociais são inúmeros, as atividades humanas tão diversas quanto as suas necessidades de interação, o que motivou a emergência de diferentes espécies de texto: “conjunto de textos que apresentem características comuns” (BRONKCART, 1999, p.72).

A diversidade de espécies de texto, segundo Bronckart (1999), levou inúmeros estudiosos, desde a Antiguidade grega até os pesquisadores atuais a preocuparem-se em delimitar e nomear esse objeto de estudo. A classificação como gênero de texto ou gênero de discurso se aplicava apenas aos textos com valor social ou literário reconhecido. Entretanto, a partir dos estudos de Bakhtin, essa noção tem se estendido e está, progressivamente, sendo aplicada ao conjunto das produções verbais organizadas. Isso justificaria, para Bronckart (1999), a designação de gênero textual a qualquer espécie de texto.

De acordo com Bronckart (1999, p.75), a multiplicidade dos gêneros se deve à relação de interdependência com as atividades humanas. Os gêneros são em número infinito, mesmo quando os exemplares concretos de texto pertencem a um mesmo gênero e são compostos por tipos de discursos idênticos, eles ainda podem se diferenciar em numerosos aspectos. Cada texto particular apresenta características individuais e constitui, por isso, um objeto sempre único.

Para o autor (1999), apesar de a designação gênero de texto ser hoje aceita e utilizada para designar todo exemplar de texto, os gêneros continuam sendo entidades profundamente vagas. Não há um modelo de referência estabilizado e coerente que permita classificar um texto como pertencente a determinado gênero. As múltiplas classificações existentes, segundo Bronckart (1999), são divergentes e parciais. O critério mais objetivo, que poderia ser utilizado para identificar e classificar os gêneros, é o das unidades e das regras linguísticas específicas que mobilizam. Porém, nem mesmo esse critério seria possível, visto que um texto é composto por diversos segmentos distintos. Em quaisquer que sejam os gêneros em que os segmentos de relato de acontecimentos vividos, de narração, de diálogo se inscrevem, esses apresentarão semelhanças linguísticas identificáveis que permitem classificá-los com base em suas propriedades linguísticas e não nos gêneros nos quais se inscrevem.

Na tentativa de definir os gêneros do discurso, conforme esse estudioso, devem ser considerados alguns critérios, tais como os que se referem ao tipo de atividade humana

implicada, ao efeito comunicativo almejado, ao tamanho ou à natureza do suporte utilizado, ao conteúdo temático abordado, entre outros critérios.

No entanto, mesmo que se considerem todos esses critérios, conforme o autor, a grande diversidade dos gêneros textuais impediria a padronização, o que torna difícil ou mesmo impossível classificá-los segundo padrões pré-estabelecidos. Os gêneros textuais, mesmo diferenciáveis intuitivamente, não podem nunca ser objeto de uma classificação racional, estável e definitiva, já que os parâmetros que podem servir como critérios de classificação (finalidade humana geral, questão social específica, conteúdo temático, processos cognitivos mobilizados, suporte etc.) são, ao mesmo tempo, pouco delimitáveis e estão em constante interação.

Nesse sentido, Bronckart (1999) destaca que, no nível de um agente particular, a produção de um novo texto empírico deve ser concebida como o resultado de uma colocação em interface das representações construídas pelo agente sobre sua situação de ação (sobre os motivos, intenções, conteúdo temático a transmitir etc.) e das suas representações sobre os gêneros de textos indexados disponíveis no intertexto. Nessa visão, segundo o autor, todo novo texto empírico é necessariamente construído com base no modelo de um gênero, isto é, pertence a um gênero.

Assim, os gêneros, para Bronckart (1999), constituem ações de linguagem que exigem do enunciador competência para escolher o gênero mais adequado a ser utilizado, mediante a enorme variedade disponível. A escolha, porém não é aleatória, está inter- relacionada ao tipo de atividade humana implicada e ao efeito comunicativo almejado. Essas considerações não serão possíveis se o locutor não estiver inserido ao contexto sociointerativo em que se realiza a enunciação, pois a linguagem está intrinsecamente relacionada às atividades humanas.

No documento O discurso de outrem em retextualizações (páginas 37-40)