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Perspectivas teóricas: uma possível correlação

No documento O discurso de outrem em retextualizações (páginas 42-46)

2.2 GÊNEROS TEXTUAL DISCURSIVO

2.2.5 Perspectivas teóricas: uma possível correlação

Como é possível constatar, a partir da perspectiva teórica desses diferentes autores, são várias as similaridades entre elas, ou porque o autor citado se fundamenta nos estudos bakhtinianos a respeito do texto, ou porque, mesmo não fazendo referência a Bakhtin, seus pontos de vista apresentam convergências, o que, de certa maneira, permite a inter-relação entre essas perspectivas teóricas.

O gênero textual é visto, de maneira geral, como forma tipificada, padronizada, relativamente estável, inserida na sociedade e dependente de um contexto social que, de certa maneira, condiciona-o e adapta-o às suas necessidades. Essa é a condição primeira para que o gênero se constitua como um padrão sociocomunicativo: atender as mais variadas e inúmeras especificidades dos mais diferentes e heterogêneos grupos sociais. A escolha do gênero estaria condicionada sempre ao objetivo pretendido pelo enunciador em dada situação comunicativa. Os gêneros textuais, devido a sua natureza sociointerativa, histórica, cultural e dinâmica, adaptam-se a todas as situações comunicativas, desde o mais simples diálogo cotidiano às mais complexas e formais atividades sociais.

A inter-relação necessária com outros textos e a contextualização à situação comunicativa são condições essenciais à construção do sentido em todo e qualquer texto. Para Bakhtin (1992) todo texto reflete o eco de outros tantos textos. O locutor, de acordo com Bakhtin, expressa em seu enunciado a sua própria voz e a voz de outros, em que interatuam seus próprios enunciados ditos anteriormente e também os enunciados do outro, com os quais pressupõe certa relação no momento da interação. A partir desse dialogismo, o locutor manifesta seu ponto de vista, fundamentado também em supostos conhecimentos de seu interlocutor. Segundo Bakhtin:

O próprio locutor como tal é, em certo grau, um respondente (grifo do autor), pois não é o primeiro locutor, que rompe pela primeira vez o eterno silêncio de um mundo mudo, e pressupõe não só a existência dos enunciados anteriores – emanentes dele mesmo ou do outro – aos quais seu próprio enunciado está vinculado por algum tipo de relação (fundamenta-se neles, polemiza com eles), pura e simplesmente ele já os supõe conhecidos do ouvinte. Cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados (BAKHTIN, 1992, p.291).

Para Bronckart (1999), os signos apresentam um significado reconhecível devido à estabilização de um sentido comum construído no coletivo a partir do uso em processos interativos, o que justifica terem um significado partilhado, sendo essa a condição que permite a interação, assim:

É só sob o efeito da confrontação do valor ilocutório das produções dos interactantes que se estabilizam progressivamente os signos, como formas compartilhadas (ou convencionais) de correspondência entre representações sonoras e representações de entidades do mundo. Cada signo veiculando, desse modo, um determinado significado (conjunto de representações particulares compreendidas em um significante coletivo)... ( BRONCKART, 1999, p.35).

Para Bazerman (2006), a intertextualidade criaria uma compreensão compartilhada entre os enunciados anteriores e os atuais, garantindo que o interlocutor não só compreenda os gêneros em dada situação específica de uso como também lhe daria suporte para utilizá-los em novas situações. Assim, novos gêneros se encaixariam a atividades sociais estruturadas, devido a novas necessidades, dependentes, no entanto, de outros textos anteriores tanto para a nova estruturação quanto para a construção de significados comuns à referida área de atividade social, ou seja, a constituição do sentido dependeria assim de conhecimentos comuns aos participantes desse evento. “A sociabilidade de textos é frequentemente uma questão da compreensão social implícita, encaixada em nosso reconhecimento de gêneros que formam a atividade comunicativa [...]”, (BAZERMAN, 2006, p.99). A escolha de determinados gêneros atenderia a padrões comunicativos pré-estabelecidos, estaria, por esse motivo, diretamente relacionada aos fatos sociais inerentes à situação que se apresenta. Fatos esses que já fariam parte do conhecimento adquirido pelos interlocutores, através das inúmeras experiências sociais.

A intertextualidade frequentemente procura criar uma compreensão compartilhada sobre o que foi dito anteriormente e a situação atual como se apresenta. Isto é, as referencias intertextuais tentam estabelecer os fatos sociais sobre os quais o escritor tenta fazer uma nova afirmação (BAZERMAN, 2006, p.25).

Outro aspecto comum à obra dos referidos autores é a relação de interdependência que estabelecem entre os gêneros textuais e as necessidades comunicativas das diferentes áreas da atuação humana. De acordo com Bakhtin (1992, p. 283-84),

[...] cada esfera conhece seus gêneros, apropriados a sua especificidade, aos quais correspondem determinados estilos. Uma dada função e dadas condições, específicas para cada uma das esferas da comunicação verbal, geram um dado gênero, ou seja, um dado enunciado, relativamente estável, do ponto de vista temático, composicional e estilístico.

Para Bazerman (2006), a compreensão dos gêneros estaria condicionada a atividades socialmente organizadas. Já para Bronckart, há uma interdependência entre o gênero textual e o contexto sociointerativo no qual a enunciação é realizada, pois a linguagem, de acordo com ele, está intrinsecamente relacionada às atividades humanas. Marcuschi (2005) fundamentado em Bakhtin (1979, p. 279), defende que só é possível tratar de gênero textual se considerar a sua interdependência à realidade social na relação com as atividades humanas.

Acrescenta-se, ainda, a consideração à expectativa do locutor em relação à atitude advinda do interlocutor como resposta ao seu enunciado, ou seja, ao enunciar, o locutor espera uma atitude-resposta do interlocutor, pois cria uma expectativa em relação ao entendimento que seu interlocutor poderá ter em relação ao que foi dito. A resposta do interlocutor, embora, muitas vezes previsível do ponto de vista do locutor, pode gerar situações inesperadas, as quais, ambos, locutor e interlocutor, precisarão adequar-se para que a interação ocorra. É a atitude responsiva ativa de que fala Bakhtin(1992, p. 290-91):

Toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se o locutor [...].

[...] o locutor postula esta compreensão responsiva ativa: o que ele espera, não é uma compreensão passiva que, por assim dizer, apenas duplicaria seu pensamento no espírito do outro, o que espera é uma concordância, uma adesão, uma objeção, uma execução etc.

Para explicar a relação entre a intenção comunicativa do locutor e a resposta possível do interlocutor, Bazerman (2006) se utiliza da teoria dos atos de fala.

Bronckart (1999, p.75), diferentemente de Bakhtin (1992), de Bazerman (2006) e de Marcuschi (2005) usa a expressão gêneros de texto e não gêneros de discurso. Segundo ele, os gêneros, por serem produtos das atividades humanas, são múltiplos, e até mesmo infinitos, já os segmentos, discursos que entram na sua composição são em número finito, podendo ser identificados, ao menos parcialmente, por suas características linguísticas específicas. Se

esses segmentos são em número finito, isso se deve ao fato de atualizarem subconjuntos de recursos de uma língua natural, a partir da colocação em forma discursiva por um trabalho particular de semiotização.

Esse fato justificaria, segundo ele, que sejam chamados de discursos. Ou seja, discurso seria um segmento de natureza diversa, adaptável, porém a diferentes gêneros, podendo desempenhar quaisquer funções comunicativas, desde que adaptado à situação comunicativa, decorrente da necessidade de quem enuncia.

Bronckart (1999, p.143), após uma breve discussão sobre o trabalho de Bakhtin (1978, 1984), destaca que a terminologia deste estudioso é muito flutuante, não só pela evolução de sua obra como também por problemas de tradução. De acordo com Bronckart (1999, p.143), “os termos enunciado, enunciação e texto concorrem claramente para designar a unidade fundamental da análise; os gêneros são mais frequentemente tratados como gêneros do discurso, mas às vezes também como gêneros de texto”. Bronckart ressalta que não adere totalmente a essas concepções, apesar disso, propõe um sistema de equivalências terminológicas, conforme citação:

As formas e os tipos de interação de linguagem e as condições concretas de sua realização podem ser designadas pela expressão mais geral ações de linguagem; os

gêneros do discurso, gêneros do texto e/ou formas estáveis de enunciados podem ser

chamados de gêneros de textos; os enunciados, enunciações e/ou textos

bakhtinianos podem ser chamados de textos, quando se trata de produções verbais

acabadas, associadas a uma mesma e única ação de linguagem ou de enunciados, quando se trata de segmentos de produções verbais do nível da frase (BRONCKART, 1999, p.143, grifos do autor).

Em síntese, a partir da inter-relação entre essas diferentes perspectivas teóricas, é possível concluir que os gêneros do discurso são formas relativamente padronizadas, visto que suprem as necessidades interacionais comunicativas de diferentes grupos sociais, atendendo- lhes as especificidades próprias e organizando a vida em sociedade; são interdependentes entre si, porém constroem seu sentido na intertextualidade e na interdiscursividade, são heterogêneos, variáveis e flexíveis como a linguagem. Por estarem condicionados às atividades humanas, que são extremamente diversificadas, refletem, necessariamente, essa diversidade. Apesar dessa diversidade e dessa heterogeneidade, os gêneros refletem a individualidade e a criatividade daquele que enuncia, pois por serem únicos, permitem uma variedade de estilos.

No documento O discurso de outrem em retextualizações (páginas 42-46)