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CAPÍTULO 1: UM FIO DA MEADA

1.3 Gêneros textuais

Não podemos iniciar esse tópico sem uma referência explícita à contribuição de Bakhtin para uma nova perspectiva a respeito da linguagem humana e de seus estudos. Como afirma Brait (2005), o conceito de linguagem que emana dos trabalhos desse pensador está comprometido com uma visão de mundo que resvala pela abordagem linguístico-discursiva, pela teoria da literatura, pela filosofia, pela teologia, por uma semiótica da cultura, por um conjunto de dimensões ainda não inteiramente decifradas, o que revela a amplitude da influência do seu pensamento, a partir da segunda metade do século XX.

A autora nos revela também que

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Neste trabalho, adotaremos a denominação gêneros textuais, conforme posição de Marcuschi (2008, 2010, 2011) semelhantemente a Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004); Dolz, Gagnon e Decândio (2010). Não discutiremos as diferenças teóricas entre os termos gêneros textuais/do discurso. Para dirimir eventuais dúvidas sobre o tema, indicamos o texto de Rojo (2005): Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas.

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a natureza dialógica da linguagem é um conceito que desempenha papel fundamental no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin, funcionando como célula geradora dos diversos aspectos que singularizam e mantêm vivo o pensamento desse produtivo teórico (...) o que hoje definimos como dialogismo, polifonia, interdiscurso, heterogeneidade e que, se nem sempre correspondem a palavras estabelecidas pelo autor, constituem ao menos sínteses das ideias que mobilizam seus trabalhos.” (BRAIT, 2005, p. 88-89).

Brait (2005, p. 89) mostra que há indícios de que um dos eixos do pensamento bakhtiniano está na busca das formas e dos graus de representação da heterogeneidade constitutiva da linguagem por meio da preocupação com a dimensão histórico-ideológica e a constituição sígnica das ideologias; da insistência na discussão de uma natureza interdiscursiva, social e interativa da palavra; da tentativa de oferecer elementos para uma reflexão sobre os gêneros discursivos; da interdiscursividade como condição de linguagem. Para ela, em Bakhtin há um permanente diálogo entre indivíduo e sociedade, dimensão que a linguagem se encarrega de instaurar e mobilizar; e esse dialogismo existe entre os diferentes discursos que configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade, o que caracteriza a natureza interdiscursiva da linguagem.

A autora explica que o dialogismo diz respeito às relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos, aproximando o dialógico e dialético, ainda que não possam ser confundidos, “uma vez que Bakhtin vai falar do eu que se realiza „no nós‟, insistindo não na síntese, mas no caráter polifônico dessa relação exibida pela linguagem” (BRAIT, 2005, p. 94-95). Essa concepção de Bakhtin mostra que a linguagem funciona diferentemente para os diferentes grupos, pois diferentes materiais ideológicos participam do julgamento de uma dada situação.

Para Morato (2004), a introdução definitiva das dimensões sociais, culturais e contextuais na análise de fatos da linguagem fez com que “a Linguística passasse a dirigir seus esforços à compreensão de fenômenos comunicativos e de padrões normativos próprios à interação.” (p. 319). E a interação é uma atividade sociocognitiva a partir da qual a aquisição da linguagem se torna possível. E, na perspectiva bakhtiniana, “a interação verbal é a realidade fundamental da língua, e o discurso o modo pelo qual os sujeitos produzem essa interação, um modo de produção social da língua” (Idem, p. 330). Além disso, o processo de interação é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação.

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Podemos entender que, em uma postura sociointerativa da língua, a vemos como uma forma de ação social, histórica e cognitiva que privilegia a natureza funcional e interativa e não o aspecto formal e estrutural da língua. Isso faz com que unidade básica para os processos de ensino-aprendizagem seja o discurso em sua materialidade social e em sua materialização textual (GERALDI, 1996).

Para Bakhtin (2003, p. 261-262), o emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos)

concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos- o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso.

Em sua teoria, ele mostra que há gêneros primários ou simples (geralmente orais, que provêm das trocas verbais ordinárias, têm relação imediata com o contexto real existente e com os enunciados do outro) e os gêneros secundários ou complexos (geralmente escritos, são resultado do discurso literário, científico, ideológico; nascem de trocas culturais mais formais; absorvem e transmutam os primários). Sinteticamente, gêneros do discurso são as formas como se concretizam os textos, que possuem diferenças específicas; dão forma às atividades de linguagem; são a forma de dizer em circulação social, o repertório das formas do discurso.

Do ponto de vista histórico, Rojo (2008b) ressalta que Bakhtin e seu Círculo construíram uma nova visão de língua e de linguagem, como já dissemos, “livre do subjetivismo da estilística de seu tempo e da abstração da linguística estrutural e do formalismo russo”. Ele propôs uma visão concreta do enunciado para substituir tanto a sentença (oração) como o estilo em sua concepção tradicional. Nesses aspectos, seu foco, seu corpus e seu problema privilegiado era o romance polifônico. Mas a teoria da enunciação e o romance polifônico como objetos de estudo é que demandaram desse grupo uma revisão do conceito de gênero literário, “que o estende para além das fronteiras da arte verbal: para a vida e para a ética, para além da estética” (p.95). O quadro abaixo demonstra a evolução conceitual desses estudos.

36 Quadro 2 – Evolução do conceito de gênero

Fonte: Elaborado com base em Rojo (2008b, p. 95).

Retomando as “formas do discurso”, referidas por Bakhtin e relacionando-as às estruturas de poder, Van Dijk (2008) mostra que os grupos mais poderosos e seus membros controlam ou têm acesso a um amplo e variado número de papéis, gêneros, oportunidades e estilos de discurso. Para ele, os “sem-poder” figuram apenas como receptores dos discursos formais, públicos ou impressos e “os conteúdos e a organização do conhecimento público, as hierarquias de crença e a amplitude do consenso são fatores poderosos na formação e na reprodução de opiniões, atitudes e ideologias” (p. 50).

Ele defende que o exercício discursivo do poder se dá predominantemente pela via persuasiva e propõe uma classificação dos discursos, como vemos abaixo.

Quadro 3 - Gêneros de discurso e de poder Discursos com funções

pragmáticas diretivas

Comandos, ameaças, leis, regulamentos, instruções, recomendações e conselhos.

Discursos persuasivos Anúncios publicitários e as propagandas.

Discursos descritivos dos acontecimentos futuros ou eventuais

Previsões, planos, cenários, programas ou alertas, relatórios acadêmicos.

Discursos narrativos Romances, filmes, reportagens jornalísticas. Fonte: Elaborado com base em Van Dijk, 2008.

Van Dijk reforça que o “poder discursivo”, por ser predominantemente persuasivo, caracteriza-se por conter justificativas, argumentos, promessas e exemplos que aumentam as chances de os receptores formarem as representações mentais desejadas. Para ele, uma estratégia para disfarçar o poder “é convencer as pessoas sem poder de que elas praticaram as ações desejadas em nome de seus interesses” (VAN DIJK, 2008, p. 84). O poder discursivo também envolve o controle sobre o discurso em si e se molda de acordo com quem está falando e em quais contextos, quem tem acesso aos vários tipos e meios de

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comunicação e quais receptores podem ser alcançados. Assim, ele propõe três tipos de discurso em relação à demonstração de poder, como vemos:

Quadro 4 - Poder no discurso Conversação (falantes com papéis sociais semelhantes)

Conversa entre pais e filhos, entre mulheres e homens, fala racista. Diálogo institucional (interação

institucional no trabalho)

Entrevistas de emprego, discurso médico- paciente, discurso nos tribunais, discurso organizacional, discurso político.

Discurso escrito (mais programado, controlado)

Textos jornalísticos e produção de notícias, livros didáticos.

Fonte: Elaborado com base em Van Dijk, 2008.

Por essa tipologia, percebemos que há uma correlação direta entre a abrangência do discurso e a abrangência do poder. O autor reforça que

os sem-poder costumam ter controle apenas nas conversações do dia-a-dia e são meros receptores passivos de discurso oficial e midiático. Os poderosos têm acesso a uma variada gama de modos dialógicos formais, especialmente impressos, de escrita e fala e, em princípio, conseguem atingir um grande número de grupos de pessoas. Daí que os poderosos controlam o discurso por meio do controle de seu material de produção, sua formulação e sua distribuição. (VAN DIJK, 2008, p. 84)

No âmbito dessa relação entre discurso e poder, o linguista inglês Fairclough (2001, p. 135) reafirma que o texto absorve e é construído de textos do passado, responde, reacentua e retrabalha textos passados, confirmando sua historicidade e “essa historicidade inerente aos textos permite-lhes desempenhar os papéis centrais que têm na sociedade contemporânea no limite principal da mudança social e cultural”. Nesse sentido, ele defende que a intertextualidade aponta para a produtividade dos textos, pois podemos transformar textos anteriores e reestruturar as convenções existentes para gerar novos textos.

A intertextualidade é fonte da ambivalência dos textos e suas dimensões são importantes para construir um quadro teórico para análise de discurso. São elas:

intertextualidade horizontal (diálogo entre um texto e aqueles que o precedem e seguem na

cadeia de textos); intertextualidade vertical (diálogo entre um texto e outros textos que constituem seus contextos mais ou menos imediatos ou distantes); intertextualidade manifesta (outros textos explicitamente presentes no texto sob análise); intertextualidade constitutiva ou

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interdiscursividade (configuração de convenções discursivas que entram em sua produção, o

foco está nas convenções discursivas e não em outros textos).

Meurer (2005, p. 81-82) explica que Fairclough utiliza o termo gênero para designar “um conjunto de convenções relativamente estável” associado a “um tipo de atividade socialmente aprovado”, que implica um tipo particular de texto e processos particulares de produção, distribuição e consumo de textos. Os exemplos da vida cotidiana são vários: conversa informal, compra de produtos em uma loja, entrevista de emprego, documentário de televisão, poema, artigo científico.

Essa concepção apresenta três implicações: os indivíduos realizam ações por meio da linguagem; o discurso é simultaneamente influenciado pelas estruturas sociais e as influencia; os recursos empregados pelos indivíduos tanto para produzir como para consumir textos são cognitivos e sociocognitivos, porque são perpassados por discursos e ideologias. Fairclough, portanto, enfatiza a relação dialética entre linguagem e sociedade, destacando o poder criativo do discurso com base nas formas de conhecimentos e crenças; nas relações sociais e nas identidades (MEURER, 2005, p. 89).

Nesse texto, Meurer ainda esclarece que ele “enfatiza a necessidade de analisar os traços e pistas que ocorrem em diferentes gêneros textuais, buscando evidenciar como eles refletem discursos e rotinas sociais”. Em outras palavras, o autor buscou desenvolver uma teoria e um método que permitissem mostrar como traços e pistas linguísticas refletiam as complexidades sociais implícitas em diferentes textos, pois gêneros textuais têm estreita relação com a noção de hegemonia, porque “a escolha de textos e o seu modo de uso dependem frequentemente das formas de dominação estabelecidas” (Idem, p. 90 a 92).

A crença de Fairclough é que, uma vez que alguém se torne consciente do valor ideológico de determinado discurso, pode resistir a ele e o aspecto ideológico pode consequentemente perder ou diminuir seu efeito. Nesse aspecto, a compreensão do papel da linguagem como prática social pode cooperar para a emancipação de grupos menos privilegiados ou não. Para que a emancipação ocorra, a sua proposta é a de uma Análise Crítica do Discurso (ACD) que considere cada evento discursivo a partir de três dimensões que se complementam: texto, prática discursiva e prática social. Nessa abordagem tridimensional, entende-se que toda prática discursiva é uma forma de prática social, mas nem toda prática social é uma prática discursiva (MEURER, 2005, p. 94).

A partir desse posicionamento teórico, propõe-se que examinemos os textos no que diz respeito a sua produção, distribuição e consumo, com atenção especial à coerência, à

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intertextualidade e à interdiscursividade. Nessa análise busca-se responder às seguintes questões: Quem escreve para quem, em quais circunstâncias e por quê? Que aspectos de intertextualidade e interdiscursividade se manifestam no texto? Como o texto contribui para a (re)produção, manutenção ou mudança de certas práticas sociais ou realidades? (MEURER, 2005, p. 88-102).

Na esteira dessa concepção teórica, a afirmação bakhtiniana de que os “enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem” (BAKHTIN, 2003, p. 268) pode ser mais bem entendida a partir do quadro abaixo, que mostra os gêneros textuais ao longo do tempo e os aspectos valorizados em cada cultura. Ressalte-se que a separação entre as culturas pelas cores que se interpenetram demonstra que não há uma rigidez entre uma e outra, não sendo, portanto, dicotômicas, pois os gêneros são entidades dinâmicas, “cujos limites e demarcação se tornam fluidos” (MARCUSCHI, 2008, p. 151).

Quadro 5 – Linha do tempo dos gêneros textuais

Fonte: Construção com base em Marcuschi (2010).

Ao analisarmos essa linha do tempo, entendemos quando Marcuschi esclarece que isto é revelador do fato de que os gêneros textuais surgem, situam-se e

integram-se funcionalmente nas culturas em que se desenvolvem.

Caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais. São de difícil definição formal, devendo ser contemplados em seus usos e

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condicionamentos sociopragmáticos caracterizados como práticas sociodiscursivas. (MARCUSCHI, 2010, p. 20)

É importante ponderarmos, como expõe Marcuschi (2010, p. 21), que os novos gêneros não são inovações absolutas de cada época e cultura, sem uma “ancoragem em outros gêneros já existentes”. Segundo ele, o próprio Bakhtin já falava na “transmutação'” dos gêneros e na assimilação de um gênero por outro, gerando novos. Reconhecemos que a tecnologia favorece o surgimento de novos gêneros, “mas não absolutamente novos”, por outro lado, isso confirma que os gêneros refletem as estruturas sociais típicas de cada cultura (p. 34).

Os gêneros surgidos no século XX, na cultura eletrônica, criam formas comunicativas híbridas4, estabelecendo novas relações entre oralidade e escrita e inviabilizando a visão dicotômica ainda presente em muitos livros de ensino de língua.

Esses gêneros também permitem observar a maior integração entre os vários tipos de semioses: signos verbais, sons, imagens e formas em movimento. A linguagem dos novos gêneros torna-se cada vez mais plástica, assemelhando-se a uma coreografia e, no caso das publicidades, por exemplo, nota-se uma tendência a servirem-se de maneira sistemática dos formatos de gêneros prévios para objetivos novos. Como certos gêneros já têm um determinado uso e funcionalidade, seu investimento em outro quadro comunicativo e funcional permite enfatizar com mais vigor os novos objetivos. (MARCUSCHI, 2010, p. 21-22)

Conforme analisamos, embora os gêneros limitem nossa ação na escrita, eles são essencialmente flexíveis e variáveis, tal como seu componente crucial, a linguagem. “Pois, assim como a língua varia, também os gêneros variam, adaptam-se, renovam-se, multiplicam- se” (MARCUSCHI, 2011, p. 19), dessa forma, a variação está para a linguagem, assim como para o gênero. Mas, ressalte-se que, mesmo com essa flexibilidade, “precisamos da categoria de gênero para trabalhar com a língua em funcionamento com critérios dinâmicos, de natureza ao mesmo tempo social e linguística” (Idem).

Ainda sobre as concepções de gêneros textuais, consideramos bastante pertinentes as ideias de Charles Bazerman (2011) da escola de estudos de gêneros norte-americana, que também se interessa pela natureza social do discurso. Seus postulados principais são: dominar

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Hibridização ou mescla de gêneros: um gênero assume a função de outro; um gênero pode não ter uma deter- minada propriedade e ainda continuar sendo aquele gênero (artigo de opinião em forma de poema, por exemplo); o predomínio da função supera a forma na determinação do gênero (MARCUSCHI, 2010).

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gêneros é agir politicamente e gêneros são um meio de agência, com a ponderação de que os gêneros da escrita são muito importantes em nossa sociedade.

Nessa perspectiva, ele expõe que, em décadas recentes, o ensino da escrita foi transformado pelo amplo reconhecimento de vários princípios. Em primeiro lugar, escrever bem requer mais do que a produção de sentenças corretas, pois também envolve a comunicação bem-sucedida de mensagens significantes para outros. Em segundo lugar, a escrita é um processo que leva tempo e incorpora muitas e diferentes atividades. Em terceiro lugar, o ensino da escrita que ajuda alunos a alcançarem o sucesso acadêmico precisa atender a todos os tipos de escrita que são necessários para o estudo da linguagem ou da literatura, da história, da ciência, da filosofia e da política. Por último, os alunos, ao terminarem seus estudos, precisam estar aptos a produzir muitas e diferentes formas de escrita, mesmo considerando que todas as formas da escrita que eles poderiam precisar sejam impossíveis de antecipar. Neste caso, precisamos oferecer-lhes habilidades e flexibilidade suficientes para se adaptarem às situações mais variadas da escrita (BAZERMAN, 2011, p.16).

Para ele, os gêneros são o que as pessoas reconhecem como gêneros em qualquer momento do tempo. Esse reconhecimento pode ocorrer por “nomeação, institucionalização e regularizações explícitas, através de várias formas de sanção social e de recompensa”. Ele completa:

Identificar gênero historicamente conduz o conceito de gênero de um fato essencial que reside nos textos a um fato social, real, na medida em que as pessoas o tomam como real e na medida em que essa realidade sociopsicológica influi na sua compreensão e no seu comportamento, dentro da situação como elas o percebem. (Idem, p. 51-52)

Bazerman avalia que a definição de gêneros como apenas um conjunto de traços textuais ignora o papel dos indivíduos no uso e na construção de sentidos, as diferenças de percepção e compreensão, o uso criativo da comunicação para satisfazer a novas necessidades percebidas em novas circunstâncias e a mudança no modo de compreender o gênero com o decorrer do tempo. Pois gêneros não são apenas formas, são formas de vida, modos de ser, “são frames para a ação social”. Por isso, gêneros “são tão somente os tipos que as pessoas reconhecem como sendo usados por elas próprias e pelos outros”, são o que acreditamos que eles sejam, são parte do modo como os seres humanos dão forma às atividades sociais (BAZERMAN, 2011, p. 23-32).

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Como, segundo ele, o “gênero dá forma a nossas ações e intenções”, é um meio de

agência e por isso não pode ser ensinado divorciado da ação e das situações significativas e

motivadoras. Esse caráter dinâmico, interativo e agentivo do uso dos gêneros escritos muito nos interessa, no âmbito desta pesquisa, pois “significa que no centro de nossa teoria devem estar pessoas que querem realizar coisas através da escrita em um mundo em mudança”, como assim exige a Educação Ambiental (BAZERMAN, 2006, p. 10-11).

O autor reforça que a escrita, sobretudo, é imbuída de agência, porque está profundamente associada a valores de originalidade, personalidade, individualidade; porque nos fornece os meios pelos quais deixamos traços de nossa existência, nossas condições de vida, nossos pensamentos, nossas ações e nossas intenções. Além disso, a escrita fornece-nos os meios para alcançarmos outros através do tempo e do espaço, interagir, influenciar e cooperar (Idem, p. 11).

Como a “abordagem social de gênero transforma-o em uma ação social e, assim, em uma ferramenta de agência”, vemos que em relação aos grandes autores não há dúvida de que eles são agentes, pessoas que através de suas escritas têm aumentado e mudado o pensamento e a ação da comunidade (BAZERMAN, 2006, p.12).

Nesse sentido, comunga com Freire (1983, p. 74), em sua afirmação de que, quando o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. Só dessa forma é que pode transformá-la e, com seu trabalho, criar um mundo próprio de acordo com o seu eu e suas circunstâncias, dado que, para ele, “conhecer é interferir na realidade conhecida”. Assim, o autor, mesmo não sendo linguista, com ou sem outras adjetivações, entendia que a leitura de textos não poderia acontecer sem a compreensão de seus contextos. Por isso, ele nunca entendeu a leitura e a escrita da palavra sem a leitura do mundo que conduza “à reescrita” desse mundo, à sua transformação (FREIRE, 1995, p. 107).

A partir do exposto até aqui podemos, sinteticamente, dizer que os gêneros textuais são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social; são frutos de trabalho coletivo, contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-