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2. OS JOGOS DIGITAIS

2.2. Os jogos como ferramentas educacionais

2.2.3. Gamificação

Percebendo que não basta planear e desenvolver um jogo com uma interface bem construída ou uma narrativa bem integrada, o conceito e aplicação da gamificação tem vindo a ganhar destaque, essencialmente no que respeita à aplicação em serious game. Assim, numa tentativa de dinamizar determinadas atividades e tarefas importantes que, numa perspetiva de jogos educacionais, poderão ser menos motivantes, as técnicas de gamificação vêm trazer a aplicação de mecânicas de jogo a atividades que normalmente não são consideradas jogos, e dessa forma potenciam a mudança de comportamentos das pessoas e envolvem-nas no desafio de jogo (Adams & Dormans, 2012).

O conceito de gamificação não é novo e surgiu na indústria dos media digitais no ano de 2008, no entanto o mesmo só se evidenciou na segunda metade de 2010 (Deterding, Dixon, Khaled, & Nacke, 2011). São interessantes os usos notáveis das capacidades da gamificação nas variadas áreas, como são exemplo as companhias áreas que, para “segurarem” os clientes, definem programas de compensação por fidelização, oferecendo recompensas aos clientes mais frequentes. Ou então o uso de cartões de acumulação que a cada número de aquisições de algum produto (por exemplo, cafés) recebem outro gratuitamente. As vantagens da gamificação foram ganhando relevo e, embora o seu uso em contextos de marketing se revele interessante e compensador, a sua aplicação a cenários de aprendizagem surge como fator potenciador de comportamentos frutuosos que se evidenciam no sentido de beneficiar do prazer natural das pessoas ao jogar (Adams & Dormans, 2012).

Embora o conceito de gamificação tenha vindo a impor-se e a mostrar tendências de fortalecimento, vão sendo referidos termos paralelos e até vão surgindo novos que, segundo o estudo de Deterding, Dixon, Khaled, & Nacke (2011) passam por "design lúdico", "jogos de produtividade", "entretenimento", "jogos comportamentais", "funware", "camada de jogo" ou "jogos aplicados". Esta tendência crescente da gamificação emerge de um conjunto significativo de conceitos e estudos elaborados à volta dos temas de jogos e interação humano-computador, dos quais se salienta a sua associação aos serious games ou jogos de design lúdico. Importa assim perceber em que consiste gamificação e quais as diferentes perspetivas à cerca deste tema.

De uma forma simples Deterding et al. (2011) define gamificação como “o uso de elementos de gamedesign em contextos de não-jogo.” (Deterding et al., 2011, p. 9). Numa definição mais abrangente Vianna et al. (2013, p. 15) sugerem que “A Gamificação (do original em inglês Gamification) corresponde ao uso de mecanismos de jogos orientados ao objetivo de resolver problemas práticos ou de despertar engajamento entre um público específico. Com frequência cada vez maior, esse conjunto de técnicas tem sido aplicado em campos variados, tais como saúde, educação, políticas públicas e esportes.”. Da análise e comparação de vários autores, Karl M. Kapp (2012, p. 51) define gamificação como o uso de “…mecânicas de jogo, estética e pensamento de jogo para envolver as pessoas, motivar a ação, promover a aprendizagem e resolver problemas ".

Entende-se assim que gamificação consiste na conjugação dos mecanismos que comtemplam recompensas virtuais ou físicas, que emergem como fatores motivacionais. Esses fatores desencadeiam assim emoções positivas e promovem a aprendizagem e o desenvolvimento de competências. Para manter o jogador motivado, Vianna et al. (2013) sugerem a manipulação adequada dos elementos essenciais de um jogo – as mecânicas, dinâmicas e estética - no sentido de criar e adaptar as experiencias do jogador.

Recuando no tempo, quem não lembra, com uma saudade enternecedora, as estrelinhas ou as bolinhas (verdes, amarelas ou vermelhas) atribuídas pelo(a) professor(a) em forma de recompensa (ou penalização) pelo nosso comportamento? Ou dos nossos filhos? Isto era já uma forma de motivação para o bom comportamento que surge como estratégia de gamificação. Num contexto de jogos, interessa envolver o jogador na experiência de jogo, proporcionando-lhe compensações pela concretização dos objetivos pretendidos. Como tal, os autores Zichermann e Cunningham (citados por Fadel et al., 2014, p. 29) sugerem um conjunto de ferramentas que resumem a representação estética das compensações integradas nas mecânicas de jogo existente, como sendo:

• PONTOS: muito utilizados, os pontos permitem perceber, de forma simplificada, a performance do jogador e o impacto de determinadas atividades no desenrolar do jogo; • NÍVEIS: representam os diferentes níveis de complexidade e progressão no jogo; • RANKINGS: tabelas com comparação de pontuações, individuais ou gerais,

normalmente ordenadas pela pontuação;

• DIVISAS: representação simbólica (crachás) que envolve o jogador nas metas a alcançar para se distinguir pela sua performance exemplar;

• INTEGRAÇÃO: inserção do jogador no jogo com o objetivo de o envolver, cativar e encorajar a permanecer nele. Funciona quase como um pré-treino de apresentação; • DESAFIOS E MISSÕES: componentes do jogo que proporcionam ao jogador a

orientação de jogo e a complexidade necessária à progressão no jogo, que deve, tanto quanto possível, ser adequada à perícia do jogador;

• LOOPS DE ENVOLVIMENTO: promoção de emoções sucessivas que motivam o envolvimento iterativo na experiência de jogo;

• PERSONALIZAÇÃO: possibilidade de adaptar ou transformar alguns elementos do jogo ao gosto do jogador;

• REFORÇO E FEEDBACK: sistema de respostas continuas que permitem localizar o jogador no ambiente do jogo e nos resultados.

Salienta-se também a importância da narrativa para criar o envolvimento e motivação característicos da gamificação. Assim, da mesma forma que na vida real nos regemos por

regras ou orientações pré-estabelecidas que definem o percurso da nossa resolução de determinadas situações, nos jogos o mesmo acontece. A narrativa do jogo e a história da narrativa comportam, assim, regras próprias que, elas próprias, geram outras regras, e é nesse contexto que Viana et. al (2013) destacam, nas mecânicas de jogos, quatro características fulcrais a pensar durante o desenvolvimento de um jogo baseado na gamificação:

• Objetivos/Metas de jogo – representa o desafio a ultrapassar em determinada atividade para atingir um fim, ou seja, o motivo que orienta a atividade em questão;

• Regras – regem a forma de atuação do individuo na procura da resolução dos desafios da narrativa e servem de estimuladores da criatividade e do pensamento estratégico; • Sistema de respostas (feedback) – fornecem a orientação necessária ao jogador

relativamente aos elementos interativos;

• Participação voluntária – relativo à interação intencional e desejada do jogador com os elementos do jogo, implicando assim a aceitação prévia da meta, das regras e o do sistema de respostas do jogo.

Os mesmos autores referem as recompensas, suporte gráfico, narrativa, interatividade, ambiente virtual, competitividade, entre outros, como fatores fulcrais na ligação destas estas características apresentadas.

Tal como já referido, a envolvência e a motivação funcionam como consequências positivas da aplicação de elementos e mecanismos de gamificação num jogo. A realização de tarefas, a concentração elevada, os objetivos traçados, o feedback constante, a sensação de controlo, a perda da perceção temporal, o esforço aplicado e a imersividade obtida, são características da gamificação que vão também ao encontro da Teoria do Flow de Mihaly Csikszentmihalyi (citado por Martinho et al., 2014). Esta teoria prevê que a pessoa está de tal forma envolvida na experiência ótima de jogo que se abstrai de tudo o resto e imerge num “estado de flow”. Assim, numa análise à figura abaixo (figura 8) facilmente se percebe que é essencial haver um equilíbrio entre a competência do jogador e os desafios propostos, por forma a manter esse “estado de flow”. Pois, no caso do desafio ser baixo para a perícia do jogador, este aborre, no entanto, se o contrário acontecer (o desafio for elevado para as competências) o jogador fica ansioso (Martinho et al., 2014, pp. 133–136). De qualquer forma é de salientar que tudo isto não depende apenas do jogador e do jogo, mas também das condições envolventes, que podem ser mais ou menos propícias a este ambiente.

Figura 8 – Esquema figurativo da Teoria de Flow (adaptado de Martinho et al., 2014, p. 134)

É assim notável a importância da aplicação da gamificação para criar boas e envolventes experiências. No entanto, reconhece-se a dificuldade de aplicação de algumas destas mecânicas de jogos, pelo que ainda não se evidenciaram jogos que contemplem uma estratégia real e complexa de gamificação. Contudo o mercado dos jogos digitais cresce a olhos vistos e a necessidade de se distinguirem dos demais tem vindo a incentivar algumas produtoras a apostarem neste tipo de técnicas, o que indica que a aplicação desta estratégia de forma assertiva está no bom caminho (Adams & Dormans, 2012).