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Ludicidade – Brincar para aprender

2. OS JOGOS DIGITAIS

2.2. Os jogos como ferramentas educacionais

2.2.1. Ludicidade – Brincar para aprender

A ludicidade é um tema que tem envolvido muitos estudos e consequentes teorias nos variados campos do conhecimento. É notado que a inclusão do jogar e do brincar nas manifestações lúdicas reúne consenso geral, mas o mesmo não acontece com a ludicidade no respeita ao seu conceito e caracterização. Desta forma, embora haja conhecimento das várias teorias e da sua progressão, desde as clássicas, passando pelas correntes, até às modernas, será tomada em consideração, no contexto deste trabalho, a teoria orquestral da ludicidade humana estudada e adotada pela professora Conceição Lopes (Lopes, 2004).

Perante a proposta de Lopes, que motivou a inserção do seu conceito no dicionário da língua portuguesa, o fenómeno humano e social que é a ludicidade agrega, numa tentativa esclarecedora e limitadora da autora, algumas palavras cujos significados apontam para a importância da definição deste fenómeno, pois essa palavra “…alude à condição do humano e, também, à diversidade das suas manifestações bem como aos seus distintos efeitos” (Lopes, 2004, p. 7). Essas palavras, cujos os diversos significados são referidos pela autora, são então: brincar, brinquedo, jogar, recrear, lazer. Com a ajuda do processo metodológico proposto por Wittgenstein (citado em Lopes, 2004), Lopes esquematizou (figura 5) estas palavras por forma a objetivar os conceitos, definindo assim os eixos de família semântica e os eixos de vizinhança semântica. Dessa forma Lopes pretende: relacionar cada um dos eixos da família enquanto manifestações lúdicas; relacionar as “vizinhanças” mantidas com cada uma das famílias; distinguir as particularidades de cada uma das famílias; e fazer corresponder as diferentes manifestações.

Figura 5 – Esquema representativo da construção teórica da ludicidade (Lopes, 2004, p. 10)

Na figura 5, Lopes destaca então os eixos de família e os eixos de vizinhança, e estabelece a relação entre esses, por forma demonstrar a sua posição relativa à diferença entre brincar e

jogar, que contraria outras teorias que os sinonimizam. Assim, no que respeita aos eixos de família temos:

• EIXO BRINCAR: caracterizado pela interação de ludicidade de tipo “soma não zero” em que o desenrolar da situação de brincadeira vai fomentando a construção e definição das regras;

• EIXO JOGAR: caracterizado pela interação de ludicidade de tipo “soma não zero” e implica regras pré-existentes que orientam a atividade;

• EIXO RECREAR: caracterizado pela interação de ludicidade de tipo “soma não zero” que ocorre durante o trabalho, nos seus intervalos úteis;

• EIXO LAZER: caracterizado pela interação de ludicidade de tipo “soma não zero” que, em beneficio dos participantes, é facultativamente definida e temporalmente escolhida; • EIXO ARTEFACTOS LÚDICOS: referente à construção de objetos técnicos (os

artefactos lúdicos), que intercalam as várias manifestações lúdicas. Relativamente aos eixos da vizinhança temos:

• EIXO “MANIFESTAÇÃO DE CRIAR ARTEFACTOS LÚDICOS”: com base numa orientação de tipo “soma não zero”, a interação social é caracterizada por uma ausência de vencedores e vencidos, e apresenta-se como uma manifestação espontânea dos participantes que integra ou não artefacto lúdico;

• EIXO “MANIFESTAÇÃO EM TEMPO ÚTIL”: com base numa orientação de tipo “soma não zero”, esta manifestação supõe regras pré-definidas e na qual a interação social contempla vencedores e vencidos, sendo que o que uns ganham, outros perdem; • EIXO “MANIFESTAÇÃO DE INTERVALO DE TEMPO ÚTIL”: decorrendo num intervalo

de tempo útil, esta manifestação de ludicidade ambiciona o relaxamento que intervala outras atividades enriquecedoras do dia-a-dia, como o trabalhar ou o estudar;

• EIXO “MANIFESTAÇÃO PRÉ-REGRADA”: associada ao lazer, esta manifestação de ludicidade é escolhida pelo participante num contexto temporal e espacial que não é restrito pelo tempo de trabalho;

• EIXO “MANIFESTAÇÃO ESPONTÂNEA”: esta manifestação é orientada para a construção de artefactos lúdicos, sejam eles digitais e/ou analógicos, cujo o objetivo é a aplicação lúdica, a brincar, recrear, lazer e jogar.

Desta forma, a autora ressalta que estão inerentes regras quer no brincar como no jogar, mas as suas manifestações de ludicidade usufruem de processos diferentes. Assim, enquanto no brincar (manifestação espontânea) as regras vão sendo construídas e adaptadas ao longo do processo, do qual não se esperam vencedores e vencidos, no jogar existem regras pré- definidas que objetivam determinar quem ganha e quem perde. (Lopes, 2004)

Neste contexto, Lopes propõe então que ludicidade “…é a condição do ser Humano que indica uma qualidade e um estado, partilhado por toda a espécie humana, manifesta-se singularmente no brincar, jogar, recrear, lazer e na construção de artefactos lúdicos e de criatividade, digitais e analógicos e, consequentemente, produzem os seus efeitos finais nos Humanos que as protagonizam, em situações em que lhes atribuem significação lúdica.”. Para além disso considera que “Nos efeitos finais da ludicidade, ocorrem diversas práticas de mudança, seja na formação cívica, nas competências, capacidades e atitudes sociais e relacionais, afetivas, emocionais, cognitivas e criativas.” (Lopes, 2004, p. 50). Esta definição, aliada a outros elementos fundamentais, faculta quase um modelo comportamental de ludicidade, sendo esses elementos: a noção de comunicação inerente no modelo orquestral da comunicação dos autores da Escola de Palo Alto, que integra conceitos como a proxémia, a quinésica, a natureza consequencial da comunicação, a partilha, a relação a informação e a transmissão (Lopes, 2004); e os pressupostos de que “A ludicidade é comunicação. A ludicidade é consequencial. A ludicidade existe, quer se queira, quer não. A ludicidade é aprendizagem. A ludicidade é mudança.” (Lopes, 2004, p. 50).

Ainda com base nestes referidos pressupostos, Lopes desenvolveu um conjunto de nove axiomas (Lopes, 2004, pp. 52–58), integrados entre si, que objetivam representar o processo de ludicidade, sendo esses: 1) “a essência da ludicidade encontra-se nos processos relacionais e interacionais que os humanos protagonizam ao longo da sua vida”; 2) “as manifestações lúdicas resultam da intencionalidade e da consciência dos seus protagonistas, que atribuem uma significação lúdica aos seus comportamentos”; 3) “a impossibilidade de não ludicidade”; 4) “interação lúdica baseada na natureza da relação – simétrica e complementar”; 5) “pontuação das sequências da interação social lúdica”; 6) “ludicidade baseada nos níveis de conteúdo e de relação”; 7) “as modalidades da ludicidade: analógica e digital”; 8)“a metaludicidade”; 9) “as perturbações da ludicidade entre os humanos são frutos da cultura, da sociedade e dos contextos familiares”.

Com base neste estudo e nos estudos da comunicação e ludicidade, e do design, a autora propõe também um modelo, a que chama de Modelo Concetual de Design de Ludicidade, ao qual atribui o conceito de design de comunicação, desenvolvido por Francisco Providência (citado em Lopes, 2004, p. 76), e o relaciona com o conceito de ludicidade e com as proposições do modelo orquestral da ludicidade. Assim, tomando em consideração a tríade de “desejo, desígnio e desenho” proposta por Providência, Lopes integra os seus significados num contexto de ludicidade, e destaca o valor do papel determinante do participante principal (pessoa) no relacionamento desses. Portanto, iniciando com o desejo (relacionado com “a aspiração / ambição de”), seguindo com fundamentação elaborada pelo desígnio (associado às ideias e intenções propostas) e terminando com a instrumentalização em desenho (relacionado com a representação física das ideias em si), o processo de design de ludicidade é evidenciado pela capacidade do seu sistema de criar, conceber, projetar, intervir e avaliar o projeto em questão, enriquecendo o normal processo de gamedesign anteriormente referido (Lopes, 2005).

Figura 6 – Tríade processual de design de ludicidade (Lopes, 2005, p. 464)