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2.4 O ADOLESCENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

2.4.1 Garantias Processuais Constitucionais

Outro aspecto reservado ao adolescente, neste caso, àquele que pratica ato infracional, refere-se às garantias processuais constitucionais, incidindo no

processo que apura a infração, a ampla defesa e o contraditório.33

Desde a Constituição de 1891, o princípio da ampla defesa vem consagrado, ainda que limitado ao processo penal. Já o princípio do contraditório foi mencionado pela primeira vez na Constituição de 1969 (art. 153 §16), mas igualmente limitado em seu alcance apenas para o processo penal, sendo estendido também ao processo civil e administrativo somente por força da doutrina e da jurisprudência. A Constituição Federal de 1988 solucionou o problema, estabelecendo o contraditório de maneira ampla e clara.

O contraditório, mais que uma garantia conferida às partes, caso não seja obedecida, configura mácula insanável ao processo, gerando sua nulidade.

Valter Kenji Ishida esclarece que o contraditório será observado tanto no processo que apura o ato infracional, como também no caso de conversão de medida sócio-educativa branda para medida mais gravosa dada a nova prática delituosa.34

33 O art. 5º traz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos seguintes: LV – Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Ou seja, no caso do adolescente já estar cumprindo medida de semiliberdade ou outra que não imponha sua privação (liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade) e venha a praticar novo ato infracional, para que lhe seja aplicada medida de internação deverá ser instaurado novo procedimento e observadas todas as garantias constitucionais processuais inerentes.

A ampla defesa é assegurada como meio de promover a busca da verdade real, saber o que de fato aconteceu e se foi o adolescente autor do ato infracional.

Quanto ao contraditório no processo do adolescente autor de ato infracional, a questão é polêmica, já que alguns doutrinadores entendem não haver contraditório no processo que apura ato infracional, uma vez que o adolescente em conflito com a lei não é litigante nem acusado, outra parte entende ser o contraditório inerente ao processo, aplicando-se também ao processo do adolescente autor de ato infracional, tendo em vista as garantias do art. 110 e 111 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Para Wilson Barreira e Paulo Roberto Grava Brasil (1989) não faria sentido o contraditório face ao art. 227, § 3º, IV da CF, que prevê igualdade na relação processual. Para o autor, o Promotor está comprometido com o interesse do adolescente; o Advogado prima para que o adolescente diga a verdade e assim seja-lhe possível aplicar o melhor tratamento e o Juiz aplicará a medida mais favorável ao adolescente, inclusive responder ao processo em liberdade, desde que compatível com a postura do adolescente para continuar o convívio em sociedade.

O referido autor deixa claro que a não abrangência aos adolescentes autores de ato infracional pelo dispositivo em exame não implica concluir-se,

apressadamente, que o menor perdeu um direito. Muito pelo contrário, de acordo com esta doutrina, o menor recebeu tratamento privilegiado sendo-lhe garantido o estudo interprofissional por técnicos habilitados à defesa de seus interesses, pelo Promotor de Justiça Curador de Menores, a apreciação do caso por Juiz especializado, enfim, foi-lhe assegurada uma legislação tutelar, com as peculiaridades a ela inerentes, o que não se pode pensar com relação ao imputável.

O Juiz no processo da Infância e da Juventude, diferentemente do processo penal e civil, não se sujeitaria ao princípio do livre convencimento, não estando vinculado à prova da materialidade e à autoria do ato infracional. Deste modo, caso o magistrado perceba a necessidade da aplicação de medida sócio- educativa de Liberdade Assistida para acompanhamento do jovem, poderá aplicá-la, mesmo que não esteja comprovado o cometimento do ato infracional.

Com relação ao posicionamento de Wilson Barreira e Paulo Roberto Grava Brasil, respeitamos a tese, todavia, entendemos que estará estabelecida a bilateralidade a partir do momento em que o adolescente realiza seu depoimento sobre os fatos a ele imputados, apresentando sua versão, bem como nas demais fases em que produz provas.

A sentença, neste caso, não será baseada apenas na unilateralidade dos fatos, na versão da vítima ou da autoridade policial, mas no equilíbrio processual, proporcionando que busquem os meios inerentes à sua defesa, confrontando os fatos e produzindo as provas necessárias.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manifestou-se no sentido de que nenhum adolescente será privado de liberdade sem o devido processo legal em vários de seus julgados, confirmando a aplicação do preceito constitucional na

esfera da infância e da juventude (TJSP – C. Esp. – Al 16.652-00 Rel. Lair Loureiro – j. 4-3-93).35

Outro momento em que ocorre o contraditório está no descumprimento da medida de liberdade assistida pelo adolescente, ou quando o orientador ou a equipe interdisciplinar emite relatório informando sobre a inadequação da medida para o caso concreto em que se pretende aplicar medida de internação.

O Magistrado, neste caso, antes de substituir a referida medida por outra mais rígida, deverá ouvir as justificativas do adolescente, bem como o Ministério Público, o defensor do adolescente e o orientador da medida.

Gianpaolo Poggio Smanio apresenta o contraditório, na obra Interesses

Difusos e Coletivos, como um dos elementos formadores do Processo Legal,

juntamente com a ampla defesa, registrando a citação ou o meio equivalente; igualdade na relação processual; defesa técnica por advogado; assistência judiciária gratuita, se necessitado; oitiva pessoal pela autoridade competente e direito de

solicitar a presença dos pais ou responsável em qualquer fase processual.36

O contraditório expressa, antes de qualquer coisa, a busca pela igualdade das partes na relação processual, garantindo ao adolescente semelhante condição a do Promotor de influir no convencimento do Juiz.

Assim, também, acompanha João Batista Costa Saraiva, ao diferenciar os principais aspectos entre a doutrina da Situação Irregular e a doutrina da Proteção Integral, incluindo nesta o contraditório como garantia fundamental:

“Princípios fundamentais, que em nome de uma suposta ação protetiva do Estado eram esquecidos pela Doutrina da Situação Irregular passam a ser integrantes da rotina dos processos envolvendo a criança e o adolescente em conflito com a lei, tais como o princípio

35 Verifica-se também nos Acórdãos TJSP nº 65.915.0/1 e 65.932-0/9-00 ambos julgados em 04 de dezembro de 2000 pelo Des. Jesus Lofrano; e o Acórdão TJSP 72.005.0/5 julgado em 05 de abril de 2001 pelo Dês. Gentil Leite.

da reserva legal, do pleno e formal conhecimento da acusação, da igualdade na relação processual, da ampla defesa e do contraditório, da defesa técnica por advogado, da privação de liberdade como excepcional e somente por ordem expressa da autoridade judiciária ou em flagrante, da proteção contra tortura ou tratamento desumano ou degradante, etc.”37 (SARAIVA, 2005, p.58)

Depreende-se, do exposto, ser inerente à infância e à juventude o devido processo legal, garantidos o contraditório e a ampla defesa, conforme preceitua a Constituição Federal.