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Mário Volpi aborda o tema adolescente em conflito com a lei como um exercício de reconhecimento de cidadania no adolescente infrator, desmistificando sua compreensão em três mitos: hiperdimensionamento, periculosidade e

irresponsabilidade.21

20 Atas, 1911, 49 apud MENDEZ, Emílio Garcia; COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Das Necessidades aos Direitos. São Paulo: Malheiros Editora, 1994. p. 20.

O primeiro mito, da hiperdimensionalidade do problema, procura mostrar a delinqüência juvenil do tamanho que ela realmente é, diversa da dimensionalidade mostrada pela mídia.

Os meios de comunicação social, autoridades e profissionais da área apresentam o problema como se centenas de adolescentes praticassem delitos, quando na verdade não há estudos ou dados concretos em âmbito nacional que ofereçam segurança nesta afirmação.

Dados do Censo Penitenciário Brasileiro revelam que no ano de 1994 havia uma média de oitenta e oito presos para cada cem mil habitantes, enquanto que três adolescentes internados para o mesmo número. Em 1997, nova pesquisa

revelou que este número de adolescentes internados mantivera-se.22

Considerando que os adolescentes que cometeram atos infracionais graves estão internados e que este número não está em situação incontrolável, é possível concluir que o problema é menor do que a sensação e o temor social que produzem.

O segundo mito é o da periculosidade. Estudos revelam que os delitos praticados pelos adolescentes, em sua maioria, são crimes contra o patrimônio, como mostra a tabela abaixo fornecida pela Fundação Casa, apresentando um recorte feito em 31 de julho de 2005:

Tabela 01 - Ato infracional declarado pelos adolescentes entrevistados

INFRAÇÃO % Roubo qualificado 52,7 Tráfico de drogas 12,2 Homicídio doloso 8,5 Descumprimento de medida 6,1 22 ibidem., p. 15.

Furto 5,8

Latrocínio 3,3

Roubo simples 2,9

Outros 2,3

Porte de arma 2,2

Seqüestro e cárcere privado 0,8

Homicídio culposo 0,6

Dados fornecidos pela Febem referente à 31/07/2005

Irresponsabilidade seria a afirmação de que os crimes relacionados ao patrimônio não possuem características de violência. O roubo, por exemplo, possui no seu tipo penal “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzindo à impossibilidade de resistência.” O fato da maioria dos delitos praticados por adolescentes ser o roubo, 52.7%, não os torna responsáveis pela violência e criminalidade no país, uma vez que a fatia de adolescentes que praticam o ato infracional é bastante inferior ao número de adultos que cometem o mesmo crime a cada cem mil habitantes.

Estamos utilizando como parâmetro para confirmar o segundo mito apresentado por Mário Volpi os crimes contra a vida, que pela sua natureza possuem perfil de perigo e violência.

Como já foi dito anteriormente, a maioria dos delitos praticados por adolescentes está de alguma forma relacionada ao consumo, à aquisição de bens caros e ao status social, sendo estes também os resultados obtidos com a aplicação do questionário:

É importante desmistificar a idéia de periculosidade da criança e do adolescente, pois esta suposta característica tem amparado repetidos atos de violência. O conceito de periculosidade não se aplica a estas pessoas, sendo incompatível com o conceito de pessoa em desenvolvimento.

No Brasil, tal situação chegou ao extremo de permitir a ação de grupos de extermínio encarregados de assassinar crianças como forma de “limpar” as ruas. Segundo dados da Polícia Federal, quatro mil, seiscentas e onze crianças e adolescentes de cinco a dezessete anos foram violentamente assassinados em

dezessete Estados e no Distrito Federal no período de 1988 a 1990.23

O terceiro mito apresentado pelo autor é o da irresponsabilidade do adolescente, sustentado pelo fato de que este estaria mais propenso à prática de delito, por ser a legislação mais branda na sua punição.

23 RIZZINI, Irene. A criança no Brasil hoje: desafio do terceiro milênio. Rio de Janeiro: Santa Úrsula, 1993. p. 53.

Delitos 47% 5% 17% 3% 1% 19% 2% 5% 1% Roubo Latrocínio Tráfico de drogas Furto Lesão Corporal Homicídio

Consideramos que aqui ocorra uma confusão, pois o fato do Estatuto da Criança e do Adolescente promover a proteção integral à infância e a juventude não significa que o mesmo esteja isento de punição em razão do delito praticado.

Ocorre que a maneira como o adolescente arcará pelo delito praticado lhe garante subsídios para aprimorar-se enquanto pessoa em desenvolvimento - proteção integral.

A medida sócio-educativa vai adiante da pena, pois além da finalidade ressocializadora, respeita o fato do adolescente ser pessoa em desenvolvimento. As penas aplicadas aos adultos transgressores extrapolam a mera punição, buscando o fim recuperador. Beccaria já escrevia sobre a finalidade das penas:

“O fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um delito já cometido. É concebível que um corpo político, que bem longe de agir por paixão, é o moderador tranqüilo das paixões particulares, possa abrigar essa inútil crueldade, instrumento de furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam os gritos de um infeliz trazer de volta do tempo as ações já consumadas?”24

O fato da sentença que determina a medida de internação não conter “tempo determinado” não o livra da privação de liberdade como resposta à pratica do ato infracional de natureza grave, mas não justifica a imposição de sanção igual a dos adultos, tampouco qualquer tipo de subserviência. Observa-se que a medida de internação será aplicada em última hipótese, quando não couber medida diversa, respeitando-se os princípios da excepcionalidade e da brevidade.

Retirando o adolescente da condição de “vítima” do sistema, do meio social, da falência das instituições família e Estado e da carapuça de “produto do

meio” com índole, caráter e propensão à prática do mal, conseguir-se-á entender que se trata de uma circunstância da vida, passageira e não um estado de ser passível de reparo seja através de medidas protetivas ou de medidas sócio-

educativas.25