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7 AS CARACTERÍSTICAS DOS ADOLESCENTES AUTORES DE ATOS

7.4 SEGURANÇA X DISCIPLINA

É dever do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente – CASA (Entidade de Atendimento) e do Estado oferecer condições de segurança ao

adolescente em cumprimento de medida sócio-educativa.127

Já no preâmbulo da Constituição Federal lê-se que o Estado Democrático de Direito está destinado a assegurar a segurança, dentre outros direitos, a todos os cidadãos brasileiros. No art. 227, do mesmo texto, está prevista a segurança específica da criança e do adolescente que deverá estar “a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”,

compartilhando essa função com a família e com a sociedade.

No caso do adolescente internado em instituições públicas, o Estado possui os mecanismos e os instrumentos capazes de manter a segurança do adolescente contra a violência física e psíquica, tendo em vista que a família e a sociedade funcionam como entes fiscalizadores.

A pesquisa apontou que 71% dos jovens já sofreu algum tipo de agressão física, sendo os autores, em sua maioria, funcionários das Unidades, grupos de intervenção como o Grupo de Apoio - da estrutura interna do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente – CASA e GIR – Grupo de Intervenção Rápida da Secretaria de Assuntos Penitenciários, ou, ainda, agressão por parte dos próprios internos.

Gráfico 5: Adolescentes que sofreram violência física nas Unidades

Tabela 15 - Violência física nas Unidades Adolescentes que sofreram algum tipo de violência física dentro da Unidade

% Nº de adolescentes entrevistados Sim 71% 256 Não 29% 104 Sem informação Total 100% 360

Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.

A prática de violência contra o adolescente interno é reprovável em qualquer sistema de reeducação. Algumas medidas podem ser adotadas no controle interno das entidades, a exemplo de reforçar o corpo funcional com agentes treinados e preparados para a lide juvenil e propiciar meios de fiscalização, de preferência televisiva e outras tantas medidas de segurança que podem ser adotadas.

A ausência de políticas de recuperação do adolescente faz com que o único meio de contenção seja a violência, tanto a violência física quanto a psicológica.

Adolescentes que sofreram violência dentro da Instituição

71%

29% 0% Sim

Não

Ações de grupos organizados de funcionários, algumas vezes na calada da noite, sob a alegação de “retomada da casa” são comuns para qualquer pessoa que tenha contato direto e diuturno com os internos.

Geralmente encapuzados com as chamadas “toucas ninjas”, estes funcionários invadem os quartos e agridem violentamente os adolescentes, ocasionando lesões corporais nos jovens, segundo noticiado aos Órgãos do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Os adolescentes, em geral, não conseguem delimitar a autoria da prática criminosa, uma vez que os agressores utilizam-se de “toucas ninjas”, impedindo a sua identificação.

Quando não são arquivados por ausência de provas, alegam que o confronto foi necessário, pois os adolescentes investiram contra eles numa tentativa de tumulto ou rebelião, sendo necessário o confronto para contê-los.

Não que isso não ocorra em Unidades dominadas pelos internos,

atualmente as Unidades do Complexo Vila Maria, do circuito grave do Tatuapé128 e

Raposo Tavares, os adolescentes são estruturados criminalmente e possuem perfil mais violento e agressivo, sendo que freqüentemente promovem rebeliões, que se contidas a tempo, fracassam.

Contenção é diferente de agressão, senão vejamos o exemplo: Um adolescente investe contra o funcionário que o monitora. O funcionário imediatamente o imobiliza até que este se acalme e cheguem outros funcionários para garantir a segurança do funcionário. Isso é contenção. Na mesma situação, o funcionário imobiliza o adolescente e a partir daí passa a desferir socos e chutes

contra o mesmo. A contenção cessou no primeiro ato de violência e passou a ser agressão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente quando previu o poder de

contenção do Estado no art. 125129 não o fez com o intuito de proporcionar aos seus

agentes um instrumento de impunidade para as agressões perpetradas, mas um mecanismo de controle do adolescente com o uso de força moderada, para situações excepcionais, em que as atitudes do adolescente firam funcionários ou comprometam sua própria integridade física e de outros adolescentes.

O que ocorre é a precariedade nos instrumentos de controle da segurança do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente – CASA. Apenas no Complexo Vila Maria as Unidades possuem sistema de monitoramento com câmeras, e assim mesmo bastante precário. A maioria dos casos onde se apuram atos de violência contra internos esbarra na palavra dos adolescentes que foram agredidos contra a palavra dos funcionários que não agrediram. Caso o interno apresente algum hematoma, alega-se que o adolescente investiu contra o funcionário e esse realizou a contenção necessária do jovem.

Os funcionários não recebem treinamento para atuarem junto aos adolescentes, além do que cumprem uma escala exaustiva de doze horas na monitoração direta dos internos, em escala de dois dias de trabalho, por dois dias de folga e são em número insuficiente para atender a demanda. Existem Unidades onde apenas dois funcionários por plantão atendem uma demanda de noventa ou mais internos, quando o ideal seria, pelo menos, um funcionário de segurança para cada grupo de oito adolescentes.

A segurança pessoal dos funcionários é imprescindível, pois estão ali para trabalhar e não para serem agredidos fisicamente ou ofendidos moralmente por adolescentes. Para preservar este direito existe a contenção necessária e a aplicação de sanções disciplinares por corpo técnico designado para tanto, e não ações organizadas por grupos de funcionários para agredir violentamente os adolescentes.

O que se critica são as ações violentas contra os adolescentes, em parte acobertadas pelo corpo diretivo que, para não perderem seus cargos, confiam aos funcionários “segurar a casa”, a qualquer preço.

A maioria das Unidades possui instalações precárias, adaptadas para funcionarem como Casas de Internação, sem propiciar condições de segurança para que os funcionários desempenhem com tranqüilidade suas funções, fomentando o clima de insegurança e hostilidade entre adolescentes e corpo funcional.

Outro aspecto relacionado à segurança refere-se às Unidades sob o domínio dos adolescentes, onde os poucos funcionários que ainda se arriscam a continuar trabalhando são meros figurantes. Em algumas Unidades, as já citadas sob o domínio dos internos, os funcionários obedecem às ordens dos líderes dos adolescentes.

Neste caso a insegurança está entre os próprios adolescentes, que agem violentamente uns contra os outros. Os que dominam a Unidade agridem até à morte os adolescentes tidos como “pilantras”, “cagüetas” ou àqueles que praticaram atos infracionais relacionados a crimes sexuais, banidos pelos internos.

É necessário que o corpo funcional seja preparado e treinado para atuarem junto aos internos e que sejam em número compatível para garantir a segurança dos adolescentes e de si próprios.

A instituição deve investir no corpo funcional, valorizar o servidor e prepará-lo para a atividade que irá desenvolver, desde equipes interdisciplinares que atuem na recuperação psicológica, a cursos profissionalizantes e pedagógicos, para os funcionários operacionais e de segurança.

Disciplina e respeito não se conquistam com violência e medo. Por um curto período de tempo mantém-se essa relação, em longo prazo torna-se insustentável, além de estarmos falando de adolescentes rebeldes e contestadores por natureza.

Maurício Neves de Jesus aponta a tolerância como um dos principais elementos construtores da reconstrução do adolescente autor de ato infracional:

“A relação da tolerância com o Direito Infanto-Juvenil se estabelece na medida em que a resposta da medida sócio-educativa não é fundamentada na repressão, na potencialização do conflito, mas na intenção de reeducar e re-socializar, o que exige interação.”130

(JESUS, 2006, p.157)

A prática de ações violentas está em descompasso com qualquer proposta de medida sócio-educativa.

A disciplina pode ser mantida com um sistema próprio de sanções para seus transgressores, mas que não importem em subserviência.

Michel Focault ao analisar a conduta humana quando da restauração da disciplina, não equivale esta à expiação ou repressão, mas um conjunto de fatores que deverão ser observados por quem está trabalhando a disciplina:

“Põem em operação cinco operações bem distintas: relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço de

diferenciação e princípio de uma regra a seguir.”131 (FOUCAULT,

1999, p.152 e 153)

É necessário diferenciar um adolescente do outro, fazê-lo tomar consciência de sua indisciplina, comparar sua atitude com a norma a ser respeitada e aplicar-lhe sanção correspondente à falta praticada.

Foucault ainda explica a necessidade de um reexame constante da vigília sobre a conduta daquele a quem se observa, o adolescente, diferenciando-o e aplicando a penalidade correspondente. O exame constante é necessário para se manter a disciplina.

A segurança não está relacionada apenas com a violência de funcionários e/ou adolescentes contra os próprios adolescentes, mas tudo o que ponha em risco a saúde do adolescente, como o uso de drogas dentro das Unidades.

Os casos não são maioria, representam 13% dentre os entrevistados, tratando-se da menor parcela, todavia ocorreu uma falha na segurança, caso contrário, não haveria entorpecentes no interior das Unidades:

Gráfico 6: Uso de substâncias entorpecentes nas Unidades

Tabela 16 - Uso de substância entorpecente nas Unidades

131 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: A história da violência nas prisões. 20. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. p. 152 e 153.

Uso de entorpecentes dentro da Unidade

13% 87% 0% Sim Não Sem informação

Uso de alguma substância entorpecente dentro da Unidade % Nº de adolescentes entrevistados Sim 13% 46 Não 87% 312 Sem informação Total 100% 360

Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.

O uso flagrante de entorpecentes ocorre nas Unidades dominadas pelos adolescentes, já citadas anteriormente e chegam ao poder dos internos através dos visitantes e até mesmo dos próprios funcionários.

São falhas como estas, a entrada de drogas nas Unidades, armas ou qualquer outro instrumento que cause lesão, que atravancam ainda mais o processo sócio-educativo.