2.2 Processo Decisório Estratégico
2.2.1 Processo Decisório: Paradigmas Principais
2.2.1.3 Garbage Can
Takahashi (1997, p. 92) descreve o modelo Garbage Can, desenvolvido por Cohen, March e Olsen, em 1972, como a situação onde uma oportunidade de escolha é vista como uma lata de lixo: vários tipos de lixo (problemas, soluções e energia) são jogados na lata pelos participantes, à medida que são produzidos. Esses produtos são coletados e uma decisão é tomada quando uma lata cheia é removida do cenário. As decisões são classificadas em:
a. decisões tomadas por resolução: depois de algum período de estudo, a escolha
b. decisões tomadas ao acaso: depois de algum período de estudo, a escolha não resolve problemas e a decisão pode ser tomada, mesmo que os problemas se desencontram da oportunidade de escolha;
c. decisões tomadas por omissão/descuido: se existe energia, será gasto um mínimo
para tomar decisões antes de os problemas serem ativados.
Nesse modelo, as decisões são produzidas em grande extensão por um link atemporal de problemas, soluções, oportunidades de escolha e tomadores de decisão, sem esses elementos se encontrem, exatamente, de forma ordenada (OLSEN, 2001).
O modelo original de Cohen et al. (de 1972) foi especificado em termos de quatro variáveis básicas:
a. Escolha de oportunidades: ocasião em se espera que as organizações produzam
decisões.
b. Participantes: desde que estes vêm e vão, cada participante é caracterizado por
uma seqüência randômica de potencial de energia disponível para a solução de problemas em cada oportunidade.
c. Problemas: cada um é caracterizado pela energia que requer para solução à qual
o problema está associado.
d. Soluções: um coeficiente de solução (entre zero e um) é assumido para operar na
energia potencial e determinar a solução (a energia efetiva).
O modelo, na forma articulada por Cohen et al., em 1972, descreve a tomada de decisão num ambiente altamente ambíguo, chamado “anarquia organizacional”, sendo a ambigüidade baseada em três principais caminhos (EISENHARDT; ZBARACKI, 1992):
♦ a problemática da preferência, que pressupõe o entendimento dos objetivos de
cada ação, antes da escolha do caminho;
♦ tecnologia não muito clara, mas muito baseada na tentativa e erro;
♦ participação fluída pelos tomadores de decisão no processo (vêm e vão e têm
seu envolvimento como dependente da motivação, interesse, energia, tempo etc.).
Para Moron (1998), o modelo original do Garbage Can tem como ponto básico a questão de o fluxo das ações individuais produzir um fluxo de decisões não pretendidas pelos indivíduos e, mais do que isso, não relacionadas, de maneira direta a resultados desejados por qualquer indivíduo.
Para Eisenhardt e Zbaracki, os estudos sobre Garbage Can seguem o modelo original de Cohen e Colaboradores, encontrando resultados similares e acrescentando outros, o que
pode atestar a possibilidade de algumas organizações serem caracterizadas como anárquicas (estudos de Olsen, Levitt e Nass) no que se refere ao seu processo decisório, ressalvada a tendência de que prazos tendem a influenciar o processo no sentido de ser mais estruturado e menos como o Garbage Can.
Takahashi (1997), no estudo com organizações japonesas, no qual foi simulado o grau de “anarquia” nas organizações e, posteriormente, geração de hipóteses para conduzir estudo mais aprofundado (survey), buscou desenvolver um modelo ex-post de decisão ambígua, ocasional e anárquica, sendo encontradas como condições de ambigüidade:
a. participação fluída;
b. segregação entre a solução e a discussão;
c. avaliação do trabalho mais que avaliação subjetiva (relacionado com os
pressupostos da simulação).
No Garbage Can, toda a complexidade das decisões estratégicas são ampliadas em um contexto ambíguo, caracterizado por (MARCH; OLSEN, 1976):
1. ambigüidade de intenção - ou inconsistência de objetivos;
2. ambigüidade de entendimento - difícil identificação de conexão entre ações e
suas conseqüências;
3. ambigüidade da história - o passado, apesar de importante, não é decisivo em
decisões atuais;
4. ambigüidade de organização - em algum ponto do tempo os indivíduos variam a
atenção que atribuem às diferentes decisões.
O modelo Garbage Can parece acontecer quando a necessidade por ação (antes da análise) é grande. Ocorre em organizações com alta incerteza, caracterizadas por preferências problemáticas, tecnologias não muito claras e participação fluída, fatores nos quais os problemas são pontos de insatisfação, as soluções podem existir independentes desses problemas e os participantes da tomada de decisão podem constituir-se de qualquer membro da organização (TARTER et al., 1998).
O Garbage Can não parece ter sido um modelo muito difundido na literatura, pois tal aparente desorganização do processo de tomada de decisão implica total oposição à lógica racional. De fato, para Masuch (1989), as organizações somente podem sobreviver como
Garbage Can se, por trás dos atores do processo, decisões racionais sejam tomadas de forma a
Masuch afirma que o modelo original do Garbage Can cobre apenas parte da tomada de decisão na organização, pois não foca tomadores de decisão, a estrutura organizacional ou as decisões rotineiras e operacionais da organização.
Também, para Eisenhardt e Zbaracki (1992), um debate central emerge desse paradigma, qual seja, o modelo pode descrever a tomada de decisão atual ou é simplesmente um palpite acerca de variáveis não conhecidas da tomada de decisão estratégica? Se for esse o caso, o modelo pode ser não mais que uma forma de racionalidade limitada. Além disso, os autores, além de Selznick (1996), questionam a presença de elementos de institucionalização na organização, o que deve minimizar os efeitos do Garbage Can.
No entanto, para Olsen (2001, p. 4) o modelo Garbage Can aborda a questão organizacional como de alto contexto, sendo primeiramente dirigida por timing e coincidência. O autor afirma que o modelo é livre de institucionalismo, pois essa teoria assume que a estrutura impõe elementos de ordem que permitem à organização resistir às mudanças impostas pelo meio ambiente, o que é diferente da abordagem contextual e complexa sobre a decisão estratégica tratada no modelo de Garbage Can.
Para sintetizar essa seção, Eisenhardt e Zbaracki (1992) retratam as organizações como sistemas políticos onde os decisores estratégicos têm objetivos conflitantes e capacidade cognitiva limitada. Esses autores apresentam o seguinte quadro como uma síntese dos modelos apresentados.
Quadro 1 – Comparações sobre Perspectivas de Decisão Estratégica
Conceito Racionalidade e Racionalidade Limitada Políticas e Poder Garbage Can
Principal
Contribuição Quebra da racionalidade perfeita Quebra de metas organizacionais consistentes Lógica temporal em substituição à causal
Organização Coleção de pessoas seguindo objetivo comum
Coalizões de pessoas com interesses conflitantes
Fluída. Depende da demanda e estrutura
Participação Depende das necessidades da
decisão Depende de interesse e poder Não se aplica
Cognição Organizada, correta Várias frentes Não se aplica
Pesquisa e Análise Local, para encontrar uma
solução Para justificar o ponto de vista. Visa à vitória Ambíguas
Metas Razoavelmente consistentes ou seqüenciais
Conflitantes, múltiplas Mutáveis
Conflito Positivo, com baixa atenção à resolução
“jogos políticos” Não se aplica
Processo de
Escolha Intencionalmente racional, mas com limitações cognitivas Conflitos de interesses, coalizões, poder Coalizões aleatórias de problemas, soluções, participantes e
oportunidades
Ênfase Resolução de problemas Resolução de conflitos Problemas errantes Fonte: construído a partir de Eisenhardt e Zbaracki (1992)