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A GENDA D ECISIONAL E P OLÍTICAS DE R EFORMA A DMINISTRATIVA (1976-1985)

No documento Agendas e reformas administrativas em Portugal (páginas 163-165)

6 AGENDAS DE REFORMA ADMINISTRATIVA EM PORTUGAL

6.4 A GENDA D ECISIONAL E P OLÍTICAS DE R EFORMA A DMINISTRATIVA (1976-1985)

(1976-1985)

Este é um período caracterizado, como já mencionámos, por uma grande instabilidade política, pouco favorável à mudança nas políticas de gestão pública, embora se tenham tomado medidas estruturantes em matéria, por exemplo, de gestão de recursos humanos166. Trata-se de uma fase que revela traços de continuidade com as políticas prosseguidas durante o Estado Novo, embora haja alterações com algum peso167 nos diplomas legais que regulam o funcionamento da Administração Pública (Rocha, 2001a: 97-98). Vive-se um período em que os Governos denotam uma preocupação em constituir uma Administração Pública respeitadora dos princípios de um Estado de Direito e Democrático.

O modelo que pairava sobre o discurso tinha como ideal um “serviço público”, cuja legitimidade não assentava apenas na autoridade do Estado, mas sobretudo na sua capacidade de servir os governados (Chevallier, 2006: 39), constituindo-se como

166 Ao nível da gestão de recursos humanos, é de salientar os pacotes legislativos de 1979 (Decretos-lei nºs. 191-A/79, 191-B/79, 191-C/79, 191-D/79, 181-E/79, 191-F/79, de 25 de Junho) e de 1982 (Decretos-lei nºs 163/82, 164/82, 165/82, 166/82, 166/82, 167/82, 168/82 e 171/82, de 10 de Maio), da responsabilidade do IV e VIII Governos Constitucionais, respectivamente. Para além destes diplomas, gostaríamos ainda de chamar a atenção para o Decreto-Regulamentar 57/80, de 10 de Outubro e para o Decreto Regulamentar nº 44-A/83, de 1 de Junho (classificação de serviços), para os Decretos-Lei nº 41/84 e 44/84, de 3 de Fevereiro (o primeiro congela as admissões na AP, o segundo estabelece os princípios a que deve obedecer o recrutamento e selecção de pessoal) e, finalmente, para o Decreto-Lei nº 248/85, de 15 de Julho (sistema de carreiras na função pública – este diploma revoga o Decreto-Lei nº 191-C/79). Para maior desenvolvimento, consulte-se Rocha (2005: 35-38) e Carmo (1987: 251-255). 167

Por exemplo, as alterações ao regime da Função Pública supra assinaladas. Para Araújo, estes diplomas são a demonstração de que “grandes mudanças ocorreram na Função Pública depois da revolução democrática” (2002: 15). Contudo, estas são mudanças na superfície e no papel, não se traduzindo numa reforma efectiva. O mesmo autor refere que “a instabilidade política e a ausência de uma estratégia de reforma clara impediu a reforma administrativa” (2002: 15) e que, após a revolução democrática, “(...) o aparato administrativo e os seus velhos e tradicionais procedimentos permaneceram inalterados. A reforma administrativa tornou-se uma questão de agenda política, apesar de acontecer somente no papel” (2002: 55). O autor reforça esta mesma visão (2002: 79-80): “O período que se seguiu à revolução até 1986 foi caracterizado por constantes mudanças da responsabilidade pela reforma entre várias direcções-gerais, conselhos e comissões. A reforma era uma política de ‘stop and go’ cuja direcção mudava de acordo com os governos. Esta instabilidade, que seguia a agenda dos governos, impedia qualquer abordagem de reforma coerente.”

agente de desenvolvimento e de justiça social. As ideias transversais da desburocratização subordinam-se a este serviço público, tal como as referências à qualidade, enquanto melhoria no atendimento, na informação e no respeito dos direitos e garantias dos cidadãos.

As ferramentas de mudança privilegiadas consistiam em diplomas legais ou em estudos que, na melhor das venturas, desembocariam nos referidos diplomas, enquanto não morriam no arquivo. Havia um edifício jurídico-administrativo a firmar e foi isso que estes Governos procuraram fazer, dentro dos limites do contexto em que se inseriam168. Também houve referências a técnicas “modernas” de gestão, ajudadas

pelas novas tecnologias da automatização, quiçá um resquício da visão tecnocrática dos anos 60 e inícios de 70, e da sua fé na capacidade “racional” do planeamento, da gestão por objectivos e da análise de políticas públicas (Rouban, 1998: 158).

O Estado de Welfare só começou a ser verdadeiramente construído, em Portugal, com a implantação da III República169 (Rocha, 2001: 98; Tavares e Alves, 2006: 391), registando-se um crescimento nas estruturas, nos recursos humanos e nos recursos financeiros afectos às funções sociais do Estado (educação, saúde e segurança social). As Grandes Opções do Plano (GOP) de 1981-1984 (Lei nº 4-A/81, de 6 de Maio) plasmam esta realidade quando, entre as Opções definidas, surge, em primeiro lugar, “melhorar as condições de vida dos Portugueses” e, em segundo, “promover a satisfação das necessidades sociais” (educação, formação profissional, cultura, segurança social, saúde e habitação), dando continuidade às prioridades de agenda de Governos anteriores170.

168 Um estudo realizado pela OCDE, sobre a reforma administrativa em Portugal, corrobora esta leitura (1996: 150): “Un simple coup d’oeil à évolution de la stratégie permet de constater que les

programmes de réforme avaient à l’origine accordé la priorité à la rédaction de lois, à la mise à jour et à l’amélioration des réglementations, à la modification des organigrammes, à la création de nouvelles structures, à la révision des statuts, à l’introduction des règles, etc.”

169 De acordo com Pinto e Almeida (2001: 93), “O pós 25 de Abril inventou uma nova religião: a da fé ilimitada no Estado como agente de transformação económica, social e cultural do país.”

170 A reforma administrativa é abordada na 7ª Opção: “modernizar a Administração Pública e melhorar as restantes estruturas de apoio à actividade económica, colocando-as ao serviço efectivo do desenvolvimento do País” e estabelecem-se como objectivos da política de inovação administrativa: “a) levar a Administração a tornar-se o sistema ao serviço do processo de desenvolvimento; b) adaptar a Administração Pública às exigências da integração europeia; c) corrigir o empolamento da função pública, ajustando os efectivos dos serviços às suas reais necessidades; d) aperfeiçoar a organização administrativa do Estado, dinamizando o processo de desconcentração e descentralização, harmonizando estruturas e meios de actuação; e) melhorar as relações entre a Administração e o público, garantindo a transparência e a desburocratização das praxes administrativas e simplificando o

Analisando as Grandes Opções do Plano, desde 1977 até 1985171, percebemos que

reforma administrativa, resultante de políticas de gestão pública concebidas a um nível central e de topo, para aplicação transversal na Administração Pública, não foi alvo prioritário da atenção dos Governos, ao nível decisional: as GOP 1977, 1980, 1981 e 1985 mal tocam no assunto e quando o fazem restringem as medidas a determinados sectores (aparelho fiscal, segurança social, saúde, educação) ou ao comportamento das contas públicas, designadamente a premência em controlar o aumento da despesa pública, para a qual poderia contribuir uma genérica “reorganização da Administração Pública”.

Corroborando esta análise, Graham considera que apenas os Governos de iniciativa presidencial – o III, IV e V Governos Constitucionais – tentaram com que a reforma administrativa passa-se do discurso à prática, tendo os restantes Governos, até meados da década de 80, se limitado a declarar intenções (2001: 216): “Although President

Eanes attempted to bring about administrative reform during the era of technocratic cabinets (...), none of the party-based governments gave anything other than lip service to the prospects of administrative reform.”

No documento Agendas e reformas administrativas em Portugal (páginas 163-165)