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5 A AUTONOMIA MUNICIPAL NA EFETIVAÇÃO DE DIREITOS FUNDA

5.1 Direitos fundamentais (questão de ordem)

5.1.4 Gerações (dimensões)

Classificar os direitos fundamentais não é das mais fáceis atribuições. Em que pese a opinião de alguns autores240, o termo “gerações” nos parece mais apropriado para representar a evolução dos direitos fundamentais, haja vista não estar implícita nele a idéia de superação, mas sim, de aperfeiçoamento, de nova roupagem. As gerações tendem naturalmente a evoluir, mas sem olvidar dos seus antepassados, condição sine qua non para o progresso e solidificação. Essa consistência é a marca das gerações, que vão aprendendo com os erros passados e se adaptando às novas tendências da vida hodierna e futura.

O direito à propriedade, verbi gratia, surgiu como um reclamo individual, numa visão meramente egoística e privatista; empós, passou a ser contextualizado numa esteira social, pois a propriedade deveria se embasar na função social, que deveria ser atendida ou cumprida, sob pena de desapropriação forçada, inclusive; finalmente, essa mesma propriedade é vista sob o enfoque ambiental, e deve respeitar as limitações de ordem ecológica. Percebe-se que as gerações se passam, mas o direito não é superado, mas contextualizado.

Nesse diapasão, três correntes se destacam na elucubração das gerações dos direitos fundamentais: a que se pauta pelo peso, pela importância do direito fundamental; a que se vale dos destinatários do direito fundamental, e, finalmente, a que se utiliza da evolução histórica como base, a qual iremos seguir neste momento.

Paulo Bonavides241 entende que a primeira geração dos direitos fundamentais, baseada nos doutrinadores iluministas e jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII, a exemplo de John Locke e Jean-Jacques Rousseau, diz respeito aos direitos de cunho negativo, baseados na liberdade do homem e nascidos de uma exigência dos administrados ao Estado, para que este se abstivesse de invadir sua esfera civil e política. Era o florescimento dos ideais liberais, marcados pela expressão laisse faire,

240 Willis Santiago Guerra Filho utiliza-se do termo “dimensões”, por entendê-lo mais adequado à idéia de redimensionamento, já trazendo consigo a noção de aperfeiçoamento e (re)visão.

241 O mestre de todos nós elucida o problema traçando um paralelo das três primeiras gerações dos direitos fundamentais com os respectivos lemas da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), verdadeiro marco da passagem do mundo moderno para o contemporâneo, acrescentando mais duas gerações, tendo em vista as exigências e necessidades do mundo atual.

laisse passer, le monde lui même, na liberdade plena dos indivíduos, com o absenteísmo estatal como política pública a se reivindicar, além do fortalecimento dos direitos individuais conquistados e normatizados, a exemplo da vida, da liberdade, da manifestação e da propriedade. Os direitos individuais encerram um subjetivismo marcante, traço peculiar das liberdades clássicas civis e políticas, caracterizados pela oposição e resistência às possíveis intervenções (invasões) do Estado.

A segunda geração, de abordagem marcadamente intervencionista, inaugura a fase dos direitos de enfoque positivo, os direitos sociais, onde o Estado deveria sair de sua omissão e passar a intervir na sociedade, numa tentativa premente de se restabelecer a igualdade entre os homens, tão fortemente subjugada pela liberdade em demasia da primeira geração, surgidos do clamor popular por melhores condições de vida e trabalho. Busca-se, outrossim, justiça social. Educação, saúde, trabalho, cultura, seguridade, lazer, proteção à infância, juventude, maternidade e idosos, passaram a fazer parte das políticas governamentais. Essa geração dominou a primeira metade do século XX, marcada pela política do welfare-state de Franklin D. Roosevelt, em que o intervencionismo estatal era a política adotada, representada pelos direitos sociais, culturais, econômicos e os direitos coletivos. São direitos objetivos, pois conduzem os indivíduos sem condições de ascender aos conteúdos dos direitos através de mecanismos e da intervenção do Estado. Pedem a igualdade material, através da intervenção positiva do Estado, para sua concretização. Vinculam-se às chamadas

“liberdades positivas”, exigindo uma conduta concretista do Estado, pela busca do bem-

estar social. Seguem, como desdobramentos, os direitos das classes, dos grupos, das associações, dos sindicatos, dos partidos políticos, etc.

Seqüencialmente, inauguram-se os direitos de terceira geração, onde a fraternidade embalaria as atuações estatais no sentido de proteger os administrados de situações peculiares a atingir (ou ameaçar) grupos específicos ou determináveis, a exemplo dos direitos difusos, coletivos, transindividuais e individuais homogêneos. Em outras palavras, utilizar o princípio da solidariedade para garantir um meio-ambiente ecologicamente equilibrado, em todas as suas manifestações (natural, cultural, artificial e do trabalho), atingimento do progresso, do desenvolvimento sustentável e de uma saudável qualidade de vida, dos consumidores, etc. Essa geração é dotada de um alto teor de humanismo e universalidade, pois não se destinavam seus direitos somente à proteção dos interesses dos indivíduos, de um grupo ou de um momento. Refletiam

sobre os temas referentes ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio histórico-cultural comum da humanidade.

Com as recentes conquistas e perdas da sociedade mundial, direitos outros passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas. Pesquisas científicas e avanços tecnológicos apontam para rumos diversos, momento em que se fala em uma possível

quarta geração de direitos fundamentais, que nos dizeres de Bonavides, seriam aqueles que tutelariam os direitos relativos à bioética, à democracia, à informação, ao pluralismo, enfim, de interesse de toda a comunidade internacional, justamente por representar os direitos que atingiriam a humanidade como um todo, deles dependendo a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência242.

São direitos que remetem à responsabilidade de cada um e de todos, fiscais e beneficiários da democracia, da informação, da autodeterminação dos povos, da bioética, além dos direitos difusos, do direito ao pluralismo, das minorias, relativos à informática, etc. A globalização política na esfera da normatividade jurídica foi quem introduziu os direitos desta geração, que correspondem à penúltima fase de institucionalização do Estado social. Está ligado à pesquisa genética, com a biociência, com a necessidade de se impor um controle na manipulação do genótipo dos seres vivos, especialmente do genoma humano, do seu código genético, no estudo e uso das células-tronco, clonagem, eutanásia, nas questões envolvendo fetos anencéfalos, enfim, nas pesquisas científicas que precisam estar perfilhadas à ética e respeito à condição humana, temas tão atuais nos debates jurídico-éticos do País e do mundo.

Finalmente, em recente e interessante estudo, o professor Paulo Bonavides243 elevou a paz (kantiana) à categoria de direito fundamental de quinta geração, geração esta que seria a última, eis que encerraria a necessidade final de todas as pessoas, que é viver em paz e com o planeta protegido de ataques terroristas, das bombas nucleares, do ódio e dos conflitos internacionais, além de uma terrível – e, infelizmente, possível - extinção do planeta terra, e, conseqüente, da raça humana. Para

242 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27ª edição, Editora Malheiros. São Paulo: 1997, p. 525.

243

In "O direito à paz como direito fundamental da quinta geração", artigo disponível na revista do Superior Tribunal de Justiça, "Interesse Público", volume 8, nº. 40, de nov./dez. de 2006

ele, "o direito à paz é o direito natural dos povos. Direito que esteve em estado de natureza no contratualismo social de Rousseau e que ficou implícito como um dogma na paz perpétua de Kant. (...) Devemos assinalar que a defesa da paz se tornou princípio constitucional, insculpido no artigo 4º, inciso VI, da nossa Constituição. Desde 1988, avulta entre os princípios que o legislador constituinte estatuiu para reger o País no âmbito de suas relações internacionais. E, como todo princípio na Constituição, tem ele a mesma força, a mesma virtude, a mesma expressão normativa dos direitos fundamentais. Só falta universalizá-lo, alçá-lo a cânone de todas as Constituições. (...) A lição conclusiva destas reflexões se resume também em fazer da paz axioma da democracia. Fundamentando, enfim, a nova figura introduzida no rol dos direitos humanos, inspirada de dois filósofos da liberdade, asseveramos que a guerra é um crime e a paz é um direito. Sem a memória e a percepção dessa verdade gravadas na consciência dos povos e na razão dos governantes, nunca concretizaremos a mais solene, a mais importante, a mais inderrogável cláusula do contrato social: o direito à paz como supremo direito da humanidade” 244.