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3 O MUNICÍPIO : AUTONOMIA CONSTITUCIONAL E INTERESSE LO –

3.3 O interesse local

O interesse local se caracteriza pela predominância (e não pela exclusividade) da matéria para o Município, mais próxima deste do que em relação ao Estado e União. Isso porque não há assunto municipal que não seja reflexamente de interesse estadual e nacional, minimamente que for. A diferença é tão-somente de grau, e não de substância.151 Ele deve ser estabelecido dentro do contexto histórico e cultural,

fixado em texto constitucional pelo poder constituinte. O caráter positivista dessa constatação não elide a consciência entre os habitantes de determinadas áreas, acerca das necessidades e pleitos comuns, que se diferenciam dos outros espaços territoriais,

148 Apenas o artigo 243 refere-se às municipalidades hindus. Entretanto, há dezoito dispositivos que dele se desdobram.

149 A República Sul-Africana tem quatro capitais: Johanesburgo, Pretória, Bluefontein e Cidade do Cabo, legislativa, econômica, judicial e administrativa, respectivamente.

150

Washington D. C. (Estados Unidos)

em quantidade e qualidade. Geralmente, a Administração mais geral não possui condições de perceber a sutileza de tais interesses, sendo incapaz de assegurar as satisfações localizadas em sua plenitude - ou perto disso.152 Conforme lição salutar de Pinto Ferreira, lembrado por Nelson Nery Costa, “os interesses peculiares dos Municípios são os que entendem imediatamente com as suas necessidades locais, e, indiretamente, em maior ou menor repercussão, com suas necessidades gerais” 153.

Sob a égide das Constituições pretéritas, no Brasil, o interesse local era uma expressão imprecisa, haja vista adjetivo que lhe seguia (peculiar), causando certa perplexidade na doutrina e jurisprudência, que não se ombreavam na definição da amplitude da competência municipal, ora entendendo-a exclusivamente local – o que soava praticamente impossível, sói inexistir assunto local que não reflita, ao menos minimante, nos planos regional ou nacional -, ora predominantemente local, prejudicando sobremaneira a atuação municipal, atrelando-a aos caprichos, burocracia, omissões e morosidades dos órgãos estaduais e federais. A situação foi deslindada em 1988, quando o constituinte pôs fim ao debate, extinguindo a famigerada expressão

peculiar e fortalecendo o interesse local (art. 30, I, CF). Em ordenamentos alienígenas, o interesse local é sempre incluído no regime municipal, atuante administrativamente, mas subjugado na matéria legiferante.

Destarte, para a definição do interesse local devemos usar alguns vetores, buscando como base a predominância do interesse municipal e as disposições normativas sobre competência, conforme estipulado na Constituição Federal, na Constituição Estadual e na Lei Orgânica Municipal, além de critérios demográficos, geográficos, administrativos e financeiros. A regra é que a entidade administrativa que diretamente for atingida pelo problema deve tomar as medidas necessárias para sua resolução, graduando sua amplitude de acordo com o interesse em jogo154.

Thomas Cooley, analisando o interesse local na experiência norte- americana, relembra que

152

COSTA, Nelson Nery, Op. cit., p. 120. 153 Idem, Ibidem.

154 AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed., Editora Forense. Rio de Janeiro: 2005, p. 286

É princípio axiomático que a gestão dos assuntos puramente locais pertence ao povo interessado, não só porque se trata de seus interesses próprios, mas porque os compreenderão melhor e são mais competentes para dirigi-los. A contínua e permanente existência do governo local é, por conseguinte, aceita por todas as Constituições estaduais e é matéria de Direito Constitucional, ainda mesmo nos casos em que se não trate dele em termos expressos. A lei não seria nunca competente para suprimi-lo. Não obstante, não há uma forma ou modelo constitucional de governo local, nem um padrão ou medida dos poderes locais, podendo diversificarem segundo as circunstâncias. Uma cidade com um milhão de habitantes, com avenidas, parques, fontes, docas e outras propriedades, pode ter necessidade de um sistema de governo com poderes muito amplos, ao passo que uma forma simplíssima e poderes limitados, podem corresponder às necessidades de uma aldeia. Para determinar quais sejam em tais casos as necessidades locais, reclama-se uma legislação; é por isso que o Estado criará governos locais, conferindo-lhes poderes que na sua sabedoria lhes parecerem melhores e mais oportunos, prescrevendo-lhes medidas de segurança e as limitações correspondentes à necessidade e à prudência para o seu regular funcionamento. Conferidos pelo Estado tais poderes, pode aumentá-los à sua discrição, contanto que se circunscrevam a assuntos puramente locais; mas o Estado pode também restringi-los a seu talante, e pode a todo tempo abolir um governo local qualquer e substituí-lo por outro. Por outras palavras, ao passo que a comunidade local tem o direito de exigir do Estado um governo local, não pode pretender dele uma carta ou forma especial de governo local.155

Entretanto, o autor relembra que “a criação dos governos municipais

dentro dos Estados pertence exclusivamente a estes. O Congresso pode criá-los dentro do Distrito de Columbia ou nos Territórios. Nestes, no entanto, costuma-se deixar a faculdade ao Legislativo territorial. Os limites territoriais dos municípios podem ser absolutamente determinados pelos Estados” 156, demonstrando a distância dos entes locais da integração federal alhures.

Interesse local, em resumo, é aquele que predominantemente afeta a população do lugar, havendo uma fiscalização mais direta da sociedade e uma atividade participativa mais intensa.

Possuem os Municípios, ainda, interesse na criação, extinção e transformação de cargos, empregos e funções públicas, além das respectivas remunerações, organizando o Regime jurídico de servidores municipais e a própria administração pública; regular auto-falantes para fins de publicidade e propaganda, previdência dos seus servidores; consumidor (ampla descentralização, envolvendo capacidade local para conhecer sua economia e atuar em seu sistema de abastecimento).

155

Cf. COOLEY, Thomas. Op. cit., p. 333. 156 Idem, p. 332.

A falta de enumeração definitiva para os assuntos de interesse municipal transmite, assim, um respeito constituinte à complexa realidade das necessidades locais, reconhecendo implicitamente poderes para o desenvolvimento da urbis e de seus moradores. E sendo um conceito jurídico indeterminado, de notória fluidez e difícil compreensão exata, nada obstaria sua interpretação flexibilizada à luz dos direitos fundamentais, em especial, a dignidade humana e o direito à cidade, núcleos imutáveis da Constituição Federal. Entretanto, vale transcrever a arguta observação de Carlos Ari

Sundfeld, onde “não é local o assunto que o município não possa regular sem violar o

limite de sua competência territorial157”, devendo haver respeito pelas competências regionais (estaduais) que extravasam as suas fronteiras. Da mesma forma, se o tema envolver duas comunas, a exemplo do transporte intermunicipal e das regiões metropolitanas, matérias que são, inequivocamente, de abordagem estadual.

3.3.1 Atividade administrativa

Detentores, quase sempre, de razoável autonomia administrativa, seja de viés constitucional ou ordinário, os entes locais, inseridos, ou não, em federações, desfrutam de mecanismos diretos ou indiretos na consecução do interesse público da municipalidade. É oportuno que a Administração municipal elabore um plano de governo para organizar suas metas. Alguns aspectos serão, a seguir, apresentados:

Administração Pública Direta: aqui, os entes locais atuam sem intermediários na consecução do interesse público, através de sua burocracia administrativa própria, onde os órgãos, conselhos e secretarias se destacam. Estes, todavia, são subordinados à Prefeitura Municipal, que desconcentra suas atividades, podendo, inclusive, criar Regionais para tornar o mais pontual possível sua atuação.

Administração Pública Indireta: as Autarquias municipais são pessoas jurídicas públicas administrativas, vinculadas ao Poder Público instituidor (Município), com atribuições públicas especificadas na lei local instituidora, auxiliando-o nas tarefas

157

SUNDFELD, Carlos Ari. Sistema Constitucional das Competências. Revista Trimestral de Direito Público, jan/93. Editora Malheiros. São Paulo: 1993, p. 115.

constitucionais de cunho educacional, de saúde, trânsito ou seguridade social, dentre outras, exceto as de natureza econômica. Estas ficam a cargo das empresas públicas e sociedades de economia mista locais, porventura existentes na municipalidade. As fundações públicas também podem ser municipais, autorizada sua criação por lei local, e têm, também, natureza autárquica, mas possuem um patrimônio destinado a um fim específico, geralmente de cunho educacional ou de inclusão social. Há, ainda, a possibilidade de constituição de entidades paraestatais municipais, voltadas, muitas vezes, à cidadania e capacitação profissional de munícipes. Por fim, o município pode autorizar concessionárias e permissionárias a realizar serviços públicos, mantendo, as mesmas, a personalidade jurídica de direito privado.

Municipalização de serviços públicos é a exclusividade de prestação de

serviços públicos pelo Município, como, via de regra, funciona com o serviço de água e esgoto da maioria das municipalidades. O objetivo é baixar o custo do serviço para a população, otimizar a atividade e torná-la ininterrupta. Por outro lado, cresce os gastos com o funcionalismo; muitas localidades não possuem treinamento adequado para competir com o segmento privado, além do acanhamento financeiro. Ademais, a municipalidade fica mais vulnerável às ações judiciais levadas a cabo pelos descontentes consumidores. A urgente municipalização de diversos serviços públicos é

defendida por Alcides Greca, atingindo aquilo que se chama “socialismo, engenharia ou

industrialismo municipal”, que não se confundiria com o estatismo, sendo que na estatização, por conseguinte, perseguir-se-ia um interesse superior e geral, que nem sempre é o dos consumidores; já na municipalização, por seu caráter restrito, pela limitação territorial e menor número de beneficiários, a preocupação e atenção será melhormente dada aos consumidores158. Para o também portenho Clodomiro Zavalia, lembrado também por Yves Oliveira, a principal característica da municipalização seria a exclusividade.159

158

In OLIVEIRA, Yves Orlando Tito de. Doutrinação Municipalista. 2ª ed. Salvador: 1950, p. 95. 159 Idem, p. 96.

4 A POSIÇÃO DE DESTAQUE DOS MUNICÍPIOS NA FEDERAÇÃO