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5 A AUTONOMIA MUNICIPAL NA EFETIVAÇÃO DE DIREITOS FUNDA

5.3 Instrumentos constitucionais de efetivação jusfundamental

5.3.3 Participação popular efetiva

A cidadania já foi vista como fundamento da República brasileira, remetendo à efetiva participação da população no processo democrático. Busca-se legitimidade através dessas políticas de inclusão e de divisão das atribuições públicas, assumindo os cidadãos a condição de atores principais de um Estado (democrático) de Direito. Não há antagonismo na sua relação com o Poder Público, mas antes, cooperação, reiterando a posição de destaque que a Constituição deu aos cidadãos, que estão na plenitude de direitos políticos e aptos a robustecer a soberania popular.

Na comunidade, esta participação é mais sensível. Vizinhos geralmente se reúnem para resolver problemas comuns. Há proximidade com o poder; há logística e

facilidades neste empreendimento popular. A própria Constituição Federal traz balizas intransponíveis nesta linha de atuação (art. 29 e art. 182). É o princípio participativo

que se organiza, caracterizando-se pela participação direta e pessoal da cidadania na formação dos atos de governo. É uma forma de atuação da sociedade civil na condução do ente federativo conjuntamente com o poder público de forma paritária.309E o caráter cogente deste imperativo é inegável.

Assim, quando a Constituição diz ser todo e qualquer planejamento local embasado em participação popular, não se trata de enfeite ou faculdade ao Poder Público. Antes, uma obrigação, pois a comunidade, através de seus líderes de bairros ou de forma mais direta e pessoal, tem reais condições de participar, não só por ser a maior interessada nos planos locais, em especial os urbanísticos e orçamentários, mas,

também, pela experiência social sentida, uma forma de “conhecimento de causa” que

nenhum técnico ou cientista entende. Neste contexto, os planos urbanísticos (gerais, parciais e especiais), os orçamentos participativos, as audiências públicas, os plebiscitos, referendos e iniciativas populares, dentre outras formas de participação popular, enfeixam cidadania e legitimidade constitucional às decisões que afetem a comunidade globalmente considerada. Ademais, os instrumentos que demandam dispêndio de recursos por parte da Prefeitura devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil310. Outrossim, a comunidade deve ter maior acesso às intervenções políticas locais, promovendo as municipalidades verdadeiros Serviços de Atendimento aos Cidadãos, instrumentos como o inovador Fale com seu vereador, secretário e prefeito, isto é, canais diretos de consulta e sugestões aos direcionamentos políticos e sociais da cidade. Ainda, a criação de um Conselho Popular Municipal consultivo e deliberativo sobre os planos e ações de trabalho do Município, através de uma Lei Complementar local, seria um ótimo implemento. Também, assegurar a expedição de certidões administrativas municipais, para defesa de direitos e esclarecimentos de situações, estabelecendo os prazos de atendimento. Finalmente, construindo-se a sociedade civil na gestão democrática, com a identificação dos objetos do licenciamento ambiental

309 KRELL, Andreas Joachim. Autonomia Municipal e Proteção Ambiental: critérios para definição das competências legislativas e políticas locais. In Aplicação do Direito Ambiental no Estado Federativo. Editora Lúmen Juris, Rio de Janeiro: 2005, p. 164.

310 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16ª edição, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva. Editora Malheiros. São Paulo: 2008, p. 537.

municipal, na democracia representativa através da atuação da sociedade civil organizada nas decisões políticas em âmbito municipal, especialmente na identificação dos objetos a serem cristalizados em licenças e concessões ambientais.

Assim, o planejamento participativo, tônica da cidadania, exige verdadeira inserção comunitária, através de seus representantes de bairros, nas decisões mais importantes da cidade. O Conselho Tutelar e o Conselho Municipal de Saúde, ao seu turno, devem cumprir importante papel na efetivação de direitos sociais nos Municípios. A descentralização político-administrativa se faz premente em países de dimensões continentais. Mesmo com o vertiginoso crescimento do número de municípios no País, após o advento do novel texto constitucional, que trouxe mais burocracia administrativa e mais gastos aos cofres públicos, poderá trazer, também, benefícios, aproximando paulatinamente a comunidade do poder, permitindo uma maior participação popular, que, mais próxima do governo, poderá cobrar seus direitos, ancorados na cidadania, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Essa maturidade constitucional do exercício da cidadania é uma construção que não pode ruir.

6 CONCLUSÃO

Inexiste fórmula certa ou modelo único para a configuração de uma Federação. Nem mesmo a precedência das Confederações, embora caminho viável e natural à consecução do Estado Federal pode ser vista como regra absoluta. De fato, cada soberania que resolve utilizar, através de seu poder constituinte, esta forma especial de Estado, tem o direito de adotar o federalismo com as peculiaridades que melhor lhe aprouver, não obstante haja características que não podem ser afastadas.

Assim, a existência de, pelo menos, dois entes, quais sejam, o federal (União) e os parciais ou regionais (Estados, Províncias, Cantões ou Länder), todos autônomos, aliada à descentralização político-administrativa, à Intervenção Federal como mecanismo excepcional de supressão temporária da autonomia dos entes parciais, com o fito de preservar a integridade da união indissolúvel, além da jurisdição federal de uma Corte ou Tribunal Supremo, são marcas indeléveis da forma federativa de Estado. Entretanto, há variações deste modelo, encontradas em cada Federação observada. A principal – e inovadora – ocorrência anormal verificada na República Federativa do Brasil, a partir de 1988, é a inclusão dos Municípios, entes locais situados no interior dos entes parciais (Estados), no rol dos integrantes do pacto federativo brasileiro.

Nenhuma Federação ousou tanto, nem mesmo a norte-americana, berço do federalismo moderno. A inovação apresentada pelo legislador constituinte pátrio, destarte, causou rebuliço na comunidade jurídica internacional, operando verdadeira revolução na Ciência Política. Contestações à parte, ninguém pode negar a incondicionalidade e ilimitação do fenômeno político que criou a nova Federação brasileira, elevando os entes locais a uma condição antes nunca vista, haja vista notável importância história e contribuição dos Municípios à cultura política nacional. Assim, ao menos formalmente, não há como ocultar ou negar esta realidade; materialmente, os argumentos contrários são contundentes, muito embora sustentemos com convicção a realidade local necessária ao Estado Federal, em especial, no Brasil. Em verdade, todas as outras nações também reconhecem as suas comunas como pólos importantes, política e juridicamente. No entanto, a autonomia lhes assegurada, em que pese algumas

variações, seja em Estados unitários ou federais, é tão-somente no campo administrativo, garantindo-lhes atuação gerencial do interesse local, ficando as balizas políticas sobrestadas pelas injunções federais e/ou regionais.É inegável a precedência histórica das cidades em relação ao aparecimento dos Estados. Uma anterioridade de muitas centenas de anos, diga-se, eis que as cidades surgem com as primeiras civilizações humanas, que abandonaram o nomadismo e resolveram se fixar em vales férteis, em planícies seguras, espontaneamente, somente se conhecendo os Estados, na concepção que hoje recebemos, com a Modernidade e sua tentativa de afastar o famigerado sistema feudal.

Nos longínquos tempos idos, o despertar das cidades-estados glorificou o papel das comunas na evolução do homem, abrindo caminho para a organização política das nações contemporâneas. Outrossim, o caminho arenoso enfrentado pelos Municípios brasileiros, desde o colonialismo lusitano, perpassando pelas várias Constituições pretéritas, tratava-se com extrema timidez a questão da autonomia municipal e o seu peculiar interesse, atrelando-se os entes locais aos dissabores da política estadual, desde a Carta Política do Império de 1824, chegando à Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891, que inaugurava o federalismo em terras tupiniquins, com seu formato dual ou isolacionista, modificado pela efêmera Constituição Federal de 1934, que não experimentou suas decisões em tempo hábil, haja vista Carta outorgada em 1937, nascendo a primeira ditadura brasileira, período suplantado pela democrática Constituição Federal de 1946, que cumpriu importante papel restaurador da Federação e do orgulho municipal, através de competências constitucionais locais, inclusive incrementando suas receitas tributárias. Entretanto, a odiosa Carta de 1967, alterada substancialmente pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, sepultaram significativamente o orgulho e autonomia municipais, renascidos gloriosamente com a Assembléia Nacional Constituinte que se instalara no País em fevereiro de 1987, gerando à atual Constituição Cidadã de 1988, obra de rara felicidade político-legislativa, a despeito de algumas atecnias e preferências à União em certas matérias, em detrimento dos demais entes federados.

Neste diapasão, os Municípios atingiram o ápice do trato constitucional, sendo a autonomia local erigida a princípio sensível do ordenamento jurídico brasileiro (art. 34, VII, c, CF), pressuposto material de Intervenção Federal no Estado-membro porventura desrespeitoso. Ademais, adquiriu a inconteste autonomia plena, mormente