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4 A POSIÇÃO DE DESTAQUE DOS MUNICÍPIOS NA FEDERAÇÃO BRASI –

4.1 O federalismo na história constitucional brasileira

O Ato Adicional, substancial alteração da Carta Política Imperial de 1824, editado em 1834, foi um verdadeiro assopro de federalismo, haja vista suprimir o famigerado Conselho de Estado, pior contribuição de Dom Pedro I ao nosso Direito, e criação das Assembléias Legislativas Provinciais, onde seus membros, a exemplo dos deputados nacionais, gozariam de imunidades. Admitia, inclusive, que as Províncias tivessem um Senado, tal qual o Poder Central, desde que o requeressem. Seu projeto

falava em “Monarquia Federal”, inovação vetada pela Câmara dos Deputados.

Tentativas federativas frustradas durante o Império brasileiro: o federalismo de Piratini, durante a República Rio-Grandense, cinqüenta anos antes da Proclamação da República nacional.

O Decreto nº 1, de 15/11/1889, em seu art. 1º, assim dispunha: “Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da nação brasileira a

República Federativa”. A República dos Estados Unidos do Brasil, necessária cópia

implantada no País pelo gênio de Rui Barbosa, a partir do Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, dava claros sinais que iríamos seguir amiúde o modelo de Estado

161 In TAUNAY, Alfredo d‟Escragnolle. História Administrativa do Brasil. Coordenador: Hélio de Alcântara Avellar, Volume VII. Departamento de Imprensa Nacional. Brasília: 1974, p. 80.

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BONAVIDES, Paulo. Reflexões: Política e Direito. Editora Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza: 1973, pp. 82-83.

criado cem anos antes na América do Norte.163 Inclusive no tocante à supracitada repartição de competências, ponto nevrálgico das constituições federais, repetiu-se a escolha ianque, onde as competências da União seriam enumeradas, ao passo que as competências estaduais restariam implícitas, reservadas ao seu interesse regional, desde que não se chocassem com o interesse federal, permitindo-se atuar naquilo que remanescesse deste, daí serem também conhecidas como competências remanescentes ou residuais. Na verdade, já se percebia, ainda no Império, uma movimentação política e intelectual de viés federal, inclusive de setores governistas, sem olvidar dos inúmeros levantes populares nesse sentido.

As antigas Províncias foram transformadas em Estados-Membros, gozando de autonomia constitucional e conseqüentes poderes que elas nunca desfrutaram. O traslado da estrutura federal dos EUA para o Brasil fora artificial, haja vista notável diferença de formação164. Entretanto, não havia alternativa mais viável para um país de dimensões continentais que necessitava de descentralização político-administrativa para otimizar suas inúmeras e complexas tarefas, aproveitando as divisões geográficas então existentes.

A Proclamação da República, em 1889, que antecedeu a convocação do Congresso Constituinte de 1891, foi processada da maneira mais serena e pacífica que naquele momento seria possível alcançar, a partir de um simples Decreto, não encontrando reação entre os integrantes do regime monárquico derrubado. Estavam definidas a forma republicana de governo e o modelo de federação, realidades que a monarquia, já estando experimentando fase da mais absoluta decadência, não teve a humildade de reconhecer. As outrora Províncias não foram consultadas pelo Governo Provisório sobre a viabilidade da nova forma de federação. Quando lhes foi reconhecido

163 Interessante observar que o Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, outorgava aos novos “Estados” brasileiros soberanias momentâneas, até a ulterior criação da Constituição, em 1891, e conseqüente conversão em autonomias, artificialidade inventada para não fugir à regra ianque, mas que em nada mudava a formação esdrúxula e centrífuga da nossa federação. Alguns Estados, a exemplo do Ceará, seguiram a aberração, possuindo, inclusive, ministros de guerra e de relações exteriores, como nos conta o lendário historiador Barão de Studart, citado por Bonavides na obra supra, p. 85.

164 O Estado Federal norte-americano fora formado em 1787, por 13 Estados (ex-colônias) que já existiam há onze anos, e que abdicaram de suas soberanias em favor da união indissolúvel, recebendo, em troca, autonomia e participação na formação da vontade nacional. Eis o “federalismo por agregação”, também

conhecido por “federalismo por centripetação”. No Brasil, o Estado era unitário, tendo sido desmembrado

(descentralização política) em Estados-Membros, que não existiam até então, processo chamado

o direito de eleger representações ao Congresso Constituinte, então convocado, o discurso federativo já estava consolidado no texto da Constituição165.

Nossa primeira Constituição Republicana inaugurou o famigerado

“federalismo dual ou isolacionista”, haja vista inconteste – e artificial -, afastamento de

interesses das entidades federadas (Estados-Membros) e do ente federativo (União), somente extenuado pelas inúmeras intervenções federais alavancadas durante a Primeira República (1891-1930). Este mecanismo excepcional e temporário de supressão temporária da autonomia das partes é uma tendência na práxis federativa, eis que visa a proteger a unidade estatal, pretendendo-se restabelecer a normalidade constitucional. Temos aí um verdadeiro mal necessário, uma “cirurgia federativa”, uma intromissão veemente, mas legítima e imprescindível ao pacto federativo. Entretanto, utilizado como fora durante a Primeira República, de forma desidiosa e arbitrária,

Indubitavelmente, o instituto constitucional da intervenção federal marcou a primeira fase do federalismo brasileiro, fase preponderantemente política, de conflito e acomodação dos Estados-membros à União, e vice-versa166. Entretanto, a Carta de 1891 gozou de certa estabilidade – basta dizer que sua primeira Emenda se deu trinta e cinco anos após sua promulgação, em 1926, e desestruturou a já capenga federação pátria, aumentando os pressupostos materiais para a supracitada medida excepcional, retirando ainda mais autonomia dos Estados-membros, marcada pelo assistencialismo, culminando com a deposição do Presidente da República Washington Luís, em 1930 e com a Revolução Constitucionalista dois anos depois, mormente quando as Câmaras Municipais então existentes, juntamente com as Assembléias Legislativas Estaduais e o próprio Congresso Nacional, foram dissolvidos pelo famigerado Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930, que instituiu o chamado Governo Provisório no Brasil, inaugurando esdrúxula ordem jurídica no País, a exemplo do que ocorrera com o Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889.

Eclodida a Revolução Constitucionalista, fora gerada, em 1934, a Constituição da República Federativa do Brasil, já sob influência do primeiro pós- guerradas, e das Cartas do México (1917) e de Weimer (1919), um ensaio infrutífero de

165 MACEDO, Dimas. O Discurso Constituinte – uma abordagem crítica. 2ª ed. Casa de José de Alencar – Programa editorial da UFC. Fortaleza, 1997, p. 88.

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BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta: Temas políticos e constitucionais da atualidade, com ênfase no Federalismo das Regiões. 3ª ed., Editora Malheiros. São Paulo: 2004, p. 422.

se incrustar o federalismo cooperativo, pois não houve tempo hábil para tanto, haja vista golpe de estado engendrado por Getúlio Vargas, sob manipulação de Francisco Campos, admirador da ríspida Constituição Polonesa, daí nossa terceira Constituição Federal (1937) ter a ultrajante alcunha “polaca”, que simbolizava a ditadura do Estado Novo, assassino das liberdades públicas, carcereiro das garantias fundamentais do indivíduo, ilegítima em todos os sentidos, inclusive no formal167, acarretando o início do

“federalismo nominal”, eis que só havia federação no papel, pois trilhávamos o caminho

do Estado Unitário, com apenas um centro emanador de ordens, destituidor de autonomias parciais (interventores federais) e esmagador do parlamento (dissolução do Congresso Nacional).

O País, então, organizou-se, destituiu o ditador, e aprovou mais uma Lei Maior: a Constituição da República Federativa do Brasil, que data de 1946, considerada das mais modernas e bem fundamentadas de seu tempo, redemocratizando nosso país. Retomava-se o dogma de 1934, ou seja, o federalismo cooperativo, onde vicejou-se tímida reaproximação entre os entes políticos, sufocados pelos interesses do governo central.

Explode, em 1964, o pior momento da nossa história, um golpe que sinalizaria intensa ditadura militar, solapando sem piedade inúmeras conquistas civis e políticas, a partir de uma Carta falsamente promulgada em 1967 e piorada em 1969, sem

contar os terríveis e praticamente “constituintes” Atos Institucionais, tudo sob o falso pretexto de se proteger o País do “comunismo que exsurgia com toda a força”, mesmo

argumento de vinte anos antes, privilegiando-se a União no trato constitucional, em detrimento dos Estados-Membros, embasando o chamado “federalismo hegemônico”,

que perdura até aos dias atuais, disfarçado de “federalismo de equilíbrio”, que se

pretendeu alcançar com a Carta Cidadã de 1988, mas que, infelizmente, não se postou no plano prático-constitucional tupiniquim.

167

Havia um dispositivo nesta Constituição que condicionava sua aplicabilidade a uma ratificação popular, típica das cartas cesaristas, que nunca acontecera.