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Invisível, instalação de 1971 do artista italiano Giovanni Anselmo

(1934), é retomado como referência para pensar uma nova materialização des- ta pesquisa. Por muitos anos guardado como memória, o encontro com esta instalação está entre as experiências de grande impacto vividas pelo autor no campo da arte, sendo formadora de uma identidade e desencadeadora natural de desdobramentos diretos e indiretos em outras obras anteriores. Como uma homenagem a Anselmo, se pensa como trazer o procedimento para a pesquisa. Imediatamente se opta por não ter o equipamento como protagonista, ima- ginando uma forma de não deixar o projetor tão explícito. Para isso, tenta-se buscar elementos já explorados na parede e caderno, deixando a tecnologia como elemento sutil. Há também a questão sobre que texto usar, de forma a não reproduzir literalmente a palavra projetada no trabalho de Anselmo, VISÍVEL.

A “escuta” do acaso se torna caminho para a solução. Uma fra- se-memória que ocorre após a criação do caderno parece se adequar perfeita- mente ao contexto.

RECOLHENDO A ESPUMA DA ÁGUA COM A MÃO EM CONCHA

A frase é escrita manualmente sobre um papel, fotografada digi- talmente e colocada em negativo, de forma que se transforme em texto lumino- so recortado no espaço, quando carregada para o mini projetor de vídeo.

Para esconder a presença do equipamento de projeção, se pensa um algum objeto disposto à altura do torso do interator, como uma prateleira fixada à parede do espaço de exposição, pela qual o público passasse para per- ceber a projeção sobre si ou sobre outro espectador. Considerando a prateleira, o projetor poderia estar entre livros, ou mesmo dentro de um livro, mas seria necessário criar este objeto cenográfico. No processo de experimentação, se encontra uma pasta de arquivo cinza que possui na sua lateral um orifício, usa- da normalmente em escritórios para documentos, cujo espaço interno oferece lugar para posicionar o projetor. Feitos testes, tudo se encaixa perfeitamente.

Assume-se então este novo elemento. A pasta neutra e “burocrá- tica” é pertinente ao fazer referência direta ao caderno cinza como lugar de re- gistro de memórias. No entanto, isolada no espaço, parece indicar que contém algo, ou que é proposta à interação. Para evitar que seja acessada e aberta, ou ter de fixá-la a uma superfície, se escolhe criar uma estante de pastas iguais, de mesmo modelo, onde a que contém a projeção fique protegida e disfarçada. Colocada a aproximadamente um metro do chão, permite que o interator reco- nheça a presença da projeção sobre seu corpo, quando se aproximar da estante, ou sobre o corpo de outro que se posicione em frente ao projetor. Ao notar a projeção, esta altura permite que use seu braço para recolher a luz, estabele- cendo um gesto que faz cruzamento entre forma e conteúdo do texto.

A imagem da obra apresentada aqui foi feita na oportunidade da montagem realizada no processo de qualificação desta pesquisa, na sala do Pós Graduação em Artes Visuais, no Campus Centro da UFRGS. Neste momento, se pode criar um ambiente com as obras realizadas e comprovar a real interação delas no espaço. Surgem em contexto, como uma instalação de várias partes a serem desvendadas.

O corpo de trabalhos desenvolvido consiste em quatro propo- sições. São quatro infrações executadas no mesmo local. São independentes, mas interconectadas e instaladas em uma configuração que dialoga com todas outras dimensões de experiência do lugar. Há uma preocupação na montagem dos trabalhos para que se insiram no contexto já existente, de maneira que se mimetizem com arquitetura e objetos do local. O procedimento é de usar nas obras elementos familiares mas ao mesmo suficientemente distintos para que

FIGURA 56 INVISIBILE - Giovanni Anselmo - 1971

FIGURA 57

[inFRA]ÇÃO ARQUIVO - Fernando Bakos, 2015

causem possível estranhamento. São levados em consideração os diferentes envolvimentos prévios do público com as obras e com o espaço em que estão instaladas. Não são portanto infrações totalmente explícitas, de identificação imediata, requerem atenção e solicitam o envolvimento para serem desveladas.

A instalação foi composta pelas seguintes obras: [inFRA]ÇÃO PARE- DE, [inFRA]ÇÃO CADERNO, [inFRA]ÇÃO ARQUIVO, [inFRA]ÇÃO VIDRO. Todas buscam manifestar um conjunto de ações que vêm sendo executadas como exercício performático desde o ano de 2010, denominadas inicialmente de performances invisíveis. Estas ações são instantes de convergência da percepção do artista com determinadas situações do cotidiano. São instantes que se distinguem da sequência ordinária dos fatos por neles haver a experiência de uma potência do momento enquanto acontecimento. O instante, definido como a confluência das percepções de tempo e espaço (pessoal), torna-se um aqui/agora expandi- do pelo registro da memória (simultânea). O instante inscreve-se na memória conforme ocorre, e grava um registro sinestésico de qualidades sensíveis que passam a existir autonomamente. São, portanto, rupturas no fluxo de eventos da existência que criam nós de percepção, consciência e memória.

A [inFRA]ÇÃO VIDRO foi criada a partir do local da instalação re- alizada no período da qualificação da pesquisa. A obra consiste em um equi- pamento de indução de som por vibração, aplicado sobre o vidro da divisó- ria da sala. Este equipamento, colado no canto superior esquerdo, transforma qualquer superfície sólida em um emissor de som, excitando o vidro a vibrar e reproduzir um áudio pré-gravado conectado a ele. A proposta do vidro foi de expandir a ideia de invisibilidade para além do sentido da visão e construir uma versão das frases-memória que não fosse escrita, mas falada. O vidro surge, além da pesquisa formal e do questionamento tecnológico, de uma série de

performances invisíveis que não haviam sido convertidas em frases. Estas expe- riências parecem ter uma complexidade que não acha reflexo possível em uma frase curta. Ficaram guardadas como memórias e não entraram no conjunto de textos redigidos.

Na versão apresentada para a banca de qualificação, o texto con- siste na memória de uma experiência ocorrida na escada do prédio da Funda- ción PROA, em Buenos Aires. A performance invisível é narrada pelo autor como uma fala automática, sem redação prévia, reconstruída da memória diretamen- te para a gravação. O áudio é então reproduzido pelo equipamento, e se pode escutar o vidro “contando” a experiência ao se aproximar ou encostar nele. Aca- ba funcionando como um “cochicho”, fazendo o interator parar e se colocar na posição curvada e atenta, aproximando a orelha da divisória, como se tentasse ouvir uma conversa que se passa do outro lado de uma parede. A [inFRA]ÇÃO VIDRO acaba sendo a infração mais pontual sobre o espaço, no sentido de uma interferência, que é acionada pelo ruído não só como conceito, mas como ele- mento sonoro real. Há um ruído de informação entre a escrita e a leitura, entre a fala e a escuta, mas este ruído é uma interferência construtiva, potencializa os instantes da experiência.

Uma quinta obra foi concebida, mas não apresentada dentro da instalação naquela oportunidade. Realizada posteriormente, ela deriva indire- tamente da experimentação com o caderno. A [inFRA]ÇÃO CADERNETA tem a proposta de uma edição múltipla de 20 exemplares de uma caderneta “de bolso“ para notas e desenhos, que em uma de suas páginas carrega uma infração es- crita. Apresenta uma nova frase-memória, a partir de uma performance invisível ocorrida em 2017, dando sequência às imediatamente anteriores, que seguiam em direção de uma escrita mais sintética e abstrata sobre a experiência vivida:

HABITANDO O ACASO

Os cadernetas haviam sido encomendadas de um fornecedor, que às mantem em linha de produção, sendo portando objetos relativamente sim- ples de serem encontrados comumente em papelarias. Quase que simultane- amente ao recebimento delas, via Correios, há a sincronicidade de se receber também uma caneta adquirida pouco tempo antes pela internet. Com os dois pacotes cruzando caminhos, pareceu natural empregá-los juntos para executar este trabalho. A caneta, da marca japonesa PILOT, tem a qualidade de ser pro- duzida a partir de uma tinta “apagável”. Este modelo FRIXION, diferentemente de outras canetas “apagáveis” produzidas há algumas décadas, traz uma tinta

FIGURA 58 composição a partir de registros da montagem parcial do trabalho, 2015

FUGURA 59

[inFRA]ÇÃO CADERNO - vista da instalação, 2015