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Gestão da produção e suas variabilidades (mudanças)

6. ANÁLISE DOS ACIDENTES DE TRABALHO

6.1. Acidente com perfurocortante

6.1.5. Gestão da produção e suas variabilidades (mudanças)

A AE envolvida no acidente estava trabalhando há mais de 5 horas. No momento do procedimento de limpeza do equipo, estava próximo o final da jornada de trabalho e a passagem de plantão. Ela referiu que gostaria de

terminar seu turno sem deixar tarefas para os colegas da tarde, o que implicava deixar a medicação fluindo no paciente envolvido no acidente.

A desobstrução de equipo com uso de agulha realizada em condições normais implica na aproximação do objeto perfurocortante com partes do corpo do profissional, as mãos principalmente. Situação na qual a segurança do sistema depende exclusivamente do operador e sua competência, sua habilidade prática, de seu repertório de conhecimentos e saberes e, ao agir, pequenas mudanças na situação podem levar ao acidente, somando-se à situação havia o fato da aceleração do ritmo de trabalho, que leva os profissionais a atuarem de modo automático.

Na situação do acidente descrito a segurança estava fragilizada em razão de diferentes fatores: a sobrecarga de trabalho da AE, devido ao número de pacientes e pela ocorrência do incidente próximo ao final do plantão; a agitação do paciente que parece ter coincidido com o momento da retirada da agulha do injetor lateral; a realização de procedimento com pressa ocasionando aceleração de ritmos de trabalho; e pela preocupação da AE com a notícia sobre o estado de saúde de seu pai.

Diferentes configurações estiveram implicadas no desenrolar do acidente. As situações de sobrecarga de trabalho que envolvem pacientes agitados são variabilidades conhecidas em ambientes hospitalares, as equipes de trabalho, embora procurem adotar medidas de suporte e apoio para tais situações, nem sempre conseguem utilizá-las em todas as ocasiões como relatado no item 5. Soma-se a tudo uma questão da vida familiar, externa ao trabalho, que afetou o estado emocional da AE, bem como a aceleração para a execução da atividade de desobstrução do equipo.

Apesar das situações de sobrecaga de trabalho, principalmente ao lidar com pacientes agitados, e na vigência de autoexigência dos profissionais para passagem dos plantões sem problemas para a próxima equipe, a gestão de produção desconsidera a situação de dificuldade enfrentada pelos profissionais nesta situação de pressão temporal, ou seja considera que a atividade é

essencialmente a mesma das situações normais, habituais, contribuindo assim, para que tudo se mantenha inalterado até que o próximo acidente aconteça.

Estas condições em conformação direta ou indiretamente poderiam desencadear o acidente.

A seguir o quadro 2 síntese da Análise do acidente com perfurocortante.

Quadro2. Síntese da Análise do acidente com perfurocortante Componente do

MAPA

AE sofre acidente com picada de agulha ao realizar procedimento de limpeza de equipo.

Estava responsável por seis pacientes. O paciente envolvido no AT estava em quarto de isolamento respiratório, e era agitado.

Descrição do trabalho normal

Desobstruir o equipo de infusão de medicação endovenosa (o medicamento não flui normalmente, retorna pela extensão do equipo, entupindo-o).

Estratégia: desfazer com uso de agulha (agilizando procedimento).

Modo operatório: implica manuzeio de agulha e uso de paramentação com troca em caso de saída do quarto.

Equipo com injetor lateral permite e estimula uso de agulha. Procedimento executado com sucesso antes.

Variabilidades e ajustes habituais

Proximidade de final de jornada.

Outras tarefas a serem realizadas. Trabalhava com pressa. Equipo com injetor lateral de silicone, material mais duro, aumenta a dificuldade no modo operatório para manuseio de agulha.

Cuida de mais pacientes que o habitual (sendo que 1 exige mais atenção).

Telefonema sobre internação do pai, a deixa preocupada e afetada emocionalmente ao realizar a manobra de desobstrução do equipo.

Paciente agitado, no momento da retirada da agulha do equipo.

Análise de mudanças

Equipo entupido. Havia necessidade de desobstruir o equipo para a continuidade da passagem da medicação.

Estado de ansiedade e preocupação. (condição extra laboral). Pressão de tempo (recebe informação da internação do pai, final de jornada, troca de equipo demoraria mais, outras tarefas a realizar, lida com mais pacientes que habitual).

Paciente agitado - condição de doença. Exige mais atenção (atenção dividida com o uso de agulha em material mais duro).

Análise de

barreiras

Sistema adotava o modelo de equipo com injetor lateral. Não adoção de barreiras de prevenção As agulhas, à época do acidente, não tinham dispositivo retrátil. As luvas de procedimentos são de material fino e não constituem barreira de proteção eficiente contra perfurocortante, apenas minimizam as consequências, pois são facilmente transpostas. Recomendação verbal para não usar o injetor lateral, barreira frágil. Não existência de programa de gestão visando adotar medidas de adesão a recomendações, nem a checagem das

adesões às recomendações.

Gestão de Produção

Suprimento de equipo que introduz possibilidade de uso de agulha; não considerar a necessidade de dois AE para ministrar medicação em paciente agitado –ou seja o dimensionamento do efetivo não considera a variabilidade trazida pelos pacientes mais graves.

Gestão de Segurança

Não consideração da necessidade de prevenção e proteção quando da ocorrência das variabilidades citadas.

Conduta anacrônica ao não analisar os acidentes com risco de contaminação biológica, ou concluir análises que atribuem culpa às vítimas, associada a uma política de prevenção centrada no indivíduo como uso de EPI, reforço de treinamentos e eventual punição dos funcionáros, sem levar em conta os determinantes dos eventos.

Ampliação conceitual

A desobstrução do equipo com uso de agulha implica aproximação entre partes do corpo com objeto perfurocortante. A segurança do sistema fragilizada, depende especialmente de conhecimentos e habilidades práticas dos profissionais. Automatismos. Presença simultânea de: sobrecarga de trabalho, agitação psicomotora de paciente, procedimento realizado com pressa, preocupação com notícia sobre estado de saúde do pai. Considera-se necessário que a organização se aproprie de noções como a de atividade e suas variabilidades, da análise de barreiras e de mudanças. Compreender o comportamento da vítima, a escolha do equipo não foi opcional, era o equipo disponibilizado na clínica. A análise do acidente revelou larga quantidade de aspectos interagindo em rede nas origens das escolhas da vítima, que não parecem ser produtos de escolhas livres e conscientes e não fosse o fato de seu pedido de demissão, talvez, se tivesse conseguido explorar outros aspectos como sua história de inserção na equipe e as relações estabelecidas que, embora tenham sido referidas como muito boas, não puderam ser observadas.

Conclusão Acidente envolvendo picada de agulha em contato com sangue contaminado de paciente-fonte (HIV e HBV), quando retirou a agulha sem dispositivo retrátil de equipo após realizar desobstrução. Inexistência de barreiras e não uso de barreiras de prevenção.Falta de desenho de prevenção de segurança, por exemplo, com a introdução de modelo de equipo com potencial de eliminação do risco. A agitação do paciente, a ansiedade da trabalhadora e o contexto organizacional de pressão de tempo contribuíram para a facilidade do acidente.