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CAPÍTULO I – POLÍTICAS EDUCACIONAIS E GESTÃO DEMOCRÁTICA

1.3 Gestão democrática da escola pública: apontamentos conceituais e

Com o final do regime de exceção de 1964 é promulgada a Constituição Federal de 1988 (CF-88), que institui no Art. 206, inciso VI, o princípio da Gestão Democrática do Ensino Público (BRASIL, 1988), fundamento que remete para necessidade de instrumentalização da participação coletiva, que, embora restrita, potencialmente, cria a possibilidade de haver a regulamentação da eleição de diretores nas redes escolares públicas e a criação dos conselhos escolares, esses últimos com a prerrogativa de ampliar o espaço de deliberação coletiva e de resgatar a garantia do acesso ao direito social de uma educação pública, democrática. Na compreensão de Guedes e Barbalho (2016) neste período

As políticas educacionais nas décadas e 1980 e 1990 desenham-se a partir de duas vertentes de gestão pública: a democrática, originária dos movimentos sociais inseridos no processo de redemocratização do país e a de cunho gerencial, oriunda dos ideais neoliberais. Esses posicionamentos inauguram uma nova fase no cenário institucional, político e administrativo brasileiro. Do ponto de vista institucional, a Constituição Federal de 1988 aponta uma diretriz democrática, por meio do protagonismo decisório da sociedade civil e outra, pautada na perspectiva da performatividade capitalista, adotada pela reforma do Estado (GUEDES; BARBALHO, 2016, p. 135).

Em virtude disto, quando nos referimos a democratização da gestão escolar pública, como proposta na CF-88 e na LDB/9614, enfatizamos que ela não se configura como uma ruptura total com o modelo de gestão burocrático-patrimonialista anterior, na verdade ocorre uma mudança gradual que assume uma feição própria multifacetada (democrática e gerencial), ainda assim, esse modelo ambíguo é considerado um avanço notável para a instauração da cultura democrático- participativa na escola pública. Por estar na base societária de criação da cultura da gestão democrática, a escola deve aprimorar o aprendizado da comunidade

14 A Lei de Diretrizes e bases da educação Nacional, Lei 9394/96, lida com a revisão das

responsabilidades dos sistemas de ensino (Federais, Estaduais e Municipais) sejam repensados e redefinidos no intuito de promover o fortalecimento da autonomia das escolas a partir das novas incumbências que lhe foram dadas. Observamos que os documentos Legais CF/88 e LBD 9394/ 96 sugerem a melhoria da qualidade da educação, mas, é preciso refletir sobre as condições de acesso e permanência na instituição escolar, como meta para alcançar a qualidade educacional almejada.

educativa, estimulando práticas democráticas e igualitárias que poderão resultar na democratização das relações de poder em toda a sociedade.

Ainda como parte dessa organização do ordenamento legal originário dos princípios democráticos defendidos no processo de redemocratização nos anos 1980, destacamos a regulamentação dos Conselhos Escolares como espaço potencial para a participação da comunidade escolar e local, nos assuntos referentes à escola pública, fundamento legal que é instituído pela LDB/96 no seu Art. 14, ao definir que:

Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (BRASIL, 1996).

Esses princípios previstos na LDB/96 devem ser associados a luta por direitos que passou a fazer parte da pauta dos movimentos sociais organizados (sindicatos, partidos políticos, entidades profissionais, dentre outros) que já vinham reivindicando a ampliação desses espaços de participação e deliberação coletiva desde a década anterior. Nesse contexto, esses movimentos sociais passaram a influenciar os diversos setores da sociedade civil, dentre eles, os educadores públicos que assumiram expressiva centralidade no âmbito socioeconômico e político nacional nesse momento. Educadores que vão orientar a reestruturação na gestão educacional, em dados momentos seguindo o receituário gerencial/neoliberal ou de democratização de poder de decisão na administração pública.

Estes documentos legais proporcionam discussões sobre as formas de consubstanciar a gestão democrática, bem como induzir a reflexão sobre a atuação dos Conselhos Escolares em que se pauta graus diferenciados de autonomia, participação e diálogo. Paulo Freire (1987) propõe uma pedagogia democrática por meio da participação dos sujeitos nas decisões e que essa ação possa direcionar para construção do senso de responsabilidade política e social. Por essa concepção progressista de educação, a autonomia escolar pressupõe priorizar os interesses coletivos, tornando o espaço escolar democrático. Partindo dessa compreensão democrática ressaltamos a importância do Conselho Escolar na busca por uma gestão democrática condizente com a realidade social em que vivemos e, de algum modo, transformadora.

Porquanto, o campo de lutas pela gestão do tipo democrática representa um esforço coletivo para reivindicar a ampliação do acesso de todos os indivíduos sociais a uma escolarização ampla e de qualidade. Portanto, a materialização das políticas de gestão democrática supõe a participação da comunidade nos processos de decisão sobre os rumos administrativos, pedagógicos e financeiros da escola pública, que precisam buscar, de forma permanente, uma formulação democrática, com a consecução coletiva de metas, objetivos, estratégias e procedimentos comuns. A esse respeito, Paro (2016) afirma que:

Se estamos interessados na participação da comunidade na escola, é preciso levar em conta a dimensão em que o modo de pensar e agir das pessoas que aí atuam facilita/incentiva ou dificulta/impede a participação dos usuários. Para isso, e importante que se considere tanto a visão da escola a respeito da comunidade quanto sua postura diante da própria participação popular (PARO, 2016, p. 59).

A ampliação da participação da sociedade civil propugnada pela CF/88 e pela LDB/96, e a qual Paro (2016) anteriormente defende que se materialize via uma matriz democrático-popular, passa a constituir-se num processo de democratização dos sistemas educacionais e das escolas públicas que foi implementado durante os anos 1990 e continuado nos anos 2000 pelos diferentes governos brasileiros de matizes ideológicas diversas, movimento que em certas condições político-conjunturais assume uma diretriz gerencial, e em outras de gestão democrática.

Essas ações de ampliação do controle dos processos administrativo- financeiros pelo Estado e social pela comunidade são instrumentalizadas por meio da reforma do Estado, condição que resulta em mudanças em diversos setores da administração pública e em diferentes níveis federativos. No que diz respeito ao campo das políticas educacionais, esse movimento resultou na reestruturação dos currículos e da avaliação institucional, na ampliação e regulação do financiamento público e descentralização/democratização da gestão, essa última dimensão, apontada como a mola propulsora para a melhoria da qualidade da educação e o desenvolvimento dos países. Esse movimento sinaliza que o processo de democratização da gestão escolar insere-se em contextos das relações de poder complexas e deterministas, pois “Uma sociedade autoritária, com tradição autoritária, com organização autoritária, e não por acaso, articulada com interesses autoritários de uma minoria, orienta-se na direção oposto á da democracia” (PARO, 2016, p. 26).

Paro (2016, p. 30) assinala que o sistema educacional público brasileiro apresenta vestígios de um modelo de gestão educacional homogêneo e verticalizado, em que: “[...] A escola pública, como acontece em geral com as instituições numa sociedade autoritária, é organizada com vistas a relações verticais, de mando e submissão, em detrimento das relações horizontais, de cooperação e solidariedade entre as pessoas”.

Logo, diante desse contexto societário e escolar autoritário e adverso, referido por Paro (2016), o surgimento dos Conselhos Escolares no Brasil está intimamente associada a luta pela ampliação dos direitos sociais e políticos que passou a integrar as demandas dos movimentos sociais organizados a partir dos anos 1980, no bojo do processo de redemocratização política oriunda do fim do regime civil-militar de 1964, esses grupos clamavam pela ampliação do direito a participação nas deliberações concernentes a gestão pública estatal.

Por conta desse movimento de democratização referido somos conduzidos ao desafio de pensar sobre a política que sinaliza para esta discussão democrática no Brasil refletida nos processos de Gestão democrática. Como explica Santos (2013, p. 35): “A gestão escolar, na maioria das escolas públicas, ainda se baseia no modelo de administração clássica, estática e burocrática, não condizente com as necessidades de um mundo em constantes e rápidas transformações[...]”. Esse modelo é discutido, na atualidade, a partir dos princípios da gestão democrática, privilegiando a participação de todos no intuito de promover através da construção coletiva do Projeto Político Pedagógico a valorização e o sucesso do processo de ensino aprendizagem, com vistas à melhoria da qualidade da educação.

Dessa maneira, é necessário estabelecer uma relação dialógica horizontal entre as diretrizes nacionais referentes as políticas educacionais e a comunidade escolar e local representadas nos conselhos escolares, conforme prevê a LDB/96. A garantia do pluralismo de ideias, da participação coletiva e da autonomia constituem princípios basilares na atuação do Conselho Escolar, isso porque esse colegiado assume um papel relevante na viabilização do diálogo entre o Estado e os segmentos que formam o universo escolar, pois, dessa forma, juntos poderão construir um processo pautado numa educação mais autônoma, democrática e participativa.

Cientes disso, podemos aferir que o papel do conselho escolar é amplo, pois implica em reunir e construir ideias para o objetivo maior: formar a consciência dos sujeitos para lutar em prol da transformação de sua realidade. Incitar para a

consciência crítica é uma atitude de muita responsabilidade face às práticas autocráticas que persistem nas relações de um povo marcado pelas desigualdades sociais que constituem barreiras para o acesso democrático ao conhecimento problematizado a partir da realidade vivenciada.

Quando tratamos de consubstanciar a gestão democrática na nuança de materialização da atuação dos Conselhos Escolares é importante considerar que a autonomia consolidada dentro da esfera de descentralização de poder, pressupõe tornar o espaço escolar mais democrático e participativo. Como estratégia política de democratização, destacamos, ainda, o caráter deliberativo desse colegiado, que viabiliza o diálogo entre os diversos segmentos escolares nos espaços de debates e construção coletiva de uma educação mais democrática e participativa.

Concomitante a ampliação do processo de democratização da escola por meio do protagonismo do CE no desenvolvimento das ações político-administrativo- financeiras da gestão, surge a necessidade de uma educação pautada em momentos de diálogo coletivo que propiciem a construção de um projeto educativo emancipatório, que gere a consciência dos sujeitos de sua condição individual e do mundo sócio-político em que vivem, essa situação diz respeito à ideia de que deve existir um intercâmbio contínuo de saber entre conceitos fundamentais: homem, educação, escola, educandos, educadores, diálogo e sociedade, nesse sentido, é importante instaurar o a gestão democrática nos moldes propostos por Cury (2007), que afirma:

A gestão democrática como princípio da educação nacional, presença obrigatória em instituições escolares públicas, é a forma dialogal, participativa com que a comunidade educacional se capacita para levar a termo um projeto pedagógico de qualidade e da qual nasçam ‘cidadãos ativos’ participantes da sociedade como profissionais compromissados (CURY, 2007, p. 498, grifo do autor).

Portanto, corroboramos com Cury (2007) endossando que a efetivação do direito à educação requer assegurar mecanismos de gestão democrática dos sistemas educacionais e das unidades escolares. Cumpre analisar as demandas postas para todos os envolvidos no processo escolar. A participação só se materializa se for atribuída a comunidade a oportunidade de diálogo que viabilizam o engajamento de todos de tal que estimule a consciência de pertença, dada realidade vivenciada concretamente no cotidiano da escola. A comunidade precisa se sentir responsável

pela escola, o que viabiliza participação e autonomia nas decisões, com o intuito de tornar a escola mais democratizante, caracteriza-se como um desafio na operacionalização das políticas públicas da educação. Compreender essa perspectiva implica pensar na gestão como espaço de possibilidades de planejamento participativo que desempenha um papel fundamental para o processo de democratização da escola pública, e dos conselheiros como sujeitos reais e ativos. Desse modo,

A escola pública poderá, dessa forma, não apenas contribuir significativamente para a democratização da sociedade, como também ser um lugar privilegiado para o exercício da democracia participativa, para o exercício de uma cidadania consciente e comprometida com os interesses da maioria socialmente excluída ou dos grupos sociais privados dos bens culturais e materiais produzidos pelo trabalho dessa mesma maioria (BRASIL, 2004, p. 20).

O Caderno 1: Conselhos Escolares: Democratização da Escola e Construção da Cidadania material bibliográficos orientador do Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares (2004) ao instituir os princípios de Gestão democrática, aponta para promoção de uma melhoria no sistema educacional, uma vez que, identificada a precariedade estrutural do ensino público, a participação assume neste novo arranjo a centralidade do processo que viabiliza a participação de pais, professores, alunos e demais membros da comunidade escolar nos processos de gestão da escola.

Portanto, defendemos que modus operandi da gestão democrática requer a participação efetiva e continua da comunidade escolar nos movimentos decisórios que se apresentam cotidianamente na instituição educativa, situação que demanda a formulação e reformulação dos processos de gestão por meio da implantação e implementação de metas, objetivos, estratégias e procedimentos deliberados coletivamente, quer sejam a respeito dos aspectos pedagógicos, quer sejam relativos à gestão administrativa, dos recursos humanos e financeiros. É imprescindível que a gestão escolar seja compartilhada, coletiva, participativa, democrática e que todos juntos – diretor, pais, comunidade, professores, alunos, funcionários – busquem soluções para os diferentes entraves e consigam tornar realidade a meta coletiva de ver e vivenciar um ambiente em que todos os alunos possam apreender o conhecimento científico e sociocultural necessário a seu desenvolvimento intelectual

e humano, e num cenário em que o Conselho Escolar assume uma dimensão fundante como órgão gestor desses processos políticos e educativos.

Quando escola e sociedade caminham juntas, é possível promover a construção de alternativas que fortaleçam um paradigma cultural de diálogo e participação democrática na instituição escolar. O Conselho Escolar neste contexto, assume papel de relevância para viabilizar o diálogo entre os segmentos que formam o universo escolar no processo da construção de uma educação mais democrática e participativa. Na base da concepção de gestão democrática a escola faz parte da sociedade e nela deve intervir para o aprendizado de práticas igualitárias.

Portanto, este capítulo discutiu o modelo de administração gerencial proposto pela Reforma do Estado brasileiro na década de noventa do século XX e a concepção de gestão democrática instituída pela Constituição Federal de 1988, para isso, aquilatou os impactos na organização da gestão escolar pública contemporânea.

Por meio dos resultados auferidos nesse estudo, podemos afirmar que as reformas educacionais na década de 1990, notadamente, nos países da América Latina foram fundadas numa prática econômico-política neoliberal que pautou-se na diminuição do aparato administrativo do Estado e pela incorporação do modelo de performance gerencial às práticas de administração pública educacional, impactando negativamente no atendimento com qualidade e na garantia do direito à educação pública e gratuita para os membros da classe trabalhadora pelo Estado nacional.

Notadamente, as reformas nas políticas educacionais resultaram num projeto de modernização capitalista, que no campo da gestão pública educacional ficou atrelado ao processo de mudanças tecnológicas da comunicação e da informação, e aos avanços da globalização financeirizada do capital.

Deste modo, o processo de descentralização da gestão educacional ficou focado nas diretrizes propugnadas pela reforma do Estado implantada no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, reforma que atuou basicamente na definição das prioridades de eficiência e eficácia da gestão estatal e suas repercussões para desoneração do plano econômico-financeiro do sistema produtivo privado, como também, na focalização das políticas sociais por meio de ajustes estruturais que optaram pela privatização e terceirização dos serviços públicos, inclusive, aqueles concernentes a área educacional pública.

Nessa perspectiva mercadológica referida o Conselho Escolar assume prioritariamente a função de um colegiado que auxilia a implantação e implementação

de práticas gerenciais de gestão a serem introduzidas na escola pública. Sendo assim, esse conselho toma para si essa diretriz prioritária e passa a boicotar os princípios e as ações que buscam efetivamente democratizar o poder de deliberação, poder ora assumido coletivamente pelos diferentes segmentos sociais presentes no âmbito da instituição escolar, conforme preconiza a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96).

Diante desses encaminhamentos verificados no início da trajetória rumo à democratização da escola pública, é importante ressaltar que a função do Conselho Escolar é ampla, pois implica unir a comunidade irmanada em um objetivo comum, qual seja, construir ideias coletivas, a exemplo de: estimular a consciência dos sujeitos para lutarem em prol da mudança de sua realidade econômico-social desigual. E, ainda mais, incitar para construção da consciência crítica, atitude que atribui uma gama ampla de responsabilidades políticas para o educador, face a superação gradativa das práticas autocráticas que persistem nas relações capitalistas, historicamente marcadas pela desigualdade (econômica, social e cultural), situação que se constitui numa barreira concreta de acesso democrático ao conhecimento problematizado a partir da realidade vivenciada, em especial, pela classe que vive do trabalho.

CAPÍTULO II – CONSELHO ESCOLAR: A DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO NO