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Em seu modo de ser corriqueiro, o gesto não se reduz unicamente à categoria de sinal e sintoma, tendo numerosos e constantes empregos significativos. Podemos pensar no flerte, por exemplo, um comportamento comum entre seres humanos, com intuito de gerar ligeira e discreta insinuação de interesse afetivo e/ou sexual entre pessoas.

Já o cumprimento é uma forma de saudação amigável entre duas pessoas, geralmente com algum gesto ou fala. Os gestos que simbolizam os cumprimentos variam de uma cultura para outra. No Ocidente, e na maioria dos países, costuma-se utilizar o aperto de mão entre homens e entre homens e mulheres que não têm certa intimidade. É comum se utilizar um, dois ou até três beijos no rosto, entre homem, mulher e que já são colegas ou amigos há algum tempo.

Em alguns países da Ásia, cumprimenta-se unindo as próprias mãos. No Japão, as saudações se dão, normalmente, curvando-se a coluna e os apertos de mão são comumente feitos em conjunto com a forma tradicional de saudação. Entre árabes, o cumprimento normal de dois homens amigos é a troca de beijos nas faces. Na Itália, o beijo no rosto entre homens familiares também é comum.

Existem objetos que não precisam de palavras, pois o próprio gesto fala por si só. No século XIX, era muito comum quando um homem, num gesto desafiador, tirava suas luvas e as batia no rosto de um adversário; isso significava convite para um duelo.

O leque é um objeto oriental que, no passado, ocultava o rosto; simbolizava leveza, erotismo, sensualidade, ou qualquer mensagem que se quisesse transmitir apenas com um gesto: tudo estava dito.

Antes de falar, o homem gesticula. Gestos e movimentos possuem significado. (...) Os homens falam com as mãos e com o rosto. O grito atinge a significação representativa e indicativa ao se aliviar a esses gestos e movimentos. Talvez a primeira linguagem humana tenha sido a patomima imitativa e mágica. (...) os movimentos corporais imitam e recriam objetos e situações. (PAZ, 1982, p. 41). Muitas das expressões gestuais que se apresentam no cotidiano, podem estar intimamente associadas ao gesto feito em cena. É próprio

do ator ser, ao mesmo tempo, um múltiplo, segundo Roubine. Em cada papel que o ator representa, ele assume os desafios que cada um desses papéis exige. “Ele também é um e múltiplo por seus instrumentos de expressão: ele pode utilizar, simultaneamente, um após o outro, os recursos da sua voz, do seu rosto, do seu gesto”. (2002, p. 11).

Vamos buscar no teatro as várias formas gestuais que expõem ideias, sentimentos ou realçam a expressão de um ator, o qual vai utilizar inúmeros acessórios cênicos a sua disposição, para transmitir sua linguagem.

Diversas são as linguagens do corpo. Benjamin preocupa-se fundamentalmente em resgatar as dimensões expressivas da linguagem, que vêm perdendo espaço no mundo moderno, e não apenas uma linguagem como veículo de informação.

O teatro japonês pode ser descrito como uma celebração solene, estritamente formalizada, de emoções e sentimentos, indo da inovação pantomímica dos poderes da natureza às mais sutis diferenciações da forma dramática aristocrática. Sua mola propulsora está no poder sugestivo do movimento e do gesto. Dentro dessa forma de expressão, os japoneses desenvolveram uma arte teatral tão original e única que desafia comparações. Para isso, suas peças se utilizam de objetos, como as máscaras de diversas expressões, pinturas de rosto, leques e bastões, representando fatos históricos.

No teatro da Índia, o estrito código de gestos de Bharata, na época de 200 a.C e 200 d.C, foi utilizado para se transmitirem regras correspondentes à linguagem: cada movimento dos dedos da mão significava uma palavra e o povo ficava atento aos gestos, para perceber a mensagem que lhe era enviada.

Para Vsevolod Meyerhold, o ator de teatro, de cinema ou televisão precisa conhecer o seu corpo muito bem para saber exatamente o que expressa neste ou naquele momento, ter a consciência do que seu corpo/ rosto está expressando. O corpo do ator torna-se um instrumento que substitui uma orquestra inteira, com uma modalidade mais pessoal e, ao mesmo tempo, mais universal para se expressar. Inevitavelmente, nessa situação há um total engajamento do corpo do ator com a plateia, de forma que todos façam parte de uma mesma obra, atingindo a pulsação social.

O teatro representa um espaço próprio de postura corporal, voz, movimento, música, texto e formas capazes de apresentar diversas interações e entretenimento. É uma forma de conhecimento e um meio de transformar a sociedade, por meio da linguagem, da expressão e da imagem. O teatro trabalha com interpretação, expressões, distâncias,

proximidades e diversas formas de linguagens; esses e outros elementos vão criar uma estreita relação entre o que o ator expressa e a plateia.

As pessoas vão ao cinema e ao teatro para ver uma sequência de imagens que, mais do que argumentos, lhes entregam gestos, rostos, modos de caminhar, paisagens e cores.

No filme Bodas de Sangre (1981), baseado na peça homônima poeta e teatrólogo Federico Garcia Lorca, com o dançarino-ator Antonio Gades cujo diretor é Carlos Saura, percebe-se a relação do gesto na mistura de balé clássico com a dança flamenca. Este é o primeiro filme de sua trilogia, que conta ainda com Carmen, de 1983, e Amor Bruxo, de 1986. Conta a história de dois jovens apaixonados que são impedidos pelas suas famílias de ficarem juntos. O reencontro acontece justamente no dia do casamento da jovem com um outro homem. Um trágico destino selará este triângulo amoroso, retratado com a magia de uma das maiores expressões de arte da Espanha: a dança flamenca. Na última parte do filme, o agora esposo abandonado parte em perseguição ao casal que joge na festa do casamento. Ao encontrá-los, dá-se uma dramática luta com facas, a qual termina com os dois homens mortos aos pés da jovem recém-casada.O desfecho é a noiva passando as mãos ensanguentadas em seu vestido branco, refletida em corpo inteiro no espelho que ocupa a parede lateral.

A representação do sentimento de amor, o olhar expressivo de tristeza, o desejo, a indignação, a dança da mulher traída, o jogo de sedução, a união dos corpos vêm mostrar o sincronismo do movimento com a linguagem gestual. A expressão de desespero e dor da noiva, diante de um duelo, mesmo sem palavras, apenas com música e gesto do corpo, passava, a quem assistia, toda a força da trama nele desenvolvida Os gestos, por si só, transmitiam toda a história. Desejo e olhares se cruzam, se tocam; mais do que isso, desejo/corpo e olhares se constituem numa relação violenta. O corpo do artista é usado como alvo na luta-dança.

Na dança, na representação, na performance o corpo passa a exercer um papel de evidência. O corpo passa a representar uma linguagem.