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O corpo tem sua linguagem, sua forma de identidade é o que nos distingue uns dos outros, tornando cada ser singular. Para que o gesto, a

linguagem e todo o corpo – esteja ele no seu cotidiano ou representando em um palco, em uma performance, dança40 ou no cinema - se constituam em uma articulação cênica significativa, é preciso muito mais do que um texto, uma encenação ou um desempenho. É necessário o outro, o público, o telespectador, a plateia, para entender, criar, recriar, reinterpretar, transformar e reconstruir a ideia apresentada. O corpo nos conta histórias de aventuras e nos repassa aquilo que o outro tem a dizer. Para Leonora Lobo, a dança lhe permite ser, expressar, viver e amar. Diz que, desde os primórdios da civilização, a dança vai se construindo nas celebrações da colheita, da vida, da morte e nas manifestações culturais dos povos. Por dramatizar as emoções e significações em movimento, esta arte, com o passar dos tempos, se modifica, sai do patamar das celebrações e passa a estar presente no universo das linguagens. Para ela, a dança é a “escritura dos corpos em movimento”. O corpo que dança é o mesmo que vive, respira e que sente. "O corpo, moradia e expressão mais pura do ser. Mais espontâneo nos seres primitivos e nas crianças, o corpo, nos tempos modernos,experimenta desarmonia e bloqueios, como se o ser humano fosse a cada dia se distanciando de sua verdadeira face" (LOBO,2007, p.79). Podemos pensar aqui, do corpo da criança que se manifesta nas brincadeiras cantadas, na qual cada música possui um movimento próprio.

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Para Roubine, “a dança revela que o movimento e o gesto sempre foram percebidos como meios de estabelecer com o espectador uma comunicação afetiva não verbal” (2002, p. 35).

Ilustração 6 - Experimentando a sonoridade do poema

Fonte: Acervo da autora.

A Educação Infantil é um lugar onde se oportuniza situações desafiadoras, as quais permitam que as crianças possam encontrar respostas para suas indagações, tornando-se pessoas autônomas e críticas. A dança está presente neste lugar, ela traduz movimentos criativos e de livre expressão da criança. Uma das finalidades da dança na instituição é permitir à criança desenvolver em relação ao domínio de seu corpo, assim aprimorará suas possibilidades de movimentação, descobrindo novos espaços.

Na dança41, o corpo é envolvido pela música, pulsando, gesticulando, tornado-se o canto da sua própria materialidade. É na dança que encontramos os movimentos sincronizados, acrobáticos, jogos de corpo, representações dramáticas, além de várias influências culturais. O Brasil apresenta uma dança rica, em razão de sua grande diversidade cultural, devida à miscigenação de seu povo.

Claude Lévi-Strauss em sua obra Tristes trópicos (1996) discorre sobre os indígenas Cadiueu42 do Paraná. Conta que os homens são

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Para Zumthor, é na dança que o ser humano revela o reprimido e faz desabrochar o erotismo latente.

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Aparecem em livros e documentos referindo-se ao grupo no passado, diversas denominações, dentre elas: Caduvei, Caduvéo, Cadiuveos, Cadiuéu, Cadioéos, Cadiuéos, Cadivéns, Kadiueu, Kadiuéo.

escultores e as mulheres são pintoras. Enquanto os homens modelam a madeira dura, as mulheres estão reservadas à decoração da cerâmica e das peles, e às pinturas corporais. Pintam “seu rosto, às vezes também seus corpos inteiros, são cobertos por trançado de arabescos assimétricos que alternam com motivos de sutil geometria” (STRAUSS 1996, p.173). O autor conta que assistiu às diversas danças indígenas: ewoddo, dança da palmeira; paiwé, dança do porco-espinho. Os dançarinos iniciam a dança cobertos de folhas da cabeça aos pés. O momento ritual é preenchido por danças masculinas e femininas, pela música entoada por seus instrumentos típicos, a flauta e o tambor, por brincadeiras e jogos, demonstrando o desempenho físico dos homens. Primeiro os homens dançam sozinhos, depois divididos em duas quadrilhas, ficam frente a frente correndo um até o outro gritando “ho! ho!” e rodopiando até trocarem de posições. Depois vêm as mulheres, intercalando entre os dançarinos, que dançam nus, sacudindo seus chocalhos, enquanto outros cantam. A dança está presente em diversos eventos, como o acasalamento, o funeral, e as várias cerimônias indígenas.

Hoje os Cadiueu se pintam apenas por prazer, perdendo dias na pintura de rosto esquecendo-se muitas vezes da caça, da pesca e de suas famílias. As mulheres fazem contornos delicados e sutis pelo rosto. A arte decorativa dos Cadiueu é produto de uma preocupação estética, de uma “vontade de beleza”. A aplicação dos desenhos é feita nas costas, no peito, nos braços e no rosto. Além do embelezamento, a pintura corporal chegou a servir, em tempos antigos, para marcar a diferença entre os nobres, os guerreiros e os cativos.

O antropólogo Darcy Ribeiro, em seu livro Diários índios, os urubus- Kaapor (1996), retrata a sociedade Kaapor, no seu processo de contato com o homem branco. Em seu diário de campo, escrito em forma de cartas à sua esposa, ele conta sobre a riqueza cultural surpreendente a cada nova descoberta entre os indígenas. Relata os cerimoniais, as cantorias, as danças dos mais velhos movendo o corpo ao ritmo do canto. Apenas os homens dançam, as mulheres e crianças cantam. “Dançam com as mãos enlaçadas, marcando o ritmo com os pés, todos com o corpo inclinado para a frente e para trás, com fortes flexões dos joelhos” (1996, p.132).Para os indigenas, a dança aparece em sua maioria no ritual dos funerais. Uma dança que evoca seus espíritos, na qual o corpo pintado apresenta uma performance.

Pensar na dança implica refletir sobre o campo cultural, mas também estético, técnico, religioso, terapêutico, lúdico e linguístico. O corpo é o suporte de grandes manifestações de expressões do ser

humano, uma estrutura física, possibilitando a comunicação, a imagem, a identidade.

Denise da Costa Siqueira43 destaca que sua pesquisa “buscou entender o corpo e seus movimentos no espetáculo de dança do ponto de vista da comunicação, como canal de uma linguagem contemporânea (...), reflexos conscientes ou inconscientes da sociedade e de seu imaginário” (2006, p. 207).

Quando nos referimos ao corpo e à dança, podemos citar a capoeira, pois o único instrumento capaz de representar a capoeira é o corpo. O corpo está sempre em transformação, em movimento, esquivando, pulando, equilibrando. Na capoeira, o corpo é o instrumento maior para a prática desta mistura de luta/jogo/dança. O corpo pode ser visto como a própria identidade da capoeira, pois rodopiar as pernas, o tempo dos movimentos, as palmas, o som, o equilíbrio e os gestos corporais, caracterizam a expressão corporal.

Letícia Reis44 usa, como base, os movimentos corporais da capoeira para enunciar as regras dessa linguagem, para tentar compreendê-la no bojo do processo de construção da identidade étnica negra45. O jogo acontece em uma roda, onde os capoeiristas podem mostrar toda a sua destreza corporal, ao som dos instrumentos musicais como berimbau, atabaque, agogô, entre outros. Todos os movimentos estão permeados por signos perceptivos e afetivos na roda de capoeira. O jogo de corpo está associado aos sentidos e não somente agregado às representações. O corpo dos capoeiristas é levado pelo ritmo dos instrumentos, deixando-se mover conforme o balanço do próprio corpo, se envolvendo de maneira intensa com a situação do jogo, sendo assim, uma brincadeira espontânea.

A capoeira é jogo, dança e luta, de acordo com o modo que se pratica. É jogo quando os participantes competem na demonstração de agilidade e destreza. É dança quando os capoeiristas se exibem desenvolvendo a sua linguagem gestual ao som de melodias e seguindo o ritmo dos berimbaus, tambores e pandeiros. É

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SIQUEIRA, Denise da Costa Oliveira. Corpo, comunicação e cultura: a dança contemporânea em cena. Campinas: Autores Associados, 2006.

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REIS, Leticia Vidor de Souza. O mundo de pernas para o ar: a capoeira no Brasil. São Paulo: Publisher, 1997.

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Foi no Brasil que os escravos, trazidos à força, mostram os primeiros sinais da capoeira, descobrindo em seus corpos um grande aliado para expressar sua indignação.

luta quando é usada em golpes de ataque e defesa pessoal. Enquanto a capoeira de fundo de quintal e das rodas de rua é mais espontânea e criativa, mais acrobática e exibicionista, a capoeira de academia tende a ser mais técnica, com menos emoção e influência por outras modalidades de luta e artes marciais orientais. (BENJAMIN, 2008, p. 60) Muitas serão as definições de dança, e muitos serão os modos de entender o corpo no contexto. O corpo vem sendo utilizado como base para trabalhos artísticos e ganha atenção na contemporaneidade, ele é o instrumento da dança, da poesia, da música, do teatro e de várias performances.

Para Roselee Goldberg, a performance pode ser solo ou em grupo; com efeitos de luzes, sons ou outros efeitos; em qualquer espaço; não necessita de uma narração; não há um tempo de duração pré determinado. Afirma também que poderia ser “esotérica, instrutiva, provocativa ou ainda, divertida”. A performance é a interação do artista, da obra e do público, na qual se confundem em um só movimento. Assim, artista seria o enunciador; a obra-performance seria o enunciado e o público seria o destinatário. Sempre que algum movimento pareceu encontrar um impasse, os artistas voltaram-se às ações performáticas, como um modo possível de romper com as categorias existentes e apontar novas direções.

Regina Merlim refere-se ao termo performance como genérico quanto às situações nas quais é utilizado: “Na vida, bem como em distintas áreas do conhecimento, a palavra transita em muitos discursos.” (MERLIM, 2008, p.07). Apresenta o corpo como núcleo de expressão e investigação. Para ela, a performance contempla uma série de trabalhos, apresentados na forma de vídeos, instalações, desenhos, filmes etc.

Segundo Zumthor, a entrada dos meios audiovisuais, da televisão ao vídeo, modificou profundamente as condições da performance. Não houve mudança na natureza própria desta, mas mudança na mediação da mensagem e no caráter da presença. Além disso, o vídeo nunca capta a performance tal como apresentada ao vivo. Fica distante da sensação de assisti-la, reportando-se, geralmente, ao que fica gravado, ou seja, um resíduo da performance.

Para ele, performance é um “investimento de energia corporal”, é um veículo de valores próprios, é produtora de emoções e linguagens que envolvem o corpo e a voz do participante. Não importa o texto

transmitido, ele pode ser preparado ou improvisado, individual ou coletivo, com relação ou não a uma escrita anterior, transformando-se em um acontecimento único e incomparável, transmitido por uma voz humana.

Como o faz a voz, o gesto projeta o corpo no espaço da performance, visando a conquistá-lo, a saturá-lo com seu movimento. A palavra pronunciada não existe em um contexto puramente verbal: ela participa necessariamente de um processo geral, operando numa situação existencial que ela altera de alguma forma e cuja tonalidade engaja os corpos dos participantes. (ZUMTHOR. 2005, p. 147).

Parafraseando Renato Cohen, a performance realiza-se, em geral, em locais alternativos como em praças, igrejas, museus, etc, com poucas apresentações e com muito maior espaço para a improvisação. Para ele, performance não é qualquer produção improvisada apresentada eventualmente e em locais alternativos. Esclarece que a exibição de um vídeo que foi pré-gravado não caracteriza uma performance, porém, se este vídeo estiver sendo exibido simultaneamente com alguma atuação ao vivo, isto é considerado performance, significa que o vídeo está contextualizado no acontecimento.

Gesto, roupa, cenário, com a voz se projetam no lugar da performance. Mas os elementos que constituem cada um deles, movimentos corporais, formas, cores, tonalidades, e as palavras da linguagem compõem juntos um código simbólico do espaço, segundo as palavras de Michel de Certeau.