• Nenhum resultado encontrado

Entre o gigantismo social e a fragilidade estratégica: a experiência político organizativa e ideológica da classe trabalhadora como sustentação dos

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

2 A ESTRATÉGIA GOVERNAMENTAL PETISTA SOB LIMITES ESTRUTURAIS

3 GÊNESE E MATERIALIZAÇÃO DO CICLO GOVERNAMENTAL PETISTA: A MARCHA DA CONCILIAÇÃO REPRESENTADA POR LULA E DILMA

3.2 Entre o gigantismo social e a fragilidade estratégica: a experiência político organizativa e ideológica da classe trabalhadora como sustentação dos

governos petistas de conciliação de classes

As transformações que marcaram o final da década de 1960 e toda a década de 1970 foram elementos determinantes para o desenvolvimento de uma rica experiência político-organizativa da classe trabalhadora no Brasil.

O governo ditatorial erguido no Estado brasileiro com o golpe de 1964, depois de um período de alta polarização social, conseguiu imobilizar quase que integralmente o movimento operário, que, nos anos anteriores ao golpe, protagonizou uma fase de intensas mobilizações sociais.

As greves passaram a ser proibidas (permitidas tão somente com anuência do governo, através do Ministério do Trabalho) e consideradas como ameaça à “segurança nacional” – expressão ideológica que apresentava a autoridade militar que governava o país como um árbitro neutro e impessoal, em prol de “interesses nacionais”.

Desde 1937, Getúlio Vargas34 havia inviabilizado o sindicalismo independente por meio de um atrelamento dos sindicatos ao Estado e o regime civil- militar instaurado em 1964, por seu turno, não se preocupou em promover grandes mudanças nessa estrutura sindical oficial. Ao contrário, o governo ditatorial aproveitou a vitória obtida com o golpe para, com medidas restritivas, aprofundar ainda mais o controle sobre as organizações dos trabalhadores.

Essa imposição do Estado por meio dos métodos repressivos que visavam acabar com a “subversão” identificada nos anos anteriores ao golpe dentro do movimento operário, não se relacionava somente com um desejo dos setores reacionários de eliminar as liberdades democráticas, mas também com uma necessidade real de dar garantias ao curso dos planos econômicos desenvolvidos pela ditadura. O objetivo era estabelecer uma ordem social e política que possibilitasse uma acumulação de lucros baseada na superexploração dos trabalhadores, com a garantia de não haver possibilidade de reação da classe operária.

Essa exploração violenta se combinou com um fortalecimento estrutural da classe trabalhadora, que cresceu e se concentrou em grandes multinacionais e nas estatais, como resultado da modernização, da ampliação do parque industrial e de sua concentração em algumas áreas, sobretudo no sudeste do país. A classe trabalhadora, que já havia crescido enormemente desde o início da segunda metade do século XX no Brasil, tornava-se estruturalmente um gigante social.

34 Getúlio Dornelles Vargas, Presidente da República nos períodos de 1930 a 1945 e 1951 a 1954, regulamentou

e oficializou a estrutura sindical no Brasil com o objetivo de atrelar os sindicatos – até então independentes – ao Estado, que passou a ser o responsável pelo reconhecimento e legalização das entidades.

Essas condições produziram uma classe trabalhadora muito numerosa que, apesar do baixo nível cultural, era relativamente mais instruída do que a geração anterior (em função da necessidade de qualificação técnica para operacionalizar as demandas requeridas pela modernização tecnológica e pelo crescimento da indústria), e, ao mesmo tempo, duramente reprimida diante da falta de liberdade e do medo instaurado pelo regime. Essa classe trabalhadora, com um pouco mais de formação e submetida a condições de vida degradantes, sem o direito de sequer se organizar para reivindicar melhorias nas questões imediatas mais básicas, passou a acumular contradições e uma potencialidade no que diz respeito à deflagração de lutas. O elemento móbile que desencadeou esse processo foi exatamente a precipitação dessas tensões sociais, que explodiram com as primeiras greves no final da década de 1970.

No entanto, a explosão dessas contradições só foi possível após um profundo processo de experiência política dessa nova classe trabalhadora que surgia no Brasil. A esquerda brasileira, logo após a vitória do golpe civil-militar, entrou numa crise profunda. Com larga hegemonia e influência sobre os trabalhadores do Brasil naquele período, o PCB viu o seu prestígio se dissipar após os graves erros políticos e estratégicos que facilitaram a conquista, relativamente fácil, dos militares e seus aliados.

A estratégia de colaboração de classes, adotada no período anterior ao golpe, desarmou a classe trabalhadora. Alimentando uma expectativa de que as alianças em torno do “interesse nacional” com setores democrático-radicais da burguesia levariam a reformas no interesse dos trabalhadores, o PCB se adaptou integralmente não só ao governo de turno, mas ao regime republicano, como se não pudesse haver ali nenhum tipo de retrocesso nas liberdades democráticas. Completamente desarmado politicamente, o PCB não foi capaz – na verdade, sequer se arvorou a isso – de organizar uma resistência de massas perante o golpe, deixando o caminho livre para os golpistas.

Essa política desastrosa do PCB imprimiu uma forte cisão no partido e um debate profundo sobre a política de conciliação de classes. Com a desmoralização dos defensores do aliancismo de classe, o PCB se dividiu em várias correntes/organizações que passaram, majoritariamente, a defender uma estratégia de guerrilha urbana que foi fragorosamente sufocada e derrotada pelo regime civil-

toda sua influência e se impõe uma dispersão, conforme atesta Carone (1984, p. 20, comentário nosso):

... o PCB passara por graves vicissitudes depois de 1964: 1.º) as cisões que surgem depois do golpe o enfraquece; 2.º) esses grupos [surgidos das divisões internas do partido] o acusam de ser “revisionista” e “conciliador”; 3.º) a partir de 1969 a perseguição policial-militar se intensifica, com mortes e prisões de grande número de seus militantes, o que obriga parte do Comitê Central a começar a se refugiar no estrangeiro a partir de 1971. Por essas razões, o papel do Partido Comunista se obscurece neste momento, o que leva muitos a procurarem novas opções ideológicas para a situação brasileira.

Com a eliminação dessas organizações foquistas, além do intenso debate que se estabeleceu na esquerda sobre a conciliação de classes, abriu-se também um enorme vazio político-organizativo, resultante tanto do fracasso da estratégia de guerrilha, como da adaptação da então direção política dos trabalhadores ao regime e ao Estado burguês.

Além do processo de modernização e industrialização que marcou o “milagre econômico” ter produzido uma nova classe trabalhadora sem a experiência organizativa do período pré-1964, o que restou dos trabalhadores que viveram a fase de lutas mais acirradas anterior ao golpe civil-militar já não possuía referências políticas e sindicais na antiga direção e em sua estratégia derrotada de conciliação de classes. A desmoralização dessa política de colaboração e a eliminação dos antigos dirigentes que apostaram na luta foquista (praticamente todos foram mortos ou exilados), por sua vez, também eliminaram qualquer legado ou trabalho político mais estruturado dessas velhas direções.

Toda essa ausência de organização política dos trabalhadores se combinou com o crescimento da classe operária e com a forte opressão imposta pelas condições de trabalho num regime em que a ditadura, por um lado, aniquilou as antigas direções sindicais e, por outro, realizou intervenções nos sindicatos para lá colocar lideranças totalmente cooptadas e atreladas aos interesses do governo civil-militar. Esse papel delegado aos sindicatos pelo regime, as imposições da ditadura e as condições inaceitáveis de trabalho foram acumulando uma insatisfação inicialmente silenciosa, mas que posteriormente se transformou em um barril de pólvora prestes a explodir.

Enquanto o “milagre econômico” conseguiu manter uma estabilidade econômica e um poder aquisitivo mínimo para os assalariados, o regime militar

parecia inabalável. A taxa de crescimento das grandes empresas em função dos benefícios estatais e pelo elevado grau de exploração sobre os trabalhadores atraiu investimentos estrangeiros e aqueceu a economia, produzindo uma sensação de melhora das condições de vida em um setor importante da classe trabalhadora.

No entanto, a partir da crise internacional do petróleo, em meados da década de 1970, uma forte recessão se instalou na economia mundial, principalmente nos países centrais do capitalismo, obrigando as multinacionais a retrair seus investimentos, o que afetou o fluxo de capitais no Brasil. Com a queda nos investimentos, a produção é afetada e a balança comercial do país entra em desequilíbrio, provocando uma alta inflacionária que leva a economia à recessão.

A elite brasileira, totalmente dependente da burguesia internacional, viu seus lucros caírem vertiginosamente em função do déficit causado pela elevação do custo geral das importações. O “milagre econômico” vivia seus últimos momentos, generalizando a insatisfação do povo.

Percebendo a crescente insatisfação, em 1974 o governo de Ernesto Geisel (1974-1979) inicia uma política de flexibilização do regime, de relaxamento das restrições democráticas, na perspectiva de manter o controle político da situação do país (mais polarizada) e, com isso, prevenir qualquer possibilidade de ascenso popular contra a ditadura.

Contudo, a piora nas condições de vida acumulada por anos sob um ritmo de trabalho exigido pelo novo padrão de intensificação da exploração, combinou-se com o arrocho salarial imposto aos trabalhadores na década anterior e produziu uma retomada das mobilizações sociais, que teve seu apogeu a partir da onda grevista que se iniciou com a paralisação da Scania em 1978, na região do ABCD paulista. Na ocasião, o governo ditatorial já havia sinalizado um relaxamento no regime, no entanto, não adiantou destampar a panela de pressão somente quando ela estava prestes a explodir:

A paralisação da Scania [...] gerou uma reação em cadeia, que fez pipocarem greves por todo o ABCD. A onda depois se alastrou para São Paulo e Osasco, outro grande município da Grande São Paulo. Por fim, mobilizou metalúrgicos em todo o estado de São Paulo, tendo atingido, no conjunto, 150 mil trabalhadores (SINGER, 2001, p. 16-17).

No ano seguinte, em 1979, a onda de greves continuava. E, diferentemente de 1978, as greves não tinham mais um caráter de “greves por

empresa”, pois passaram a ser construídas por ramo de atividade. Isso radicalizou um ascenso operário que se deu inicialmente de forma espontânea, mas que foi aprofundando o grau de organização de uma classe trabalhadora jovem, inexperiente na luta de classes e que, apesar da “imaturidade”, trazia consigo uma ausência de referência nas antigas direções que fez com que surgisse uma nova vanguarda poderosa, sem os “vícios” da conciliação. Ao contrário, todo o acúmulo da insatisfação social – potencializada pela motivação comum das reivindicações salariais, pelas péssimas condições de trabalho e pela existência de um regime totalitário – gerou um fenômeno poderoso de identificação política do conjunto dos trabalhadores.

A nova e poderosa vanguarda surgida das lutas (referenciada nas novas direções sindicais, oposições e no ativismo mais destacado do “chão de fábrica”) aparece, portanto, com uma cara e conteúdo distintos do sindicalismo do passado. Era o Novo sindicalismo, produto genuíno de um rico processo de reorganização que se apresentou como um movimento claramente posicionado contra os patrões e o “velho sindicalismo” de conciliação de classes, atrelado ao Estado. A partir desse movimento, num lapso de tempo muito curto, o patamar de organização da classe trabalhadora brasileira dá um salto de qualidade: sai de um estado de fragmentação, desorganização e desconfiança nas antigas direções e em suas próprias forças, para dar impulso a um movimento de grande vitalidade.

Entretanto, a enorme demonstração do potencial transformador da classe trabalhadora unida em luta, mesmo no seu ascenso mais espetacular, continha contradições. Era nítido que as greves do final dos anos 1970 revelavam não só a força objetiva do proletariado, mas também um avanço na sua consciência e nos seus níveis de organização.

Foi esse processo que desencadeou uma experiência que introduziu no seio da classe o classismo e que produziu as condições para a formação de uma nova direção para os trabalhadores, no marco da experiência com as antigas lideranças; seja pela ruptura com a estratégia de conciliação de classes, seja pela rejeição das ações foquistas, derrotadas e sem vinculação com o movimento de massas. Não obstante, esse novo salto ideológico e organizativo ficou restrito a reivindicações parciais. Os feitos da classe trabalhadora, na ação, eram impressionantes. Mas suas reivindicações estancavam num patamar mínimo e esta limitação estratégica foi, desde o princípio, alimentada pelo setor social que viria a

se constituir posteriormente como a direção do PT, cuja proposta inicial visava conformar um mecanismo de luta política para auxiliar a conquista de reivindicações econômicas:

A greve de 1978, de 1979 e de 1980 é sinal da pujança deste proletariado, recém-formado pelo processo de industrialização por que passa o país a partir da política desenvolvimentista de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e pós-1964. Só que esta nova geração de trabalhadores

defende uma posição sindicalista, semelhante à dos grandes sindicatos

americanos. [...] Com o novo movimento, o direito de organização sindical

aparece como um processo dissociado do conjunto das lutas sociais e

das reivindicações da classe operária. Exemplo típico é a de um Luiz Ignácio da Silva (Lula) que, depois de muitos anos de luta “descobre” a necessidade de se formar um partido para o proletariado; e mais ainda, a

sua afirmação de que são as circunstâncias do momento que definem a linha a ser adotada, mostra o sentido pragmatista e antiideológico que defende, mesmo que aceitemos o pressuposto de que o pragmatismo é uma posição ideológica (CARONE, 1984, p. 23, grifos

nossos).

É evidente que, no curso desses acontecimentos, não demorou para que os trabalhadores percebessem que a conquista das suas reivindicações imediatas necessitava também de iniciativas que se enfrentassem com a realidade política brasileira. Para que as greves fossem vitoriosas, era necessário ganhar o conjunto dos setores explorados da população e se enfrentar com as restrições do regime. Numa situação em que as greves ainda eram encaradas como “subversão”, estava nítido que todo movimento que tomasse grandes proporções e estabelecesse no horizonte alguma possibilidade de vitória teria que se transformar em luta política contra o poder instituído.

A partir de então, a vanguarda do novo sindicalismo foi percebendo que o instrumento dos sindicatos não conseguia dar conta dessa luta política por si mesmo, pois era necessário organizar toda a classe trabalhadora, independente das suas aspirações corporativas, ao redor de interesses políticos que extrapolavam as demandas de cada categoria em específico. Era preciso, portanto, um partido que reunisse os trabalhadores para lutar por suas demandas imediatas e também por transformações sociais que pudessem atender seus interesses. Isso se combinava com o momento em que se introduzia – em função da reabertura política gradual iniciada pelo Governo Geisel – um debate público sobre a formação de novos

partidos35. A discussão sobre um “partido de trabalhadores” foi, portanto, inevitável e assim surgiu o PT. No entanto, apesar desse processo profundamente progressivo, que animou o aparecimento de grupos políticos de diferentes matizes ideológicas (inclusive os da tradição marxista, que viram ali uma possibilidade da construção, por meio das mais variadas táticas, de uma direção revolucionária), mesmo promovendo importantes disputas internas o PT só conseguiu ir até o patamar de oposição ao regime civil-militar. Evidentemente, não foi um processo sem disputas, porém, esse foi o limite político petista e isso se impôs sobre a consciência coletiva da classe trabalhadora brasileira pelo papel de sua direção, como se verá adiante.

No início da década de 1980 – com a continuidade dos processos grevistas, a consolidação e o vigoroso desenvolvimento de uma proposta ousada de nova organização sindical (a CUT), além da crescente desmoralização do regime militar, que, pressionado pelo ascenso, já preparava a transição democrática –, a situação política no país claramente se polarizava.

A força do movimento grevista, a conquista de vários sindicatos importantes pelas oposições e a criação da CUT (que já nasceu com uma proposta de preparação de uma greve geral) colocou o regime nas cordas. No “ano de 1983,

o número de greves saltou para 393, com um total de grevistas de 874.626, quase o dobro do ano anterior. Em 84, subiria mais ainda, para 618 greves e 1.323.000 grevistas” (WELMOWICKI, 2004, p. 68). A crise da ditadura se aprofundava com

movimento operário em cena e, com a maioria da população repudiando o regime, começam a surgir manifestações explosivas reivindicando liberdades democráticas.

Essas mobilizações dão origem à campanha das Diretas Já, o que ajuda o PT a exercer um papel destacado nas mobilizações. As Diretas Já se transformaram, então, numa oportunidade de aliar a luta institucional (por novas eleições) com a ação direta, a mobilização. Essa situação, mais uma vez, empurra o PT de conjunto – e inclusive os seus setores mais conservadores – a assumir posturas classistas, independentes, sintonizadas com o movimento de massas e inclusive referenciadas na ideia de socialismo.

Todavia, a direção do PT (com influência determinante de Lula, que conquistou durante todo esse período o status de direção incontestável da classe

35 Pouco mais de um ano após o golpe militar, em 20 de novembro de 1965, o então presidente Marechal

Castelo Branco instituiu o bipartidarismo no Brasil, com o Ato Complementar nº. 4. A partir daí só foram permitidas as legalizações de dois partidos: a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

trabalhadora) alimentou desde a fundação do partido a ideia de que não era necessário (pior, era condenável) definir uma direção teórico-ideológica para o conjunto da organização, pois isso deveria ser “definido pelo próprio povo”.

Esta não é uma polêmica nova, nem tampouco exclusiva do PT. Já em 1902, Lenin polemizou duramente com os chamados “economistas” do Partido Operário Social Democrata Russo que, do mesmo modo que a ala majoritária do PT, defendiam que os trabalhadores, espontaneamente, seriam capazes de adquirir uma consciência socialista:

... Houve greves na Rússia, nas décadas de 1860 e 1870 (e até mesmo na primeira metade do século 19), que foram acompanhadas da destruição de máquinas etc. Se comparadas a esses “motins”, as greves da década de 1890 poderiam até ser chamadas de “conscientes”, tal foi o progresso do movimento operário naquele período. Isso nos mostra que, no fundo, o

“elemento espontâneo” não é mais do que a forma embrionária do consciente. [...] Os operários deixavam a crença tradicional na

perpetuidade do regime que os oprimia; começavam... não diria a compreender, mas sentir a necessidade de uma resistência mais coletiva e rompiam deliberadamente com a submissão servil às autoridades. No entanto, tratava-se mais de uma manifestação de desespero do que uma

luta. [...] Quer dizer: não tinham consciência social-democrata [socialista].

Nesse sentido, as greves dos anos de 1890, apesar do imenso progresso que representavam em relação aos “motins”, continuavam a ser um movimento essencialmente espontâneo.

Já afirmamos que os operários nem sequer podiam ter consciência social- democrata. Esta só podia ser introduzida de fora. A história de todos os países comprova que a classe operária, valendo-se exclusivamente de

suas próprias forças, só é capaz de elaborar uma consciência trade- unionista, ou seja, uma convicção de que é preciso reunir-se em sindicatos, lutar contra os patrões, cobrar do governo a promulgação de umas e outras leis necessárias aos operários etc. Já a doutrina do

socialismo nasceu de teorias filosóficas, históricas e econômicas formuladas por representantes instruídos [...], por intelectuais (LENIN, 2010, p. 88-89, grifos e comentários nossos).

Parece evidente que uma massa de trabalhadores não pode, espontaneamente e por si só, adquirir uma consciência política de tal nível, a ponto de compreender a necessidade da derrubada do capitalismo como condição para o atendimento das suas aspirações. Isso porque a rotina fetichizada dos trabalhadores no capitalismo não possibilita a compreensão espontânea acerca do conjunto das relações estabelecidas em toda a sociedade. A relação da troca assalariada oculta a apropriação da atividade e do resultado do trabalho, de modo que o trabalhador apenas sente a exploração e quando vai à luta espontaneamente (em função de um acúmulo de contradições próprias do capitalismo), apenas busca enxergar alguma

maneira de por fim à situação à qual está submetido; sem, no entanto, romper com o horizonte do trabalho assalariado e da propriedade privada, fundamentalmente porque não conhece o macrofuncionamento social do capitalismo, não foi instruído para esse fim e nem realizou (enquanto classe) um conjunto de experiências que estabeleça a luta pela derrubada do sistema como uma inevitabilidade para acabar com a exploração que invariavelmente sofre. Não é por acaso que Marx e Engels afirmavam que

Os comunistas, portanto, são, de um lado, de forma prática, o setor mais

avançado e resoluto dos partidos operários de cada país, o setor que empurra para frente todos os outros. De outro lado, de forma teórica, eles

têm sobre a grande massa do proletariado a vantagem de entender