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Ofensiva neoliberal e o saldo político petista do ascenso nos anos 1980: as bases sócio-históricas para um governo burguês híbrido preventivo

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

2 A ESTRATÉGIA GOVERNAMENTAL PETISTA SOB LIMITES ESTRUTURAIS

3 GÊNESE E MATERIALIZAÇÃO DO CICLO GOVERNAMENTAL PETISTA: A MARCHA DA CONCILIAÇÃO REPRESENTADA POR LULA E DILMA

3.1 Ofensiva neoliberal e o saldo político petista do ascenso nos anos 1980: as bases sócio-históricas para um governo burguês híbrido preventivo

O PT saiu das eleições de 1989 com um importante acúmulo político, como o partido-referência de oposição ao governo recém-eleito e de um potencial organizativo dos trabalhadores reconhecido, com capacidade real de mobilização de massas e uma influência eleitoral significativa. Entretanto, a situação objetiva já não se mostrava tão favorável como na década anterior, marcada por grandes lutas e mobilizações, cujo resultado não apenas arrancou conquistas importantes (redemocratização do país, a consagração legal de direitos históricos na Constituição de 1988, dentre outras), como foi também o terreno da consolidação do saldo político-organizativo em torno do PT.

Internacionalmente, o neoliberalismo, que se radicalizou nos países mais centrais do capitalismo quando da crise econômica aberta nos anos 1970, aterrissou no Brasil no início da década de 1990. Enquanto no plano internacional se consolidava a dominação neoliberal com a queda dos estados operários burocratizados do leste europeu – que selou a restauração capitalista incorporando praticamente um terço da classe trabalhadora mundial ao circuito da mundialização mercantil e varreu o mundo com a propaganda anticomunista de “vitória final do capitalismo” –, a desigualdade historicamente combinada do avanço neoliberal

brasileiro inaugurava uma nova situação a partir do fechamento do ciclo anterior de ofensiva das lutas dos trabalhadores, no quadro do rearranjo frente à derrubada da ditadura civil-militar24 em que a classe dominante conseguiu manobrar pelo alto a reabertura democrática, minimizando o impacto das conquistas e ainda consagrando a vitória eleitoral de Collor.

Entretanto, o Governo Collor25, marcado desde o início pela implementação de um plano para por um freio na disparada inflacionária (Plano Collor), viu sua popularidade despencar em poucos meses de gestão. O Plano Collor teve uma boa aceitação de início, mas, o congelamento dos salários e o aumento geral dos preços (gás, energia elétrica, serviços postais, dentre outros) rapidamente produziram uma grande insatisfação.

A política de abertura do mercado brasileiro às importações e o início de um programa nacional de desestatização foram apresentados como uma saída para atrair os investimentos e impulsionar a economia, no entanto, o que ocorreu foi o inverso. O país se enredou em uma profunda recessão ainda em 1990 e quase um milhão de postos de trabalho foram fechados. A inflação voltou a bater a casa de mais de 1000% ao ano e, como se não bastasse, em meados de 1991 começam a surgir denúncias de irregularidades do governo na imprensa, envolvendo diretamente Collor e seu ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias.

Apesar de uma diminuição da intensidade das lutas, a indignação com o governo era quase unânime, até que, em maio de 1992, o irmão do presidente, Pedro Collor de Mello, apresenta à imprensa documentos que davam fortes indícios de corrupção no Governo Collor. O escândalo toma as manchetes do país. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é aberta para investigar o caso e inúmeras entidades (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Ordem dos Advogados do Brasil, União Nacional dos Estudantes, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, dentre outras) criam o Movimento pela Ética na Política, que

24 A ditadura civil-militar no Brasil foi um regime instaurado a partir de 1 de abril de 1964, sob o comando de

forças militares e com o apoio direto dos países imperialistas e de amplas camadas do empresariado. Teve início com um golpe militar que derrubou o governo eleito de João Goulart e terminou quando José Sarney assumiu a Presidência da República, em 15 de março de 1985.

25 O Governo Collor corresponde ao período da história recente da República brasileira (pós-redemocratização)

iniciado com a posse de Fernando Collor de Mello como presidente do Brasil, em 15 de março de 1990, após sua vitória sobre Lula nas eleições de 1989. O Governo Collor foi encerrado em 29 de dezembro de 1992 em função de sua renúncia, após ter sido afastado em 2 de outubro do mesmo ano como consequência da instauração de um processo de impeachment que apurou inúmeras denúncias de corrupção e, posteriormente, cassou seu

impulsionou inúmeras mobilizações cujo protagonismo foi assumido pelo movimento estudantil.

As manifestações contra Collor cresciam, e, com a proximidade da votação do relatório final da CPI no dia 25 de agosto, eclodem mobilizações de massas pela derrubada do governo. A Polícia Militar estimou em “200 mil

manifestantes e a organização, em 500 mil” (CENTENAS, 1992) pessoas no Vale do

Anhangabaú, em São Paulo. Também ocorreram manifestações em outras dezenas de cidades do país.

Com as massas nas ruas e um protagonismo de uma juventude estudantil, o Fora Collor coloca o governo contra a parede. As denúncias de corrupção política, feitas pelo irmão do presidente, envolvendo o ex-tesoureiro de campanha de Collor começaram a ser utilizadas amplamente pela imprensa – que também foi pressionada pela força dos milhares nas ruas. Era visível que o governo não mais se sustentava e a burguesia iniciou uma operação para remover Collor sem romper com a institucionalidade, fazendo uma transição democrática pelo alto que acalmasse o movimento de massas, evitando sua evolução.

Este movimento culminou com um processo de impugnação do mandato (impeachment) de Collor através de votação no Parlamento, que conduziria Itamar Franco (o vice de Collor) a assumir a Presidência da República. Antes do processo ser votado, em 29 de dezembro de 1992, Collor renuncia para evitar o impeachment e Itamar assume. Mas, mesmo assim, o Senado decide continuar o processo no dia posterior, numa clara tentativa de moralizar a imagem do parlamento.

Importante destacar que o PT capitalizou muito pouco o processo de luta contra Collor, considerando que era a organização política de oposição ao governo mais consolidada e ainda gozando da influência na classe trabalhadora conquistada no ascenso da década anterior. Isso ocorreu porque a própria definição do PT, diante do desgaste gigantesco de Collor, não foi por impulsionar ações que viessem a derrubar o governo pela força da mobilização, mas por seguir na oposição institucional para se referendar como alternativa eleitoral, em um pleito antecipado. É o que atesta uma das resoluções do seu I Congresso Nacional, realizado de 27 de novembro a 1º de dezembro de 1991:

Repudiamos, igualmente, qualquer casuísmo ou iniciativa de características golpistas para resolver a crise. A proposta do PT adquire

popular e pressupõe uma nova representação congressual, com

eleições antecipadas, assegurando que o novo regime político de governo

seja, de fato, representativo de uma nova conjuntura e de um real avanço na situação social do País.

[...] Caso, porém, se caracterize jurídica e politicamente crime de

responsabilidade do presidente Collor, o PT não hesitará em recorrer ao impeachment, em defesa da democracia (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO,

1991, grifos nossos).

A afirmação de que não prescindiria do impeachment apenas caso se

confirmasse os crimes de responsabilidade de Collor deixava claro que a única

possibilidade do PT admitir a derrubada do governo era por meio dos trâmites legais e somente se casos de corrupção se confirmassem. Não por acaso, não houve qualquer tentativa do partido em animar mobilizações, até o momento em que as grandes manifestações da juventude pelo Fora Collor eclodiram e o PT, atrasado, seria obrigado a participar, como confirma Arcary:

... depois das eleições para os governos estaduais de 1990, sob a pressão da nova situação internacional aberta pela queda do muro de Berlim, o compromisso da direção do PT com a constitucionalidade levou o partido à hesitação face ao Governo Collor. Por isso, recusou-se a tomar a iniciativa para começar uma campanha pelo Fora Collor em 1991, quando do 1º Congresso, mas depois que a campanha ganhou sustentação de massas nas ruas em agosto de 1992, apesar do PT, a apoiou; (ARCARY, 2011, p. 70).

Esse fato produziu uma situação até ali inusitada, desde o surgimento do PT. Pela primeira vez, desde sua consolidação como direção política da classe trabalhadora brasileira, a principal mobilização nacional não foi impulsionada e nem dirigida pelo partido. O PT, de algum modo, se fortalece com o processo de impeachment de Collor no marco do enfraquecimento de seu antagonista; no entanto, ao não ter sido a direção do movimento e ao ter, inclusive, cogitado participar de um futuro governo de coalizão que viesse a substituir Collor26, a reação democrática que conduziu Itamar Franco ao governo operou com muito mais força e conferiu ao novo governo certa estabilidade.

Essa interpretação, porém, não se fez presente nas análises do PT à época. Conforme assegura Singer (2001, p. 64):

26 Essa discussão está retratada nas resoluções das reuniões extraordinárias da Comissão Executiva Nacional

do PT, realizadas entre os dias 01 e 03 de agosto de 1992, quando membros da comissão defenderam “participar de um governo [de coalizão] que inclua a Esquerda, a Centro-esquerda e até a Centro-direita”

O impeachment de Fernando Collor, em setembro de 1992, parecia prenunciar o melhor dos mundos para o PT na eleição presidencial de 1994. O partido, embalado pelas pesquisas que apontavam Lula com mais de 40% das intenções de voto”, quando o segundo colocado recebia menos de 20%, preparou-se para ocupar o Executivo federal.

A classe dominante brasileira consegue, por fim, dar uma saída momentânea para a profunda crise política de governo pela qual o país atravessava. Com a confirmação do impeachment e a chegada de Itamar à Presidência da República, apesar da vacilação inicial da direção petista – que dialogava com o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e cogitava a possibilidade de não se opor ao novo governo –, o PT acaba assumindo seu papel de oposição e, em parte, capitalizando eleitoralmente uma parcela da insatisfação popular. Contudo, a confiança no Executivo abalada e as massivas mobilizações populares que deram base à queda de Collor não eram explicadas apenas pela corrupção, mas também pelos efeitos da escalada inflacionária violenta no país (com taxas que variavam entre 30% e 40% ao mês). Frente o sucesso momentâneo do então Ministro da Fazenda de Itamar – Fernando Henrique Cardoso (FHC) – em estabilizar a inflação, o fortalecimento político do PT desacelera.

Ao assumir o Ministério da Fazenda em maio de 1993, FHC e sua equipe implantaram o Plano Real, um plano de estabilização da economia que, dentre outras coisas, estabelecia a abertura econômica para facilitar uma maior oferta de produtos (e assim baixar os preços), a desindexação da economia27, a valorização do câmbio28 e o aumento da taxa de juros.

27 Após anos de inflação recorrente, os agentes econômicos passaram a vincular os preços aos índices de

inflação. Assim, os preços iam aumentando conforme o índice da inflação, com repercussão na moeda, que também precisava ser constantemente “valorizada” para que o poder aquisitivo da população não caísse bruscamente. A principal ação da desindexação promovida por FHC no Governo Itamar foi a adoção da URV (Unidade Real de Valor), que era definida diariamente através de um cálculo, usando como base uma média diária de inflação envolvendo uma cesta de índices inflacionários cuja conversão era obrigatória. Desse modo, os preços deixaram de ser corrigidos automaticamente pela inflação e, em poucos meses após a implantação da URV (que entrou em uso em 1 de março de 1994), a nova moeda (Real) entra em circulação e os índices inflacionários caem “de 47,43% [...] para 6,84% ao mês” (MARÇAL, 2014).

28 Para equilibrar o funcionamento dos mecanismos de troca na economia, os governos em geral adotam uma

política de alterações das taxas de câmbio (preço das moedas estrangeiras medido em moeda nacional). Quando ocorre depreciação cambial, a moeda nacional se torna mais barata na relação com a moeda estrangeira, produzindo um efeito positivo para as exportações. Já a valorização (ou apreciação) cambial encarece a moeda nacional e isto torna as exportações mais dispendiosas. Ao assumir o Ministério da Fazenda, FHC trabalha com a valorização da moeda nacional para aumentar o fluxo de importações e permitir a entrada de produtos estrangeiros que, frente à elevada inflação nacional, se tornam muito competitivos e forçam uma queda dos preços. Posteriormente, esta medida provocaria um efeito de redução do volume de vendas das empresas nacionais, diminuindo a arrecadação via impostos, aumentando o desemprego e aprofundando uma dependência estrutural do mercado externo.

Embora a política de FHC no ministério seja marcada também por uma forte contenção de despesas públicas (o que pavimentou o terreno para as privatizações e os planos de demissão dos trabalhadores nas estatais mais adiante), o Plano Real conseguiu, nos poucos meses que antecederam das eleições, reduzir e estabilizar a inflação (seu objetivo principal), gerando uma sensação de alívio para o povo. O êxito inicial do plano tornou FHC o homem mais poderoso do governo Itamar, além de candidato natural à sua sucessão.

Em 03 de outubro de 1994, contrariando as aspirações do PT, FHC se elege Presidente da República em primeiro turno, com 54,28% dos votos. Candidato pelo PT, Lula foi derrotado obtendo pouco mais de 27% dos votos. A diminuição dos votos não poderia ser um fator exclusivo que explicasse um declínio da influência petista, todavia, era um dado a ser analisado. O fato de que com a década de 1990 se abre uma nova situação de ofensiva da burguesia – no marco dos acontecimentos internacionais com a restauração capitalista no leste europeu e com a chegada do neoliberalismo no país ainda durante o governo de Collor –, combinando-se com o refluxo das lutas, um giro pragmático de adaptação à institucionalidade por parte do PT e uma estabilização econômica praticamente imediata com a implantação do plano Real, que momentaneamente impactou num aumento da capacidade de consumo da população; percebe-se que a possibilidade de um governo petista, como resultado de uma vitória institucional, deixa de estar posta como esteve em 1989.

A construção de uma relação de identidade entre o Plano Real e FHC como iniciativa política consciente do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) e seu arco de alianças, além de uma campanha eleitoral milionária, populista e muito bem produzida29 em 1994, não apenas afetou o desempenho eleitoral do PT como, momentaneamente, reatou os laços de confiança entre a

29 Em maio de 1994, pesquisas de intenção de voto indicavam que Lula era o preferido do eleitorado nacional,

com “42% [de intenções] contra 16%” (JOSÉ, 2013, comentário nosso) de FHC. Em julho, a nova moeda (Real), que vinha a substituir o indexador transicional da Unidade Real de Valor (URV), é lançada de forma providencial às vésperas da campanha. Com a imediata estabilização dos preços, o Real torna-se mote da campanha de FHC, que em pouco tempo assume a dianteira nas pesquisas. Um mês depois, o cenário se inverte: FHC em agosto “tem 41% [das intenções de voto] e Lula, 24%” (PESQUISA, 1994, comentário nosso). Pesquisas também revelaram que, entre os eleitores de Lula, “a aprovação do plano atinge 67%” (APROVAÇÃO, 1994). Mesmo após alguns escândalos de corrupção envolvendo nomes do ministério de Itamar Franco, a campanha de FHC explode de forma gigantesca, assumindo caráter populista e midiático. Contra a tentativa de apelo à mudança vinculada à imagem do PT e contrapondo o mote “Lula Lá”, a campanha de FHC utiliza, por exemplo, imagens comemorando o “primeiro aniversário” de itens da cesta básica cujo preço não mudou após um mês da nova moeda, e o jingle cinematográfico “Levanta a mão” (ver https://www.youtube.com/watch?v=R4k-u8GbmUk), que

ordem vigente representada pela continuidade de Itamar, a maior parte da classe média e setores importantes da classe trabalhadora30. A avaliação do próprio PT desse processo em seu X Encontro Nacional (1995) atesta que, para além da questão dos votos, houve uma vitória do campo genuíno neoliberal no terreno ideológico, vinculada aos efeitos anti-inflacionários do Real:

... A vitória de Fernando Henrique Cardoso, no primeiro turno das

eleições de 1994, constituiu-se em um duro golpe para o Partido dos Trabalhadores, para as esquerdas e para as forças populares no Brasil.

[...]

[...] A avaliação dos resultados das eleições deve ser feita no marco mais geral de uma análise profunda de suas causas, que seja capaz de determinar o peso de fatores conjunturais, as responsabilidades da

Direção Nacional, em particular da Coordenação da Campanha, mas

também os fatores estruturais que existiam há muito tempo, bem antes das eleições. [...]

[...]

[...] A despeito dos avanços de nosso Programa de Governo, que buscou construir uma alternativa ao neoliberalismo e ao nacional- desenvolvimentismo, não tivemos condições de levar nosso programa

às grandes massas e perdemos a batalha no campo das idéias. Esta

derrota viu-se fortalecida pelo peso que passou a ter o plano antiinflação, cuja eficácia subestimamos, ainda que pouco pudéssemos fazer em direção contrária (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1995, grifos nossos).

De fato, a eficácia do Plano Real era muito significativa. Contudo, logo após assumir o mandato de Presidente da República, FHC demonstraria que o Plano Real não era uma ideia que visava avançar num conjunto de medidas para melhorar as condições de vida da classe trabalhadora e da maioria da população, mas, na verdade, o controle inflacionário era a medida fiscal necessária para estabilizar politicamente o país e, desse modo, conquistar autoridade para a implementação dos planos neoliberais no Brasil, conforme a orientação de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI). FHC, sendo responsável pela implantação do Real, era o agente político dessa missão.

FHC liderou, poucos meses após a sua posse, um processo de desmonte do Estado, de superendividamento como forma de atração de investimentos, arrocho salarial e ataque aos direitos trabalhistas, revelando a natureza do seu governo. Conforme Iamamoto (In: BOSCHETTI et al., 2008, p. 36), a política econômica do

30 Conforme levantamento feito pelo estrato de renda por Lavareda (2009), 55% dos eleitores que ganhavam até

2 salários mínimos e de 2 a 5 salários mínimos votaram em FHC nas eleições de 1994. Entre os que ganhavam de 5 a 10 salários mínimos, o percentual foi de 53%. Evidentemente, este não é o critério definidor de classe, sob uma perspectiva marxista. Entretanto, trata-se de um balizador importante.

Governo FHC “conseguiu reduzir as taxas da inflação, mas não resultou em políticas

distributivas. Assim, transitou: ‘da pobreza da inflação’ à ‘inflação da pobreza’, do ‘fim da inflação da moeda’ à retomada da ‘inflação da dívida’ e dilapidou o patrimônio público [...]”.

Houve, naquele momento, tentativas de resistência por parte dos movimentos sociais organizados, em especial os sindicatos (cujo peso do PT era majoritário). Mas, apesar disso, o refluxo nas lutas se confirmava. Ao anunciar a intenção de quebra do monopólio das telecomunicações da Telebrás e da exploração e produção do petróleo da Petrobrás (ambas as empresas então estatais), FHC enfrentou sua primeira resistência por parte dos movimentos. Para se contrapor a essas medidas, “as categorias do setor público decidiram realizar uma

greve unificada. No dia 03 de maio de 1995, os petroleiros aderiram em massa ao movimento, somando-se aos eletricitários, telefônicos, trabalhadores dos Correios e servidores federais” (CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 2010).

Mas, a unificação do movimento não seguiu e as categorias foram saindo da greve, permanecendo apenas os petroleiros paralisados. Com o enfraquecimento da resistência, a reação do governo FHC foi brutal. Além de judicializar a greve, o governo chegou a utilizar tanques do Exército para impedir as paralisações. Com a continuidade da resistência, os sindicatos “tiveram suas contas bloqueadas, o

repasse das mensalidades retido e os bens penhorados” (Idem, ibidem). A greve, ao

final, foi derrotada, restando às organizações dos trabalhadores a luta defensiva pela revogação das multas e a anistia dos demitidos (reivindicações estas que, anos depois, foram conquistadas).

Mesmo com tamanha truculência, a popularidade de FHC ainda permanecia intocada. O avanço das medidas neoliberais e a criminalização das lutas e da resistência terminaram inaugurando um período de queda nas mobilizações, justamente em função do medo da repressão diante de um governo fortalecido.

Contraditoriamente, mesmo com a força do governo FHC, o PT consegue importantes avanços nas eleições municipais de 1996. Apesar das perdas das prefeituras em Belo Horizonte, Goiânia, Rio Branco, Santos e Diadema, “com a

maior influência no interior, o número de prefeituras governadas pelo PT crescerá em 100% no pleito de 1996, indo para 115 dentre os 5.378 municípios” (SINGER,

Não obstante, apesar do aprofundamento das duras medidas neoliberais – como a venda da mineradora estatal Vale do Rio Doce e a quebra do monopólio estatal das telecomunicações e do petróleo – a popularidade de FHC ainda era muito alta, devido à continuidade da estabilização da inflação com o Plano Real. Este apoio da população possibilitou, inclusive, a aprovação da emenda constitucional que permitiu FHC se candidatar à presidência por mais uma vez.

Numa conjuntura de refluxo e com o governo fortalecido, a eleição de 1998 foi praticamente uma reedição de 1994, com a exceção de que, desde o início da campanha, FHC já era tido pelas pesquisas como favorito. Ao final, a candidatura