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3.4 O Modelo da fonologia autossegmental

3.4.1 As Vogais altas e os glides no português brasileiro

3.4.1.1 Os Glides pré-vocálicos

De acordo com o modelo autossegmental, os glides pré-vocálicos podem ter três representações: em onset ramificado (58 a), em consoante complexa (58 b) e em ditongo leve (58 c). (58) (a) O R (b) O R (c) O R N N N x x x x x x x x p  a d a p  a d a p  a d a a r d  a a r d  a a r d  a

O diagrama (58 a) demonstra os glides em onset27 ramificado. Se esta análise tiver validade, a seqüência consoante-glide em onset ramificado terá o mesmo comportamento que outra palavra com o onset ramificado. Tomemos como exemplo “prato”, que tem como onset ramificado, uma consoante oclusiva e uma líquida. Se a palavra “piada” também possui um onset ramificado (composto de uma oclusiva e um glide), esta estrutura (onset ramificado) deve se comportar da mesma maneira que a palavra “prato”. Se omitirmos o segundo segmento do onset de “prato”, subentende-se que “pato” seja “prato”. Pois em linguagem corrente falada, esta palavra pode ser realizada com a omissão da líquida “r”. Tomemos outra palavra com o onset também ramificado, “precisa”. Na linguagem falada, esta palavra pode ser produzida com a mesma líquida omitida sem haver quebra na comunicação. Ou seja, o onset pode perder a segunda ramificação, sem alterar o significado.

Cristófaro Silva (1992), discute que encontros consonantais no português brasileiro podem ocorrer com a omissão da líquida “r, l”. Por exemplo, na palavra “precisa”, pode-se ter [pi]cisa como pronúncia alternativa. Considere exemplos com onset ramificado sendo que a líquida pode ser omitida.28

(59) a. [ezepl] [ezep] “exemplo”

b. [otr] [ot] “outro”

c. [flame] [fame] “Flamengo” d. [braziler] [baziler] “brasileiro”

27 Simbolizaremos os glides em posição de onset por [j, w].

28 Existem alguns casos onde pode haver uma palavra diferente com a omissão da líquida no onset

e. [koprimid] [koprimid] “comprimido”

Os exemplos acima mostram que o segundo segmento do onset, uma consoante líquida, pode ser omitida sem alterar o significado da palavra. No entanto, o comportamento de (consoante-glide) não é o mesmo, pois o glide, não pode ser omitido. Exemplos são apresentados em (60).

(60) a. [pad] * [pad] “piada”

b. [d] * [d] “ódio”

c. [kka] * [kka] “cueca” d. [ahda] * [ahda] “árdua”

Podemos considerar que o diferente comportamento de (consoante+líquida) e de (consoante+glide) é uma evidência contra a hipótese de silabificação de glides pré- vocálicos como um onset ramificado.

A segunda possibilidade de análise para glides pré-vocálicos é demonstrada pelo diagrama em (58 b). Neste caso, temos os glides representados como consoantes complexas, seguidas por uma vogal em posição nuclear. As consoantes complexas apresentam certas restrições quanto aos segmentos que possam ocorrer em posição consonantal. Se as seqüências de glide e vogal correspondem à representação de uma consoante complexa, deveriam apresentar as mesmas restrições. No português, a seqüências de (consoante+w) apresentam restrições quanto a consoante – que deve ser uma consoante velar: “quase” [kwazi] e “lingüiça” [liwisa]. Tipicamente, em seqüências de consoante e glide como em “piada, “cueca” e “sábia”, “árdua”, não há restrição consonantal. Qualquer consoante do português pode preceder uma seqüência de

segunda possibilidade de análise não é a mais apropriada para os glides pré-vocálicos, pois o comportamento fonológico deveria ser o mesmo das consoantes complexas.

A terceira possibilidade de análise para glides pré-vocálicos, é a demonstrada em (58 c), ou seja, o glide silabificado em um ditongo leve. Cristófaro Silva (1992), assume que um ditongo leve “consiste de dois segmentos associados a uma única posição esqueletal” e cita que “este ditongo, na literatura fonológica é denominado de ditongo crescente29.

A primeira evidência a favor da análise de glides pré-vocálicos como ditongo leve, vem do comportamento do acento em português. No português, o acento pode cair na última, penúltima ou antepenúltima sílaba. Se o glide pré-vocálico corresponde a um ditongo leve, temos que ele é equivalente a uma única posição nuclear. Sendo assim, numa palavra como ''família'' com uma seqüência de (glide+vogal) na última sílaba, podemos esperar um padrão acentual como ''fámilia''. Isto corresponderia ao acento na antepenúltima sílaba (sendo a penúltima sílaba ''mi'' e a última sílaba ''lia''). Contudo, sempre que temos um glide pré-vocálico, o acento recai na sílaba que precede esta seqüência. Isto quer dizer que a os glides pré-vocálicos devem seguir da junção de duas vogais em um ditongo leve.

29 Para BISOL, (1989) “o ditongo leve tem alternância do glide com uma vogal simples, sem causar mudança

de sentido”. Para KAYE, (1985), um ditongo leve é um núcleo não ramificado associado a dois segmentos. Para o caso em discussão assumimos que no ditongo leve, duas vogais são associadas a uma única posição esqueletal.

Outra evidência para analisar o glide pré-vocálico como parte de um ditongo leve, é o comportamento fonológico do glide em posição inicial de palavra. O glide pode comportar-se como vogal, ou como ditongo ou como consoante. Consideremos o dialeto do português brasileiro carioca.

(61) a. “as armas” [az axma] b. “os ossos” [z s] c. “os elefantes” [z elefat] d. “os bois” [ bo] e. “as vacas” [a vak] f. “os jatos” [ at] g. “os iates” [z at] h. “os iogurtes” [z ouxt] i. “os Uerequemas” [z erekemas]

Vemos em (61 a-c), que antes de palavra iniciada em vogal o artigo definido plural tem [z] como segmento final. Em (61 d-f), vemos que o segmento final do artigo definido plural é [, ] antes de palavras que se iniciam por consoantes. Em (61 g-i), vemos que quando ocorre uma seqüência de (glide+vogal) o segmento final do artigo definido plural é [z], que é o mesmo segmento que ocorre quando a palavra se inicia em vogal. Concluímos que glides pré-vocálicos comportam-se como vogais.

A última evidência para a silabificação dos glides pré-vocálicos, é o fato de que não há restrição quanto a consoante que precede a seqüência glide e vogal. Qualquer consoante pode preceder o glide. Concluímos que a melhor interpretação para o glide pré-vocálico é como ditongo leve. Neste caso, o glide pré-vocálico é derivado de uma seqüência de vogais. Pode ocorrer a alternância entre o glide e a vogal alta correspondente.

Resta-nos avaliar o glide pré-vocálico quando este não alterna com a vogal alta correspondente. Estes são o caso de “estaciona” e “quase”, “guarda”. Assumimos que estes dois casos representam um glide ocorrendo na representação lexical. Em formas com o infixo –sion-, como em “estaciona” o glide pré-vocálico é parte da representação de um ditongo leve que é definido lexicalmente (nos casos de “piada”, “cueca”, o glide é derivado). Nos casos de “quase”, “guarda”, assumimos que o glide é parte da representação de consoantes complexas que tipicamente apresentam restrições segmentais (que neste caso se restringe às oclusivas velares). Consideramos a seguir os glides pós-vocálicos.

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