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O método das Vogais Cardeais oferece um instrumental que permite a descrição e interpretação dos segmentos vocálicos que ocorrem nas línguas naturais cujas qualidades vocálicas são variadas (Jones, 1969). Este método é até hoje muito utilizado, pois relaciona os correlatos articulatórios, auditivos e acústicos (Cristófaro Silva, 1999a). O método das Vogais Cardeais será utilizado neste trabalho para descrever e interpretar os segmentos vocálicos do inglês e do português. Tal método permite descrever e representar as vogais simples, ditongos e tritongos.

A idéia de adotar um sistema de pontos de referência para a classificação de vogais foi proposta por A. J. Ellis em 1844. A nomenclatura “cardeal” foi usada pela primeira vez por A.M. Bell em 1867, inspirando-se nos pontos cardeais. Daniel Jones reapresentou o método em 1917, em número de oito vogais cardeais, classificando as vogais do inglês a partir deste, tornando-o amplamente usado desde então. Abercrombie (1967) desenvolveu a proposta de Jones até o ponto que se encontra hoje (Cristófaro Silva, 1999b).

Oito vogais cardeais, distribuídas de forma eqüidistante numa figura em forma de um trapézio, formam a base do sistema de Daniel Jones, (FIG. 6 a seguir). As vogais cardeais de 1 a 8 são articuladas com o ponto mais alto da língua no limite da linha periférica da área vocálica. A área vocálica é parte da área da cavidade bucal onde a língua assume posições diferentes para a articulação de vogais sem causar contato, fricção ou

obstrução. Isto caracterizaria a produção de um segmento consonantal. A área vocálica é delimitada pela linha periférica que, se ultrapassada, há fricção ou obstrução, produzindo um segmento consonantal (Cristófaro-Silva, 1999b).

FIGURA 6 As Oito vogais cardeais

FONTE: LADEFOGED & MADDIESON, 1996. p. 285.

As vogais cardeais de 1 à 8 são chamadas vogais periféricas por Jones (1969) e estas vogais são pontos de referência para todas as vogais das línguas naturais. É importante salientar que estas oito vogais foram selecionadas de forma arbitrária, ou seja, não correspondem ao sistema vocálico de nenhuma língua natural. Por coincidência, pode acontecer de alguma língua conter uma ou mais vogais das oito vogais cardeais.

O método propõe um recurso de descrição de vogais a partir de propriedades auditivas que caracterizam uma vogal dentro da área vocálica, que é representada por uma figura em forma de trapézio, muitas vezes chamado de quadrilátero. O ponto da linha periférica para a posição mais avançada e mais alta da língua na cavidade bucal, é a vogal cardeal no. 1, ou VC1. A VC1 é representada pelo símbolo i.

O mesmo procedimento pode ser adotado para definir os outros pontos na linha periférica, ou seja, a articulação do ponto mais baixo e mais posterior possível antes de haver contato entre a língua e a úvula, corresponde à vogal [a], a VC5. As três vogais logo abaixo da VC1 no trapézio, correspondem aos pontos das vogais cardeais VC2 = e, VC3 =  VC4 = a. As vogais cardeais restantes, que ficam no trapézio em direção ascendente em

relação à VC5, são a VC6 = , VC7 = o e VC8 = u. Estas vogais podem ser descritas em termos de categorias de classificação vocálica, como:

TABELA 1 As VC1 a VC8

As vogais de 1 a 5 não são arredondadas e de 6 a 8 são arredondadas.

Anterior Posterior Alta VC1 i VC8 u Média-alta VC2 e VC7 o Média-baixa VC3  VC6 Baixa VC4 a VC5 FONTE - ABERCROMBIE, 1967. p. 154

A aplicação deste método consiste em primeiramente, aprender a pronunciar as oito vogais cardeais, e para classificar uma vogal de uma língua natural, deve-se pedir a um nativo desta que a pronuncie. A partir daí, comparar a postura da língua durante a produção desta, com a da vogal ou vogais cardeais mais próximas, até que se possa determinar a posição específica da língua durante a articulação do segmento em questão. A identificação de uma vogal baseia-se em critérios articulatórios e auditivos.

A princípio, as oito vogais cardeais são suficientes para a descrição de qualquer segmento vocálico de qualquer língua natural. Porém, foram estabelecidas catorze vogais cardeais secundárias, relacionadas com as vogais cardeais primárias. O quadro abaixo ilustra os segmentos correspondentes aos pontos VC9 a VC16. As VC9 a VC16 que também são pontos fixos, de qualidade invariável.

TABELA 2 As VC 9 a VC16

VC9 y VC11 œ VC13  VC15

VC10 ø VC12  VC14  VC16

FONTE - ABERCROMBIE, 1967. p. 161

A TAB. 3 abaixo ilustra os símbolos correspondentes aos segmentos vocálicos correspondentes aos pontos VC17 a VC22.

TABELA 3 As VC17 a VC22

VC17  VC19  VC21 

VC18  VC20  VC22

FONTE - ABERCROMBIE, 1967. P. 161.

As vogais cardeais de secundárias de 9 à 18 estão localizadas na linha periférica do trapézio e as vogais cardeais de 19 a 22 são centrais. Das VC9 a VC16 têm-se a mesma posição de língua que nas vogais primárias VC1 a VC8. A diferença está na posição dos lábios, as VC9 a VC13 são arredondadas e as VC14 a VC16 não são arredondadas. As vogais cardeais secundárias restantes, VC17 a VC22 localizam-se na parte central da área vocálica. Sendo as vogais cardeais VC18, VC20 e VC22, produzidas com labialização e as VC17, VC19 e VC21 sem labialização.

Tomando como referência as 22 vogais cardeais mencionadas anteriormente, pode- se identificar qualquer segmento vocálico de qualquer língua natural. O procedimento de descrição é o mencionado na página 39 e se baseia em critérios articulatórios e auditivos. Para indicar alteração na qualidade vocálica do segmento analisado em relação a uma vogal cardeal, podemos usar os seguintes diacríticos:

levantado – qualidade mais alta abaixado – qualidade mais baixa retraída – qualidade mais posterior avançada – qualidade mais anterior

Os ditongos também podem ser identificados no diagrama das vogais cardeais. Estes sons, os ditongos, são sons que consistem de um movimento articulatório ou deslize da língua de uma vogal a outra (Clark & Yallop, 1990). Os ditongos são também tratados como uma seqüência de segmentos, sendo um dos segmentos interpretados como uma vogal e o outro interpretado como um glide. O glide refere-se aos segmentos vocálicos sem proeminência acentual nos ditongos (Cristófaro Silva, 1999b). Glides são segmentos assilábicos que co-ocorrem com um segmento vocálico. Um ditongo pode ser composto de (vogal e glide) ou (glide e vogal). A seqüência (vogal e glide) é denominada ditongo decrescente. A seqüência (glide e vogal) é denominada ditongo crescente.

Os glides em um ditongo podem ser representados por vários símbolos fonéticos.

como /w, , /. A transcrição diferente dos glides depende da interpretação fonológica dada ao segmento no sistema sonoro.

Tipicamente, quando o glide é simbolizado por [j, y], ele é interpretado fonologicamente como consoante e quando o glide é simbolizado por [, ], ele é tipicamente interpretado como vogal. Este trabalho adota o símbolo [j] para o glide interpretado fonologicamente como consoante e o símbolo [] para o glide interpretado como vogal. Em ambos os casos, o símbolo adotado para o glide será adjacente a uma vogal. Argumentos que sustentem a interpretação do segmento em questão como vogal ou consoante, serão apresentados na segunda parte, a de fonologia.

No diagrama das vogais cardeais, os ditongos são indicados por uma flecha que marca o ponto inicial e o ponto final do ditongo. Um destes pontos não terá proeminência acentual e indicará o glide. Diagramas expressando a representação dos ditongos serão apresentados quando da descrição das vogais altas e glides em cada uma das línguas em questão. Na próxima seção, avaliamos as propriedades acústicas relacionadas aos segmentos vocálicos.

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