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 [...] Porque o Capanema, com aquela obsessão, com aquele empenho apaixonado, foi um verdadeiro... Como é aquele florentino? O Médici.  Um mecenas, não é?

 É, um Médici daqueles que se interessava pelas artes, se mobilizava.

Assim, Lúcio Costa se referiu ao ministro Gustavo Capanema em entrevista para a série “Depoimentos” do Projeto Portinari. O arquiteto estava se referindo à família Médici, da República de Florença, cujos membros exerceram profunda influência no cenário artístico e cultural do Renascimento. A forma de expressão da sociedade moderna renascentista é a mediação das relações sociais e das noções de poder. E o elemento representativo dessas mediações, seu modo de representação simbólica, é a arte, em sua forma de alegoria. Exemplo significativo é uma estátua eqüestre gigantesca de Lourenço de Médicis, mandada erigir por ele mesmo no centro de Florença1.

Quando se fala em “mecenas do Renascimento”, o ponto de partida é a obra de Francis Haskell “Mecenas e Pintores: Arte e Sociedade na Itália Barroca”2, porque o mecenato implica a tríade: o mecenas ou patrono; o pintor, escultor, escritor, arquiteto; e o gosto (a opção estética).

Na Itália renascentista, os mecenas estavam na Igreja, no Estado e na Nobreza, o que fez com que as cidades de Roma, Veneza e Florença fossem o centro do mecenato das artes – arquitetura, escultura e pintura – e, conseqüentemente, da cultura humanista na Península Itálica. Daí o berço da cultura renascentista refletir a relação entre a cultura e a sociedade3.

No Brasil, o mecenato Capanema, no bojo do governo Vargas (1930-1945), deixou como marca da sua administração um “símbolo moderno”, que foi erguido como um monumento na Esplanada do Castelo, no centro da então capital da República. Tal qual Lourenço de Médicis, o ministro comportava-se como um mecenas do Renascimento: seja como patrono de arquitetos, artistas ou escritores, seja pela concepção estética escolhida, seja pelo que a obra deveria simbolizar para o país.

O edifício do MES foi fruto do desejo irreprimível de construir de uma administração e de uma época. O “Brasil Novo” fundava-se em um projeto construtivo: “assentar as bases da nacionalidade, edificar a Pátria, forjar a brasilidade”. O Brasil se eleva em seu “futuro ascensional” e, junto com ele, a construção das sedes ministeriais. A

análise de Maurício Lissovsky e de Paulo Sérgio Moraes de Sá em “Colunas da Educação” mostrou como se processaram as disputas no campo da arquitetura e das artes para a edificação do MES e a opção do ministro pela proposta “moderna”. Os autores constataram que: “A construção de prédios públicos e a edificação da nação serão considerados movimentos análogos no interior do campo semântico aberto pela idéia de ascensão”4.

Por isso, construiu-se um edifício moderno que marcou profundamente a administração de Gustavo Capanema à frente do Ministério da Educação e Saúde Pública, o que chamou o “Ministério do Homem” – aquele que se destinava “a preparar, compor e afeiçoar o homem do Brasil”.

Conforme a longa exposição de motivos a Getúlio Vargas, em 1935, o objetivo seria:

A valorização do homem brasileiro era, no entender do Ministro, um projeto cultural, “pois cultura significa a nítida e impressiva presença do homem” diante da natureza e das “forças circundantes”, impondo a elas sua vontade. Como instrumento do advento deste homem, destinado sobretudo a “viver pela nação, nela integrado de corpo e alma”, o Ministério da Educação e Saúde Pública deveria inclusive chamar-se “Ministério da Cultura Nacional”5.

Capanema tinha a convicção de que a sua administração deveria marcar uma época, por isso o edifício do Ministério foi se tornando ao longo da sua gestão “um ponto de honra” para o ministro, uma oportunidade rara de imprimir uma marca indelével. Às vésperas do fim do Estado Novo e ante a iminência de uma viagem de Portinari ao exterior, o ministro incentivava o pintor a adiar sua viagem e a finalizar suas pinturas, porque as julgava “tão essencial aos interesses artísticos de nosso país”. Manifestava receio de que com o seu sucessor, “sobretudo se for um espírito prevenido contra a nossa orientação, aquelas paredes venham a ter outro acabamento”6.

O mecenato Capanema, ante a concepção estética que imprimiu à arquitetura e às artes visuais, diferenciava-se dos prédios dos Ministérios do Trabalho e da Fazenda. A análise sobre os três prédios dos ministérios encontra-se em Lauro Cavalcanti, “As preocupações do Belo”, em que o autor mostra a divergência nos gostos dos ocupantes das pastas ministeriais. O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio7 – o “Palácio do Trabalho” – foi inaugurado no primeiro aniversário do Estado Novo pelo ministro

Valdemar Falcão, sucessor de Agamenon Magalhães (nomeado interventor de Pernambuco), na presença de Getúlio Vargas, em meio “a apoteótico desfile de organizações sindicais trabalhadoras”.

Segundo Lauro Cavalcanti, “a metáfora ministerial [...] acêrca da eqüidistância de extremismos na luta de classes parece ter sido igualmente obtida no que se refere às disputas do campo arquitetônico da época”, porque o “Palácio do Trabalho”, parte “moderno”, parte “acadêmico”, acabou sendo objeto não completamente identificado por nenhuma das duas correntes. Na conclusão do analista: “Fim de festa varguista, cópia mal executada por mestre-de-obras ou funcionalismo “sem anestesia” de engenheiros, o fato é que o prédio – apesar de pretender filiações mais amenas – ficou associado ao que se convencionou chamar de arquitetura do Estado Novo, tipologicamente ligada às formas fascistas italianas”8.

Quanto ao estilo do prédio do Ministério da Fazenda feito sob a administração de Arthur de Souza Costa, pode ser definido como “eclético” no sentido etimológico do termo: o estilo varia de acordo com o uso e a visibilidade que os espaços têm. Os elementos externos do edifício, de visão mais ampla, são, de fato, predominantemente “neoclássicos”, e a sua pesada volumetria carrega influência da arquitetura praticada na Itália fascista. Os pavimentos de atendimento ao público assemelham-se aos espaços de uma eficiente estação de estrada-de-ferro européia da época – o tom de brasilidade é conferido pelos painéis alusivos a ciclos econômicos nacionais9.Os andares destinados a trabalho burocrático interno são de tal ascetismo que não destoariam se localizados em prédio “funcionalista” da Bauhaus. O salão nobre, espécie de vitrine de auto-representação do ministro para as elites nacionais e delegações estrangeiras em situações solenes, foi concretizado em livre interpretação do estilo Luís XVI. No terraço-jardim foram feitas aproximações com o vocabulário “moderno”. Enfim, “tamanha balbúrdia estilística despertou a curiosidade do público, o desprezo dos arquitetos ‘modernos’ e o louvor do Presidente da República”10.

Reside aqui um ponto de inflexão: o que se apreende dessa análise do campo arquitetônico vem corroborar com as teses de outros pesquisadores de que o projeto estadonovista não era monolítico. A fragmentação dos projetos na área da radiodifusão, nos planos educacional e cultural e na construção das sedes ministeriais, permite perceber que no seio do aparelho de Estado existiam várias correntes ideológicas e estilísticas que operavam concorrencialmente.

A construção de um prédio “moderno” para o Ministério da Educação e Saúde Pública projetado pelos arquitetos Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcellos e Jorge Machado Moreira, todos egressos da Escola Nacional de Belas Artes e autores de projetos com “características modernas”, e que foi concebida tendo como consultor Le Corbusier e autor do risco11. O prédio foi inaugurado no dia 3 de outubro de 1945, data comemorativa aos 15 anos da ascensão de Getúlio Vargas ao poder, que se propunha a construir um Brasil “novo”, “moderno” e capaz de resolver as mazelas nacionais com políticas públicas eficazes. Daí a modernização que marcou a “Era Vargas”. Esse edifício, considerado um “símbolo moderno” desta administração e do país, mostrou que o ministro Capanema não poupou esforços para que a obra se tornasse exeqüível. É o que atribuiu Lúcio Costa ao êxito da obra; “deslumbrado” com a sua criação, dá um tom poético:

Eis por que, neste oásis circundado de pesados casarões de aspecto uniforme e enfadonho, viceja agora, irreal na sua limpidez cristalina, tão linda e pura flor – flor do espírito, prenúncio certo de que o mundo para o qual caminhamos inelutavelmente, poderá vir a ser, apesar das previsões agourentas do saudosismo reacionário, não somente mais humano e socialmente mais justo, senão, também, mais belo.

E pergunta o criador sobre a criatura:

[...] que estranho encadeamento de circunstâncias tornou possível um tal milagre?12

A importância atribuída ao prédio do Ministério da Educação propiciou que a obra fosse apreciada antes mesmo da sua inauguração, quando foi objeto de uma exposição no Museum of Modern Art de New York (MOMA), sobre arquitetura brasileira, intitulada: “Brazil Builds – architecture old and new, 1652-1942”, ocorrida em princípios de 1943 e organizada pelo arquiteto norte-americano Philip Lippincott Goodwin (1885-?). As fotografias que compuseram a exposição foram tiradas pelo fotógrafo G. E. Kidder Smith, que percorreu o Brasil documentando a trajetória da nossa arquitetura. No catálogo da exposição, Goodwin destaca “a principal contribuição brasileira à arquitetura moderna: o domínio do calor e da luz”, isto é, a utilização dos brise-soleil criados por Le Corbusier para o projeto de urbanização de Argel (1930-1934), mas cuja aplicação prática e definição

final devem ser atribuídas aos arquitetos brasileiros13. Essa exposição fotográfica da arquitetura brasileira percorreu algumas cidades dos Estados Unidos, como Boston, e se realizou no Museum of Fine Arts, em setembro de 1943, como se depreende de uma carta de Caio Júlio César Vieira ao ministro Capanema.

Foi dentro desse “espírito novo” advindo de um processo de renovação da arquitetura brasileira que o convite de Capanema a Le Corbusier “não parece decorrer de uma adesão incondicional a essa doutrina”. Uma análise permitiu vislumbrar que o ministro via as idéias corbusianas como uma estética entre outras, passível de ser assimilada a um projeto socioeconômico de reformas14. O ministro fez uma opção

importante em 1936 ao relegar o projeto em estilo “neomarajoara” de Archimedes Memória, vencedor do concurso público para a nova sede do Ministério, em detrimento da arquitetura “moderna” para o MES, que se tornou um marco da arquitetura brasileira do século XX.

Entretanto, convém ressaltar que o ambiente “revolucionário” que foi gestado no Brasil desde 1922, com a Semana de Arte Moderna, com a fundação do Partido Comunista Brasileiro, com a criação da revista “A Ordem”, ligada ao Centro Dom Vital, com a revolta tenentista dos “18 do Forte de Copacabana”, eclodiu na década seguinte com a “Revolução de 1930”, protagonizada pela Aliança Liberal e que se espraiou para outros setores da vida nacional.

No campo das artes visuais, a mudança ocorreu com a substituição na direção da Escola Nacional de Belas Artes, assumindo o arquiteto Lúcio Costa, que revolucionou o ensino artístico no Brasil e idealizou o 38° Salão Anual de 1931, conhecido como “Salão Revolucionário” ou “Salão dos Tenentes”, e que conclamou para participar do certame os artistas da “arte moderna”, preteridos até então pelos da “arte acadêmica”, que monopolizavam a escola e o seu salão, o qual contou com a presença no júri de Anita Malfatti, Manuel Bandeira, Cândido Portinari e o escultor Celso Antônio15.

No campo arquitetônico, as mudanças começam a ocorrer em 1925, quando Gregori Warchavchik publicou nos jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro o seu “Manifesto pela Arquitetura Funcional”. Este arquiteto é o pioneiro na construção de uma casa “modernista” (1928), a sua residência na rua Santa Cruz, na capital paulista. Em 1930, Warchavchik realizou a primeira exposição de uma “casa moderna” no Brasil, na rua Itápolis, nº. 119, também na cidade de São Paulo, coerentemente decorada com quadros, esculturas, móveis e tapeçarias seguindo os cânones do que se convencionou chamar de “movimento moderno”, com obras de Anita Malfatti, Victor Brecheret, Celso Antônio,

Cícero Dias, Di Cavalcanti, Esther Bessel Gomide, Jenny Segall, John Graz, Lasar Segall, Menotti del Picchia, Oswaldo Goeldi, Regina Gomide, Tarsila do Amaral e do próprio Warchavchik. Ao arquiteto idealizador do evento coube a criação da casa, dos interiores, dos móveis e das luminárias. No catálogo da exposição consta, ainda, uma mostra de literatura com Alcântara Machado, Álvaro Moreyra, Affonso Schmidt, Arthur Carneiro, Ascenso Ferreira, Augusto Meyer, Cassiano Ricardo, Felipe d’Oliveira, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Jorge de Lima, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Motta Filho, Osório César, Oswald de Andrade, Plínio Salgado, Paulo Prado, Ronald de Carvalho, Rubens de Moraes e Tristão de Athayde16.

No Brasil, o corolário das idéias de Le Corbusier ganha consistência com as suas estadas em 1929 e 1936, das quais resultaram seis conferências e três escritos do arquiteto franco-suíço: “O Espírito Sulamericano”, “Prólogo Americano” e “Corolário Brasileiro”, além de alguns projetos. Suas teorias em torno da “Civilização Maquinista”, difundidas a partir da viagem de 1929, aguçaram o debate entre a “tradição” e a “modernidade”, e abriram perspectivas de se pensar e fazer uma arquitetura nova, fundamentada numa expressão arquitetônica que reivindicava a sua “brasilidade”.

A proposta da equipe brasileira defendida por Lúcio Costa vai ao encontro dos pressupostos de Le Corbusier no que se refere à busca da “originalidade”. A isso chama a atenção Kenneth Frampton, com uma “primeira aplicação monumental” de muitos elementos corbusianos, como os pilotis, o terraço-jardim, o brise-soleil e o pan-verre no edifício do Ministério da Educação. Esses componentes puristas são transformados “numa expressão nativa extremamente sensual que fazia eco, em sua exuberância plástica, ao barroco brasileiro do século XVIII”17.

Aqui emerge uma proposta multidisciplinar, seja com a arquitetura de Lúcio Costa e sua equipe, seja com as artes visuais, com a escultura de Celso Antônio, Bruno Giorgi, Adriana Janacopulos e Jacques Lipchitz, com os azulejos com composição de Portinari e executados pela Osirarte, de Paulo Cláudio Rossi Osir, com a pintura dos painéis e murais de Cândido Portinari, tendo como colaboradores alguns dos seus alunos da Universidade do Distrito Federal18, como Enrico Bianco19, Rubem Cassa20, Ignês Correia da Costa21,

Roberto Burle Marx22, Aldari Toledo23, Rosalina Leão, Diana Barbieri e Héris

Guimarães24, seja com o paisagismo de Roberto Burle Marx. O edifício do MES serviu para mostrar a implementação de um projeto “moderno”, ou seja, conjugar as artes visuais com a arquitetura.

O primeiro ensaio de uma proposta multidisciplinar foi o Pavilhão do Brasil da Feira Mundial de New York de 193925, seguido da concretização de um símbolo moderno,

que foi o prédio do Ministério da Educação e Saúde Pública, pelo Bairro da Pampulha em Belo Horizonte, na década de 1940 e pelo conjunto arquitetônico da cidade de Brasília, inaugurado em 1960.

As palavras de Lúcio Costa para o Catálogo do Pavilhão do Brasil, da Feira Mundial de New York de 1939, expressam o sentido da mudança: “o desejo constante de fazer obra de arte plástica no sentido mais puro da expressão” e de valorizar a pintura e a escultura na arquitetura, “não como simples ornatos ou elementos decorativos, mas com valor artístico autônomo embora fazendo parte integrante da composição”. Um marco significativo da transformação do “moderno” em cultura é a confluência de pintores, escultores e arquitetos para a implantação de obras em espaço público porque “o moderno sempre foi uma cruzada, com laivos didatizantes para convencer o cidadão”. Conforme um analista:

[...] a pintura pública, cujo alvo é a multidão, desde Baudelaire um ingrediente tão caro para a vida moderna. Aqui acentua-se o interesse em penetrar o indivíduo em seu cotidiano, sem a ritualística exigida na fruição realizada pelo circuito, seja museu, galeria ou salão. É oportuno realçar que o surgimento da pintura de cavalete contribuiu para uma fruição mais limitada e restritiva, em função de seu enclausuramento em ambientes privados das elites26.

No Brasil, poder-se-ia dizer que foi Portinari quem vislumbrou a importância da pintura mural e mostrou que tinha consciência do sentido social da arte. Quanto à pintura mural, em missiva ao ministro Capanema, revelou o seu conhecimento sobre o assunto:

[...] Por tudo isso – e também pela convicção em que estou de estar realizando obra patriótica – é que tomei a iniciativa de propor, à sua inteligência, a criação, na Escola Nacional de Belas-Artes, de um atelier onde sejam ministrados conhecimentos de pintura mural.

Esse gênero de pintura – pela possibilidade que oferece de irradiação, de influência coletiva – tem sido utilizado, desde os tempos mais remotos, pelos governos de quase todos os países, como elemento precioso de educação e propaganda. Em todas as escolas de arte, ocupa essa cadeira

lugar da maior importância, a sua utilidade ressaltando, inclusive, da necessidade que tem os governos de decorar os seus melhores palácios. Desta forma, não há razões para que o Brasil – que vem acompanhando os progressos dos países civilizados nos demais setores da sua atividade, quer administrativa, quer literária, quer científica – deixe de ter o seu curso de pintura mural, inexistente até hoje na Escola Nacional de Belas Artes.

Daí a proposta – que tomo a liberdade de reiterar ao ilustre ministro – para o aproveitamento, naquela instituição, do meu curso de pintura mural27.

Desde a década de 1920, a pintura mural ganha visibilidade e prestígio com o muralismo mexicano, com Diego Rivera, José Clemente Orozco, David Alfaro Siqueiros, Rufino Tamayo e Xavier Guerreiro, principalmente quando em 1921 o ministro da Educação do México, José Vasconcelos28, integra Rivera ao programa cultural do governo, no qual inclui uma viagem de “redescoberta” do passado pré-colombiano à península do Yucatán, onde visitam as áreas arqueológicas de Chichén-Itzá e Uxmal. No afã da valorização da cultura mexicana, o ministro encomendou, em 1922, os murais para as paredes do pátio da Secretaría de Educación Pública (SEP), na cidade do México, na qual pinta 117 murais com uma área total de 1.585,14 m². Diego Rivera (1886-1957) desenvolveu uma iconografia revolucionária para o México, que acabava de viver uma década de revolução (1910-1920), e pintou os afrescos que compõem os ciclos “Visão Política do Povo Mexicano” (1923-1928): a herança indígena, as festas e tradições populares, a vida cotidiana do povo mexicano, as cenas de trabalho urbano e rural nas diferentes regiões do país, a luta política por melhores condições de vida. Em síntese, o muralismo mexicano, ao se aproximar do realismo na pintura, abandona os “heróis” da “história oficial”, como reis, chefes de Estado, generais e ministros, e pela primeira vez transforma em herói da arte monumental o homem do povo, o operário, o camponês ou o indígena, conforme relatou Rivera29.

Apesar de a experiência mexicana ter revelado ao mundo uma visão política da arte, Portinari não chegou à pintura mural como caudatário de Rivera e de seus seguidores, embora as semelhanças apontadas pela crítica sejam sempre exteriores. A avaliação de Mário de Andrade acentua as diferenças do ponto de vista político e plástico, seja num artigo da Revista Acadêmica, em 1938, seja em carta ao pintor de Brodósqui, em 1944. No artigo, o escritor os distingue:

Portinari se fez realista. [...] Uma espécie de realismo moral, franco, forte, sadio, de um otimismo dominador. Nisto ele se separa radicalmente da obra amarga de um Rivera. Rivera é um combatente. Portinari é um missionário. Rivera é bem um expoente da turbulência política dos nossos dias. Portinari é um educador30.

O escritor paulista, em carta ao pintor, dá o tom ao assunto:

Não precisa combater com os mexicanos, não. Combatem, são nobres, também, merecem todo o nosso respeito e entusiasmo. Mas não há dúvida que, na exacerbação do combate, enfraqueceram a qualidade plástica das obras deles que se ressentem de um desequilíbrio forte entre valor plástico e valor espiritual. Não é preciso isso! Não era preciso tanto. E tenho certeza que você está mais certo, no seu poderoso equilíbrio31.

Mário Pedrosa, em “Portinari – De Brodósqui aos murais de Washington”, mostrou que o pintor não chegou ao afresco por um simples incidente exterior, como se poderia pensar, e asseverou:

Não foi o conhecimento dos murais de Rivera ou de seus êmulos do México que provocou no pintor brasileiro a idéia ou à vontade de fazer pintura mural. Muita gente estranha à sua obra poderá pensar que o