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A polissemia da palavra “revista” remete ao “ato ou efeito de revistar, de examinar detidamente alguém ou algo” e a “uma publicação periódica, destinada ao grande público ou a um público específico, que reúne, em geral, matérias jornalísticas, esportivas, econômicas, informações culturais, conselhos de beleza, moda, decoração etc.”. Algumas revistas, destinam-se a um seleto público, como é o caso das revistas culturais.

Ana Luiza Martins, em “Revistas em Revista: Imprensa e Práticas Culturais em Tempos de República, São Paulo (1890-1922)”1, mostra a trajetória da palavra “Re[vista]”:

que aparece no dicionário de língua francesa Nouveau Petit Le Robert, com data de 1792, originária da palavra inglesa review, definindo-a como uma “publicação periódica mais ou menos especializada, geralmente mensal, que contém desde ensaios, contos, artigos científicos, etc. Apresentando como sinônimos seus correlatos magazines, hebdomadários, anais e boletins”. Nos dicionários de língua portuguesa, a gênese da palavra “revista” é situada no final do século XIX, quando, desgarrada do significado usual de “passar a tropa em revista”, assume o papel de publicação, com a seguinte definição: “título de certas publicações periódicas, em que são divulgados artigos originais de crítica ou análise de determinados assuntos”.

Clara Rocha, em seu estudo “Revistas Literárias do Século XX em Portugal”, confirma que “uma revista é uma publicação que, como o nome sugere, passa em revista diversos assuntos [...] o que permite um tipo de leitura fragmentada, não contínua, e por vezes seletiva”. Para esta autora, o que diferencia a revista do livro é a sua especificidade:

[...] é um tipo de publicação que, depois de re-vista, se abandona, amarelece esquecida, ou se deita fora. Enquanto objeto material, a revista distingue-se do livro por ser mais efêmera: só os bibliófilos, os estudiosos e certos interessados pelas letras e pelas artes guardam a revista. Essa efemeridade [...] tem a ver com a solidez material. Enquanto o livro dura [porque é mais resistente, tem uma capa sólida a protegê-lo], a revista é [pode ser] mais frágil em termos de duração material [...] é normal que o

livro tenha reedições, e já não o é tanto que apareça uma segunda edição duma revista. Ainda outra característica: uma revista é em geral menos volumosa do que um livro. E, last but not least, uma revista é quase sempre a manifestação duma criação de grupo: ao contrário do livro que, salvo algumas excepções, costuma ser produzido por um só autor (sic!)2.

No Brasil, a revista é uma publicação periódica em que se divulgam artigos originais, reportagens, excertos de livros, crônicas, contos, poesias e assuntos variados (moda, beleza, humor, enquetes, acontecimentos políticos e sociais, mundo artístico, esportes), alguns dos quais foram abordados em outras publicações, o que mostra a preferência do público pelo “texto curto, pela palestra ou pela crônica em detrimento do livro, dos textos de leitura mais exigente”. Por outro lado, a revista conferiu ao periodismo os tradicionais papéis como “instância de representação e legitimação de indivíduos, grupos e idéias, espaço celebrativo de aspirações e projetos de gerações, suporte quase exclusivo do autor em letra impressa” e “contribuiu para a criação de comunidades leitoras”, principalmente o público feminino3.

Ana Luiza Martins insiste que “o caráter fragmentado e periódico da revista é seu traço recorrente, imutável nas variações geográficas e temporais onde o gênero floresceu, resultando sempre em publicação datada, por isso mesmo de forte conteúdo documental”, embora os seus objetivos possam ser apreendidos “no interior das próprias revistas, a partir de seus editoriais, conforme a formulação de seus agentes”4.

Aqui, o objetivo é “re-visitar” Cândido Portinari – a obra e o artista - através de algumas revistas literárias e de variedades de grande prestígio, que foram publicadas no período de 1930 a 1945, na cidade do Rio de Janeiro, porque identificou que a sua trajetória como pintor estava ligada ao campo intelectual brasileiro, que, por sua vez, se relacionava com a esfera do político.

Daí a importância de situar a produção artística de Portinari no meio intelectual brasileiro, onde ele aparece como protagonista de querelas e epítetos: “pintor acadêmico”

versus “pintor moderno”, “portinarismo” versus “antiportinarismo”, “figurativismo” versus

“abstracionismo”, “pintor oficial”, “pintor do regime”, “pintor social”, “arte oficial”, entre outros.

Então, pergunta-se: por que a pintura de Cândido Portinari provocou tanta celeuma no meio intelectual brasileiro (leia-se no eixo Rio–São Paulo)? Por que as revistas e/ou

jornais literários dedicavam-lhe tanto espaço? Por que até a prosa de ficção lhe dedicou páginas?

É inegável a importância atribuída à pintura de Cândido Portinari no seio das intelectualidades brasileira, hispano-americana, norte-americana e européia, haja vista a enorme quantidade de correspondentes, habituais ou não, que constam da Série “Correspondências” existente no Projeto Portinari (citada na Introdução), o que permitiu vislumbrar como se articulavam artistas plásticos e gráficos, críticos de arte, burocratas, políticos, poetas, escritores, arquitetos, musicistas, editores e produtores culturais com o poder, a fim de viabilizar a realização de exposições, a ilustração e a publicação de livros e revistas, a impressão de catálogos, além de comentários sobre estilos artísticos, vernissages, salões de arte e movimentos de vanguarda. Também, a retratística portinariana mostrou uma estreita aproximação do artista com o meio intelectual. Entre os retratados encontra-se o “poeta das cigarras”, Olegário Mariano, e até o autor de “Capitães de Areia”, Jorge Amado5.

A trajetória de Portinari ligada ao campo cultural brasileiro e, conseqüentemente, a sua relação com o mecenato Capanema permitiram que se vislumbrasse nas revistas literárias ou de variedades um outro espaço de “sociabilidade intelectual”6. Tal proposta tem como objetivo mapear as idéias, os valores e comportamentos que alicerçam a formação de “grupos intelectuais”, visando compreender as genealogias que inventam, os formatos organizacionais que elegem e as características estéticas e políticas de seus projetos, a fim de desvendar as intrincadas relações da cultura com o poder, como aponta Ângela de Castro Gomes.

As respostas encontram-se nas seguintes questões. Primeiro, conforme Jean- François Sirinelli:

[...] as revistas conferem uma estrutura ao campo intelectual por meio de forças antagônicas de adesão – pelas amizades que as subtendem, as fidelidades que arrebanham e as influências que exercem – e de exclusão – pelas posições tomadas, os debates suscitados e as cisões advindas. Ao mesmo tempo, que um observatório de primeiro plano da sociabilidade de microcosmos intelectuais, elas são aliás um lugar precioso para a análise do movimento das idéias. Em suma, uma revista é antes de tudo um lugar de fermentação intelectual e de relação afetiva, ao mesmo

tempo viveiro e espaço de sociabilidade, e pode ser, entre outras abordagens, estudada nesta dupla dimensão7.

Essa definição de Jean-François Sirinelli considera as revistas como “lugares de sociabilidade”, tais como os cafés, as confeitarias, as livrarias, as casas-editoras (como a Livraria José Olympio Editora, cuja sede da rua do Ouvidor n.º 110 congregava diariamente escritores, entre os quais Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz), as associações culturais (por exemplo, a Sociedade Felipe d’Oliveira, que publicou o boletim “Lanterna Verde”) e instituições culturais, como a ABL, o IHGB e a Escola Nacional de Belas Artes.

Seguindo a mesma trilha da historiografia francesa sobre a História dos Intelectuais, a historiadora Ângela de Castro Gomes estudou a atuação de intelectuais cariocas (entendidos como os que viviam e teciam suas redes de sociabilidade na cidade do Rio de Janeiro), nas primeiras décadas do século XX, destacando-se na proposição e implementação de projetos do que se convencionou chamar de “Brasil-Moderno”. Daí a sua formulação sobre as revistas “modernistas”:

As revistas são classicamente lugares de sociabilidade intelectual. Lugares de articulação de pessoas e idéias que precisam de suportes materiais e simbólicos para fazer circular seus projetos, sem o que eles perdem significado. Os ganhos, portanto, são de ordem não instrumental, estando fora da lógica dos cálculos de custos e benefícios materiais, e inserindo-se no universo das paixões, crenças e vaidades intelectuais, como nos lembra Mário de Andrade8.

Por isso, a importância do estudo das revistas literárias e de variedades para a apreensão da produção literária e artística brasileira, bem como os projetos em que os intelectuais e artistas estavam envolvidos, desde a participação no conselho editorial de uma revista, até na redação ou na ilustração. Exemplo significativo é a participação de Portinari como membro do Conselho Editorial da “Revista Acadêmica”, como ilustrador em várias revistas e como é em todas as abaixo citadas, seja na forma de reportagem, seja no humor visual (caricaturas ou portrait-charges), seja na seção de crítica de artes ou com a reprodução de suas obras.

Segundo, as revistas e jornais estavam sempre em busca de ilustrações para suas matérias, freqüentemente encomendando retratos e desenhos aos artistas mais cotados no

mercado. Na opinião de Sérgio Miceli, “Uma parcela significativa da produção retratística de Portinari, reúne desenhos a crayon e/ou grafite, a nanquim, a pincel ou em técnicas mistas, muitos deles destinados a atender solicitações da indústria gráfica e editorial”9.

Exemplo significativo é o retrato do poeta Felipe d’Oliveira (vide gravura n.º 53), encomendado a Portinari pela Sociedade Felipe d’Oliveira, o qual compôs o número inaugural da revista “Lanterna Verde”10.

Terceiro, as artes e os artistas desfrutavam de posição estratégica no mercado de bens culturais da época. Os jornais e as revistas, bem como a produção literária sob a forma de livro (romance, conto, novela, poesia, crônica e reportagem), recorriam constantemente aos artistas plásticos e gráficos para desenhos, caricaturas, ilustrações, capas, capitulares, vinhetas, cercaduras, perfis e retratos em diversas técnicas e suportes11.

Portinari possui no seu currículo a ilustração de importantes obras, desde as encomendas para a Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil e para a Sociedade Os Amigos da Gravura, para a qual ilustrou “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “O Alienista”, de Machado de Assis, “Dom Quixote”, de Cervantes, e “Menino de Engenho”, de José Lins do Rego. Também merece destaque a encomenda do editor norte-americano George Macy para ilustrar “A Verdadeira História de Hans Staden”, cujas ilustrações foram recusadas devido às cenas de antropofagia, que não correspondiam à visão estereotipada esperada pelo editor12.

Entre as muitas obras que ilustrou, pode-se destacar a do escritor português José Maria Ferreira de Castro, “A Selva: romance II” (Lisboa, Guimarães Editora, 1955. 322 p. com 12 ilustrações), “Zé Brasil”, de Monteiro Lobato (s.l., Calvino Filho, 1948. 27 p.il.), de Graham Greene, “Romans: Roches de Brighton: La puissance et la gloire: Le fond du

problème: La fin d’une liaison” (Paris, Gallimard, 1960. 872 p.il.; com 8 ilustrações de

Portinari), de André Maurois, “Romans : Climats: Bernard Quesnay: Le cercle de famille:

L’instinct du bonheur: Terre promise: Lês roses de septembre: Les silences du colonel Bramble: Les discours du docteur O’Grady: Nouveaux discours du docteur O’Grady. II. René Génis et al.” (Paris, Gallimard, 1961.1134 p. il.; com 8 ilustrações de Portinari) e dos

livros infantis de Zora Seljan Braga, “O livro de Fusilico: viagem ao rio Paraná – reportagem para crianças” (Vitória, s.n.t., 1952. 28 p.il.), e de Vera Kelsey, “Maria Rosa:

every day fun and Carnival frolic with children in Brazil” (New York, Doubleday/Doran,

1942. 37 p.il.), além de ter feito a capa de vários livros, como a do romance de Dalcídio Jurandir, “Três casas e um rio” (São Paulo, Martins, 1958. 505 p.), de Adalgisa Néri, “A

imaginária” (4ª edição, Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1959. 255 p.il.), e de Menotti del Picchia, “Juca Mulato” (Rio de Janeiro, Leitura, 1959. 83 p.il.).

As ilustrações de Portinari para a Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil, fundada em 1943 pelo industrial e mecenas da cultura Raymundo Ottoni de Castro Maia (1894-1968), mereceram inúmeros comentários, entre os quais o da crítica literária Lúcia Miguel Pereira, que chamou a atenção para a “visão moderna de iluminador” de Portinari ao resenhar em 1944, no lançamento de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, para a referida sociedade13.

A correspondência de Portinari com diversos interlocutores deixa entrever as inúmeras solicitações para a ilustração em livros e revistas, desde obras literárias de escritores consagrados até livros para o público infantil. O pintor se mobilizava para a feitura das ilustrações, como pode ser constatado em inúmeras missivas, inclusive quando conta orgulhosamente para seu filho João Cândido que tinha ilustrado “Menino de Engenho”, de José Lins do Rego. Por isso, o resultado das suas produções como “ilustrador” ou “iluminador” mereceu a seguinte análise:

No conjunto da obra de Portinari, a “imaginação plástica” que desenvolve nas ilustrações é coerente e integra-se ao universo de seu trabalho de desenhista e pintor. Criando imagens a partir dos textos e aproximando-se deles tanto quanto possível, o artista afugenta o mero exercício da maestria artesanal em busca da forma significativa e, sobretudo, da descoberta de um conteúdo visual, particular e específico de cada obra14.

Quarto, o estudo da crítica de arte que atuava nos jornais e revistas literárias aparece sob diversos tipos. Um deles, a “crítica polêmica” – que é ocasional, originada por algum acontecimento relevante, como exposição individual ou coletiva, Salão Anual de Belas Artes15.

No caso de Portinari, dois acontecimentos detonaram a querela conhecida como “portinarismo” versus “antiportinarismo”: a exposição de novembro de 1939, no Museu Nacional de Belas Artes, que foi promovida pelo Ministério da Educação e Saúde Pública sob a gestão de Capanema, e na qual o pintor apresentou 269 obras, e a publicação do número 48 da “Revista Acadêmica”, de fevereiro de 1940, mas só distribuída no mês de abril, em homenagem ao pintor de Brodósqui, e financiada pelo Ministério da Educação.

Essa polêmica começou no hebdomadário “Dom Casmurro” e na revista “Diretrizes”, e acabou se espraiando por outros órgãos da imprensa brasileira.

Um outro tipo, é “A crítica das seções de arte” dos jornais e revistas culturais, mais ponderada; entretanto, podia assumir a forma de estudo e manifestar posições estéticas precisas. Talvez, a figura do crítico profissional de artes plásticas stricto sensu tenha surgido das seções de arte desses periódicos.

Na análise de Otília Arantes, o introdutor desse perfil de crítico de arte no Brasil foi Mário Pedrosa (1900-1981), que reconhecia “a necessidade de conhecimentos técnicos ou de reunir vasta gama de informações”, além de “acompanhando de perto a produção artística do seu tempo do ponto de vista de um especialista, fazendo coincidir de forma feliz a crítica jornalística e a crítica culta”16. Para esta autora, a “crítica militante” de Mário Pedrosa o diferencia dos “mestres modernistas”, por ser “ensaística de cunho nitidamente literário”; embora trouxesse “a pintura para o centro do processo cultural não se queria especializada”. E exemplifica com Mário de Andrade (1893-1945), “que se pretendia um amador e dizia só falar do que lhe convinha ou seja, do que trazia água para o seu moinho, no caso, um projeto estético maior”17. O próprio Mário de Andrade, em carta para Moacyr Werneck de Castro, em 1941, assim se expressou sobre a crítica e os críticos:

Ando um pouco assombrado com a “impersonalidade” dos nossos críticos de quaisquer artes. E isso, estou convencido, deriva de não terem, bem fixadas preliminarmente, umas tantas noções e princípios que os orientem. Daí fazerem uma crítica que muito embora, tenha às vezes aparências de científica, de filosófica, de técnica, não deixa de ser tão “impressionista”, como qualquer literatice louvaminheira ou destruidora. Ora recentemente o Luís Saia18 se viu tentado a fazer crítica de artes

plásticas e me propôs o problema. Esbocei a lápis, sem nenhum método nem maior reflexão, essa série de itens, de que vai cópia aqui [...]. O resultado, aliás, foi logo depois ele ter escrito uma página de crítica sobre o Bianco [trata-se do pintor Enrico Bianco (1918)], mas surpreendente de firmeza e de elevação de nível19.

Otília Arantes diferencia a crítica da “geração modernista” da que a sucedeu como a do “Grupo Clima”, cujo discurso erudito e culturalmente bem aparelhado, saído da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, discípulos dos mestres franceses (Jean Maugüé, Paul Arbousse-Bastide, Roger Bastide, Claude Lévi-

Strauss, Pierre Monbeig), marcou a crítica literária, de cinema, de teatro e de artes plásticas ao longo dos decênios de 40, 50 e 60 do século XX. O “Clima” era formado por Antonio Cândido de Mello e Souza (1918), Décio de Almeida Prado (1917-2000), Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977), Ruy Galvão de Andrada Coelho (1920-1990), Gilda de Mello e Souza (1919) e Lourival Gomes Machado (1917-1967), e seu nome advém da revista “Clima”, que circulou de maio de 1941 a novembro de 194420.

Entre os críticos de arte que atuavam em São Paulo nos anos de 1940, Sérgio Milliet (1898-1966), Ruben Navarra (1917-1955), Lourival Gomes Machado, Geraldo Ferraz (1905-1979) e Luís Martins (1907-1981), eram fortemente impregnados dos ideários e proposições estéticas do modernismo e, por essa razão, passaram ao largo da discussão sobre o abstracionismo, que coube a Mário Pedrosa desfraldar. Daí adveio a reputação de principal “teórico do abstracionismo no país”, o que o distingue dos demais.

O livro de Lourival Gomes Machado “Retrato da arte moderna do Brasil”, publicado em 1947, permite ao leitor vislumbrar a trilha que essa geração de críticos “defensores da tradição modernista” pensava no âmbito desse projeto estético: “a afirmação da existência de uma arte moderna brasileira, com características e perfil próprios, assentada em um chão intelectual e cultural propício à sua formação e sedimentação, em diálogo constante com a produção artística internacional. Não se trata, pois, de uma arte transplantada artificialmente, como deixaria entrever se, no lugar da combinação prepositiva do, o autor tivesse empregado no”, além de defender que a “autêntica” matriz da arte brasileira foi produzida no período colonial, daí o tripé Paris, São Paulo e Minas Gerais, no qual Lourival Gomes Machado se apoiou para analisar a arte moderna do Brasil, conforme aponta Heloisa Pontes.

O mesmo suporte que serviu de base para a formulação do ideário modernista e que norteou a política cultural do SPHAN levou Lourival Gomes Machado à utilização do “cânon modernista” para analisar a produção pictórica e arquitetônica do Brasil, o que evidencia que a Semana de Arte Moderna de 1922 era reconhecida como o marco inaugural da “autêntica” história cultural brasileira e, conseqüentemente, atesta o grau de hegemonia dessa tradição no campo intelectual paulista que atuava na crítica de artes plásticas21.

A obra de Portinari não passou incólume por nenhuma seção de arte de jornais e revistas no Brasil. Entretanto, a nossa opção de “re-visitar” sua obra em algumas revistas e/ou hebdomadários da cidade do Rio de Janeiro mostra que o “cânon modernista” estava passando por um processo de “oficialização” com a construção do edifício do Ministério

da Educação sob o mecenato Capanema, prédio que se tornou um marco simbólico da arquitetura e das artes plásticas no Brasil.

A “re-visitação” da obra portinariana permite mostrar que as análises de Mário de Andrade balizaram a crítica sobre o pintor. Alguns analistas chamaram a atenção para a “crítica apologética” que o autor de “Paulicéia Desvairada” costumava fazer das obras de quaisquer artes dos amigos, o que ele próprio confirmou em diversas ocasiões:

E eu, insisto em que toda e qualquer crítica deve ser isso, ser principalmente isso: um ato de amor [...].

Em outro momento, numa crítica feita em 1944 ao livro “Fogo Morto”, de José Lins do Rego, Mário de Andrade expressa o seu dilema de crítico didático e analítico:

Felizmente que já não sou mais crítico profissional de literatura, basta! Hoje eu sobrenado na calmaria virtuosa da crítica apologética, que tanto enquizila a crítica profissional [...].

E continua a sua explicação sobre o que significa “crítica apologética”:

[...] como esta crítica prova, que eu escolho pra estudar apenas os que admiro e amo. “Posso” fazer isso porque não sou profissional de crítica mais, embora me atribua sempre responsabilidade. E escolhendo pra estudar e louvar, apenas os que admiro, posso dar sim expressões apaixonadas, mas sempre generosas, de amor, mas me isento de dar manifestações espetaculares de incompreensão [...]22.

As missivas entre Mário de Andrade e Portinari permitiram que Annateresa Fabris vislumbrasse a “história de uma amizade” e o comportamento do escritor no exercício da “crítica de arte” quanto às obras do pintor:

“A amizade entre Portinari e Mário de Andrade data de 1931 [...]. A