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1 Centralização política e ações de saúde no sertão piauiense.

GOVERNADORES DO PIAUÍ DURANTE A REPÚBLICA VELHA

Nº Governador Período Formação Naturalidade Presidente 92 ibid., p.88 93 ibid., p.92 94

O quadro acima foi montado a partir de informações presentes em: Governadores do Piauí: uma perspectiva histórica. Teresina: Fundação CEPRO,1993; MACAMBIRA, Dalton Melo. O Piauí na proclamação da República. In: Carta CEPRO, Teresina: julho/dezembro 1986 .e BASTOS,Cláudio de Albuquerque. Dicionário Histórico e Geográfico do Estado do Piauí. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1994.

01 Gregório Taumaturgo de Azevedo

26/11/1889 a 04/06/1890

Bel.Direito ,

Militar Barras (PI) Deodoro da Fonseca 02 Gabriel Luí

s Ferreira

28/05/1891 a

21/12/1891 Bel. Direito Valença (PI) Deodoro da Fonseca 03 João Domingos Ramos 29/12/1891 a

11/02/1892 Militar - Floriano Peixoto 04 Coriolano de Carvalho

Silva

11/02/1892 a

01/07/1896 Militar Barras (PI) Floriano Peixoto 05 Raimundo Artur de

Vasconcelos

01/07/1896 a 01/07/1900

Engenheiro

Barras (PI) Prudente de Morais/ Campos Sales 06 Arlindo Francisco

Nogueira

01/07/1900 a

01/07/1904 Bel. Direito Valença (PI)

Campos Sales/ Rodrigues Alves 07 Álvaro de Assis Osório

Mendes

01/07/1904 a

05/12/1907 Bel. Direito Oeiras (PI)

Rodrigues Alves/Afonso Pena 08 Areolino Antônio de

Abreu

05/12/1907 a

31/03/1908 Médico Teresina (PI) Afonso Pena 09 José Lourenço de

Morais e Silva

31/03/1908 a

01/07/1908 Bel. Direito

Castelo do

Piauí(PI) Afonso Pena 10 Anísio Auto de Abreu 01/07/1908 a

06/12/1909 Bel. Direito Teresina(PI)

Afonso Pena/ Nilo Peçanha 11 Manuel Raimundo da Paz 06/12/1909 a 15/03/1910 Militar e Comerciante Alto Longá

(PI) Nilo Peçanha 12 Antonino Freire da Silva 15/03/1910 a

01/07/1912

Engenheiro

Civil Amarante (PI)

Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca 13 Miguel de Paiva Rosa

01/07/1912 a

01/07/1916 Bel. Direito Teresina (PI)

Hermes da Fonseca/Venceslau Brás 14 Eurípedes Clementino de Aguiar 01/07/1916 a

01/07/1920 Médico São José dos Matões (MA)

Venceslau Brás/Delfim Moreira e

Epitácio Pessoa 15 João Luís Ferreira 01/07/1920 a

01/07/1924

Engenheiro

Civil Teresina (PI)

Epitácio Pessoa/ Artur Bernardes

16 Matias Olímpio de Melo

01/07/1924 a

01/07/1928 Bel. Direito Barras (PI)

Artur

Bernardes/Washington Luís

17 João de Deus Pires Leal 01/07/1928 a

04/10/1930 Bel. Direito

São Bernardo

(MA) Washington Luís TABELA Nº 01

FONTE: ARQUIVO PESSOAL ALVARENGA, A. VALTÉRIA MELO

A primeira vez que um médico assumiu a principal função na administração do Estado foi em 1907-1908, quando Areolino de Abreu ocupou o governo do Piauí, por seis meses, em razão do afastamento para tratamento de saúde do então governador, o bacharel em Direito Álvaro Mendes. Nesse curto interstício foi atendida a antiga reivindicação das elites da capital, de criação de uma casa de recolhimento dos loucos que viviam perambulando pelas ruas da cidade: o Asilo dos Alienados.

A segunda experiência ocorreu em 1917, momento em que tomou posse no cargo de governador, o candidato eleito nas eleições de 1916 - o médico, farmacêutico e doutor pela universidade de Paris- Eurípedes Clementino de Aguiar.95 O novo governador, ao falar da saúde pública no Piauí, adota parâmetros utilizados pelas modernas teorias de saúde, o que contribuiu para desfazer antigos mitos nessa área no Estado.

A sociedade piauiense, ainda fundamentada no habitus constituído nas práticas da grande propriedade - móvel de sua formação social e política - oferecia resistência à constituição de um corpo médico significativo que favorecesse a formação de um campo profissional médico, ou seja, a formação de um espaço social de relações objetivas que na afirmação e dinâmica dos seus fundamentos fosse capaz de colocar em questão antigas verdades, práticas e hierarquias que, no caso em apreço, davam sustentação ao modelo político e social de então96.

Ciente da insuficiência da participação do poder público na solução dos problemas de saúde da população piauiense, e certo que o quadro que se apresentava exigia esforços para além da capacidade imediata do Estado, o Governador Antonino Freire conclamou a elite local que colaborasse com a causa da saúde no Estado, através de donativos às instituições de saúde existentes. Na verdade observa-se nesses documentos que mesmo o governo faz referência a essas instituições não como hospitais, mas como locais de assistência ou de caridade pública. Apesar do apelo, sentia que:

Do espírito de philontropia (sic) do nosso povo, também pouco se pode esperar, a julgar pelo que se observa em Theresina (sic), onde os donativos concorrem para a receita da Santa Casa com a pequena

95

Eurípedes Clementino de Aguiar pertencia a uma das oligarquias mais tradicionais desse Estado. Filho do Desembargador Helvídio Clementino de Aguiar , primeiro presidente do Tribunal de Justiça do Piauí, era um dos herdeiros do lendário Visconde da Parnaíba, que governou o Piauí por mais de vinte anos no século XIX.

96

Não existe nessa afirmação a intenção de fazer apologia à teoria do salvacionismo médico. O que se pretende mostrar com a ausência do campo médico é a dificuldade de inserção dos sujeitos, instituições e políticas sociais de saúde onde os mesmos não estavam constituídos.

quantia de 124.600 e as contribuições dos irmãos attingem (sic) apenas a 460$00097

Fazendo sempre menção ao quadro de dificuldades em que se encontravam as instituições pias de saúde, as autoridades públicas do Piauí procuravam despertar a compaixão da elite. Miguel de Paiva Rosa98 colocou, em meio a uma declaração sobre os desafios encontrados para controlar a epidemia de varíola que tinha feito inúmeras vítimas no decorrer do ano de 1913, que a Santa Casa de Saúde de Teresina ressentia-se de:

muitas faltas, pois o favor particular sempre esqueceu o nosso hospital e a caridade piauhyense (sic) jamais se manifestou por um gesto de altruísmo para com aquela casa. Vive Ella (sic), exclusivamente, dos benefícios das loterias nacionaes (sic), dos rendimentos dos serviços funerários e das quotas com que, para sua manutenção contribuem o município e o Estado99.

Pode-se inferir dos comentários realizados pelas autoridades estaduais a respeito da participação das elites locais na solução dos flagelos públicos que, embora se possa observar algumas mudanças no comportamento da sociedade com relação às doenças endêmicas, e ainda certa preocupação com a situação sanitária dos maiores centros do Estado, esse grupo social ainda não tinha atingido o que, fundamentado em Elias100, Hochman caracteriza como uma consciência dos elos de interdependência entre os diferentes elementos sociais e naturais. A consciência dessa interdependência, ao contrário de compaixão ou caridade, funda nas elites a necessidade de um agir coletivo voltado para o cuidado “ com os pobres, destituídos, desnutridos, doentes, iletrados ou quaisquer outros indivíduos que sofram adversidades temporárias ou permanentes,[...]”101

97

PIAUÍ, Antonino Freire. Mensagem Governamental apresentada à Assembléia Legislativa,1911. p. 18-19

98

Governador do Piauí no período de 01/07/1912 a 01/07/1916.

99

PIAUÍ. Miguel de Paiva Rosa. Mensagem Governamental apresentada à Assembléia Legislativa,1913,p.28.

100

ELIAS, Norbert. O processo civilizador: formação do Estado e civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, 2v.

101

A pequena motivação que orientava os membros da elite a prestarem alguma assistência às vítimas de flagelos de qualquer natureza, estava relacionada, em grande parte, às questões de natureza humanitária – cristã, presentes também na fala da autoridade pública. É o que os jornais da época mostram, com o intuito de ressaltar a grandeza do espírito cristão de alguns membros da sociedade política local, na atitude que levou, por algumas vezes, importantes famílias dessa sociedade a abrir suas residências para receber os desvalidos sociais em um almoço ou jantar de caridade, ou em outras ações similares.

Araújo102, analisando notícia veiculada no jornal “O Tempo” de 1905, comenta o comportamento da elite teresinense diante da intensa pobreza que recaía sobre uma parte da população. Após apresentar um quadro social marcado pela presença de mendigos e enfermos vivendo em condições de

extrema miséria por todo o meio urbano, informa que o referido periódico “ faz referência a um banquete em que o capitão Coriolano de Castro Lima e sua

esposa, Ana Vitória da Silva Lima, ofereceram aos pobres em sua residência. Acrescenta o jornal que é ‘digno de louvor’ este gesto caridoso”.

Em atitudes com esse caráter estava pautada a participação dos membros da elite piauiense nas iniciativas dirigidas aos desvalidos sociais. Com relação à situação de saúde e de pobreza desses sujeitos a elite sentia, além da compaixão um desconforto estético por ser obrigada a deparar-se com esses indivíduos ao transitar pelas vias e praças públicas onde viviam. Simultaneamente, manifestava-se também um medo difuso que foi se tornando permanente e intenso, à medida que as teorias médicas e as ações sanitárias iam se estabelecendo como orientadoras do comportamento e das práticas sociais e que a situação de segurança da cidade era colocada como deficitária .

Não se observou nas atitudes da elite piauiense evidências da tomada de consciência do significado político do constituir-se como cidadãos; dos elos que uniam os diferentes elementos da sociedade. Seguindo o raciocínio de Elias

102

(1993)103 sobre as atitudes produzidas pelos sujeitos integrantes dos espaços em processo de civilização, é possível afirmar que as elites piauienses não haviam compreendido que faziam parte de um sistema complexo de relações, onde o ser de um implicava inevitavelmente a conformação do ser do outro. Relações essas definidas pelo autor como uma configuração, presente em todo o mundo civilizado ou em processo de civilização.

Faltava às elites piauienses uma “disposição postural”104 para agir conforme práticas recomendadas pelas ciências médicas e exigidas na conformação de um mundo civilizado. O temor sentido pelas tensões próprias a essa estrutura não tinha sido suficiente para fazer esse grupo assumir responsabilidades sociais mais amplas. Em momentos de maior externalidade dessas tensões, como ocorrera com os surtos epidêmicos, a perturbação era atribuída às influências que vinham de fora.

Assim, a elite seguia tentando perseverar um modelo de sociedade cuja forma de poder definidor das relações sociais emanava não da estrutura resultante de negociação justa entre os diversos setores sociais, mas, dos arranjos políticos estabelecidos entre as famílias tradicionais e que serviam de medida à solução de qualquer problema. Esse tipo de relação entre sociedade e Estado dificultava a manifestação de políticas públicas voltadas para soluções de problemas que comprometiam o desenvolvimento e o bem - estar social, a exemplo dos manifestos na esfera da saúde da população.

A seguir, colocou-se um demonstrativo da organização dos serviços de saúde no Piauí: no mesmo, vê-se a Diretoria de Saúde e as Santa Casas de Misericórdia de Teresina, Parnaíba e Floriano. Embora fossem instituições de natureza privada sem fins lucrativos, essas instituições pias aparecem vinculadas à Diretoria de Saúde Pública, em razão de parte do orçamento destinado às suas despesas ter origem nos cofres públicos. O Asilo dos Alienados, vinculado diretamente à DSP, era administrado pela Santa Casa de Teresina. Somam-se as

103

ELIAS, Norbert. op.cit., passim

104

já citadas instituições os postos sanitários e ambulatórios que funcionaram de forma irregular, quase sem nenhum recurso, em alguns municípios do Estado: