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1 Centralização política e ações de saúde no sertão piauiense.

ORGANIZAÇAO DOS SERVIÇOS SANITÁRIOS DO PIAUI-

FIGURA Nº 07

FONTE: PIAUI. Diário Oficial do Estado do Piauí, Teresina, 4/03/1942

O Regulamento do Departamento de Saúde reafirmou o DSP como o centro de administração, coordenação e execução de todas as atividades relativas à saúde pública no Piauí. O DSP tinha o dever não só de oferecer ações médicas

assistenciais, mas de realizar trabalhos de educação sanitária junto à população dos vários municípios. A intervenção nas comunidades deveria ser feita através de conferências, palestras públicas e particulares, publicação de artigos de educação sanitária, distribuição de folhetos, postais e cartazes de propaganda, chegando até a ser ventilada a criação de um museu de higiene. Ficou ainda estabelecido como sua competência a montagem de um sistema de informação preciso a respeito da saúde pública dos piauienses, produzido através de estudos epidemiológicos das doenças transmissíveis, da organização da estatística demografo – sanitária, do serviço de polícia sanitária de todos os imóveis públicos e particulares, dos logradouros e espaços públicos.

O Centro de Saúde previsto para a capital do Estado foi criado em 10 de novembro de 1938. A sua administração foi projetada visando obedecer ao princípio da descentralização das atividades, ao tempo em que procurou instalar as condições essenciais a uma repartição de saúde. Dentre os serviços oferecidos pelo Centro de Saúde estava o de combate à lepra. Esse serviço fazia verificação das notificações que o Centro recebia a respeito da doença no domicílio ou no local de trabalho daquele sobre o qual era realizada a denúncia. Nesses casos, ocorria uma investigação cuidadosa, procedendo-se a uma classificação do doente sob os pontos de vista clínico, bacterioscópio e epidemiológico. Visando minimizar os efeitos negativos produzidos pela doença e, com a finalidade de atrair maior número de contaminados pelo bacilo, a unidade responsável por esse serviço recebeu o nome de “Dispensário de Doenças da Pele”, o que, segundo especialistas locais, facilitaria a frequência e a regularidade no tratamento do mal de Hansen.

Observa-se, no rol das mudanças implementadas na estrutura de saúde pública do Estado, que as autoridades e a sociedade civil piauienses não só demonstravam maior preocupação com a lepra, como se apresentavam dispostos a contribuir com iniciativas que visavam o seu controle e combate. Dois nomes destacaram-se em prol desse objetivo no Estado: Cândido de Oliveira Silva que chegou a ocupar a chefia do Serviço de Profilaxia da Lepra e Mirócles Veras, o médico e prefeito parnaibano que participou da construção e manutenção do leprosário São Lázaro. Esses médicos foram pioneiros da ação

institucionalizadora do controle da enfermidade no Piauí. Um indicativo de que o assunto assumiu maior importância no debate da classe médica local pode ser verificado na Ata da 5ª sessão da Semana Médica do Piauí, realizada pela Sociedade Piauiense de Medicina e Cirurgia.201

Nessa sessão, presidida por Dr. Sebastião Martins de Araújo e secretariada por Dr. Lineu Araújo, Dr. Cândido Silva fez apresentação de um doente de lepra que após tratamento, mostrava lesões residuais no olho esquerdo e no dedo mínimo esquerdo (atrofia). O caso serviu como exemplo a alguns pontos destacados na longa dissertação que apresentou a respeito do problema da lepra. Fez exposição dos conhecimentos mais recentes a respeito da doença, mostrando que a saúde pública no Piauí estava procurando ficar em sintonia com as modernas orientações obtidas nesse terreno. Citou as formas clínicas da doença, a importância do diagnóstico precoce e o tratamento medicamentoso que estava sendo usado para o tratamento da lepra nas demais regiões do país. Revelando conhecimento sobre esse último aspecto, destacou que no Piauí, além dos óleos de chaulmoogra e sapucainha, vinham sendo bastante utilizados os “saes de ouro” e ainda os iodados202.

Naquela oportunidade, o médico conferencista analisou as questões da epidemiologia da lepra, pôs em relevo a necessidade de recenseamento, o papel do dispensário, a importância da propaganda e educação sanitária e a influência da cooperação privada. Finalizou apreciando o problema no Piauí, onde existiam, segundo estimativa sua, cerca de 300 leprosos. Por fim, apresentou uma planta da cidade de Teresina, em que se encontravam assinaladas as residências dos doentes, destacando nessa planta, o raio de abrangência de cada um no que diz respeito aos riscos de contágio203.

201

PIAUÍ. Diário Oficial do Estado do Piauí. Teresina, 02/07/1938. p.13. Nessa edição foi publicada a Ata da 5ª sessão da Semana médica do Piauí. Realização da Associação Piauiense de Medicina e Cirurgia.

202

Sobre o tema, ver SOUZA, Letícia P. Alves de. Sentidos de um país tropical: a lepra e a Chaulmoogra brasileira (1920 -1950). Dissertação de mestrado defendida pela– FIOCRUZ, 2009.

203

Visando evidenciar os esforços do governo Leônidas Mello em relação ao assunto, o Diretor de Saúde Pública do Estado, Dr. Sotero Vaz da Silveira, salientou a atuação das autoridades sanitárias estaduais no combate à lepra, ressaltando que a Diretoria de Saúde Pública há muito vinha se preocupando com a solução do problema. Lembrou que fizera parte pessoalmente na procura de um terreno para o leprosário de Teresina, cuja construção estava retardada em razão da verba ter sido transferida para o Paraná. Destacou ainda, que todas as condições materiais e logísticas estavam sendo postas a Cândido Silva, para que ele pudesse realizar o censo da lepra no Estado.

Em agosto de 1939, a revista da Associação Piauiense de Medicina, noticiou a organização do Serviço de Lepra no Piauí, criado pelo Dec. Nº 181, de 14 de abril de 1939. Esse serviço foi reorganizado pelo Dec. 238, de 13 de fevereiro de 1940, que instituiu o Serviço de Profilaxia da Lepra, subordinado ao Departamento de Saúde Pública, com a seguinte organização: chefia; colônia para internamento dos leprosos contagiantes e inválidos; dispensários para recenseamento e exame dos doentes e comunicantes, investigações epidemiológicas, vigilância e tratamento dos leprosos não contagiantes e o preventório.

Assistiu-se, a partir de então, ao surgimento no Estado de várias iniciativas que apresentavam relação com a doença. No oficio nº 120, de 14/03/1939 o Diretor de Saúde Pública comunicou ao Secretário Geral a nomeação do Dr. Cândido de Oliveira Silva para dirigir os serviços de Higiene do Interior e Lepra nesse Estado. De 12 a 20 de novembro daquele ano, Cândido Silva e Mirocles Veras foram ao Rio de Janeiro representar, respectivamente, o Piauí e a cidade de Parnaíba na Conferência de Assistência Social aos Leprosos.

É verdade que tais iniciativas mostravam-se acanhadas quando comparadas as já desenvolvidas em outras regiões do país. A pouca incidência das mesmas era justificada pelas autoridades médicas em razão do pequeno número de leprosos no Piauí. Mas, embora não fosse possível compará-lo ao apresentado em outras regiões do país, as autoridades públicas piauienses afirmavam que o

número de casos no Estado vinha crescendo a cada ano. Diziam que em poucos anos a lepra se constituiria sério problema de saúde pública caso não fossem tomadas as medidas para conter seu avanço.Procurando ressaltar o trabalho do governo Leônidas Mello no combate a essa endemia, aqueles médicos , que também eram parte da burocracia do Estado, defendiam que a transformação do leprosário de Parnaíba no leprosário do Estado, bem como a instalação do Serviço de Profilaxia da Lepra, tinham constituído grandes passos para o controle da doença no Piauí.

Pelo Decreto Nº 225, de 09 de abril de 1939204, o governo do Estado abriu crédito especial de 120:000$000, aumentado-o posteriormente esse crédito, através do Decreto Nº 384, de 5 de junho de 1941205 para 194:000$000,valor destinado às obras de construção e melhoria de pavilhões e outras dependências do Leprosário São Lázaro. Em 13 de abril de 1940, visando assegurar uma administração nos moldes orientados pela moderna ciência médica, o governo do Estado assinou contrato por um ano, com o médico carioca leprologista, Dr. Nelson Camilo de Almeida, para que esse dirigisse a Colônia. No final daquele período, o médico passou a direção do estabelecimento a outro leprologista, tendo em vista que a renovação do contrato estabelecia que o dirigente da instituição nela fixasse residência.

Além de investimentos na estrutura e funcionamento da Colônia, o Estado realizou também algumas atividades de informação da população sobre a doença. Como chefe do Serviço da Profilaxia da Lepra, Cândido Silva publicou artigo na revista da Associação Piauiense de Medicina,206 onde procurou informar as soluções que vinham sendo dadas ao problema da lepra no Piauí. Após destacar apoio que a saúde pública vinha recebendo do interventor federal Leônidas Mello, informou que a criação do Serviço de Profilaxia da Lepra , nos moldes perfeitamente atualizados, tinha exigido a criação de novos setores na organização sanitária do Piauí.

204

PIAUÍ. Decreto Nº 225, de 09 de abril de 1939.

205

PIAUÍ. Decreto Nº 384, de 5 de junho de 1941

206

SILVA, Cândido. Lepra no Piauí. In: Revista da Associação Piauiense de Medicina, Teresina 1941.p 60-64.

Neste artigo, o chefe do Serviço de Profilaxia da Lepra apresentou o resultado do censo da lepra, mencionado por Vaz da Silveira na 5ª sessão da Semana Médica do Piauí. Nele, o recenseador advertiu que o apanhado das condições em que se encontrava a endemia leprótica no Piauí não permitia conclusões definitivas. Informou que a metodologia utilizada para identificação do doente tinha partido de informações obtidas por pessoas residentes em todos os municípios: médicos, farmacêuticos, vigários, comerciantes e muitas outras. Destacou que as condições gerais do território piauiense, densidade demográfica muito baixa na maior parte da região, núcleos populacionais, via de regra, pequenos e muito disseminados, grandes áreas sem condições de tráfego exigiram um trabalho muito demorado, razão pela qual tinha findado o levantamento dos dados apenas em 1941.

A pesquisa foi realizada em 37 dos 47 municípios do Piauí, cobrindo uma área de mais de 4.000km. O tempo necessário à obtenção das informações foi de quase 12 meses. Os dados produzidos revelaram a presença da doença em 21 dos municípios visitados, atingindo um percentual de quase 57% das áreas recenseadas. Ficou constatada a presença de leprosos em todas os municípios marginais ao Rio Parnaíba. As áreas ribeirinhas de maior ocupação e circulação de pessoas na época eram as mais afetadas pela doença. Sem que fossem considerados os casos suspeitos, estimava-se que o número de doentes no Piauí estava em torno de 300.

É importante observar que a pesquisa foi realizada exclusivamente pelo informante, em todos os municípios citados. Isso significa que, mesmo com muita boa vontade, a capacidade de alcance do recenseador era pequena. Muitas vezes a informação apresentada pela comunidade a respeito da existência de um doente em uma determinada localidade ficava impedida de ser conferida, em razão da dificuldade de acesso ou da distância que o suposto doente se encontrava do recenseador. Nos 21 municípios onde foram confirmados casos de lepra, o quadro dessa endemia ficou assim distribuído: