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1 Centralização política e ações de saúde no sertão piauiense.

SITUAÇÃO DA LEPRA NO PIAUÍ 1959/

ANO INTERNOS INCIDÊNCIA PREVALÊNCIA

1959 191 81 630

1960 175 56 677

1961 153 35 701 1962 147 32 794 TABELA Nº 07

FONTE:Adaptada a partir de informações presentes em Porto, Carlos Eugênio,s/d.

Embora se observe uma redução nas internações a partir de 1960, a prevalência da doença continuou crescente, o que implicou o aparecimento de novos casos. Também contava para o grande número de internos na Colônia, o fato de pessoas que haviam recebido alta serem readmitidas no leprosário, seja pelo retorno da doença, seja porque desejavam voltar a viver naquele local por questões familiares e de convivência com as demais pessoas.

Os prontuários dos doentes, referentes a esse período, mostram a dificuldade de manutenção desses indivíduos na instituição asilar, fato que pode ser explicado pela más condições acima descritas. A permanência no local parece não ser ato de vontade do interno, pois a saída fica sempre registrada por alta, ou fuga. A primeira condição era possível quando o paciente recebia diagnóstico de cura, após submeter-se a uma série de exames. A fuga, definia-se como a saída espontânea e irregular do doente do espaço da colônia. Por ser considerada uma transgressão, culminava com a penalização do fugitivo capturado, que ia desde a perda de pequenas regalias até o isolamento do indivíduo, por alguns dias, em celas de uma cadeia que funcionava na Colônia.

O Decreto Nº 968, de 07 de maio de 1962260, e o Decreto nº 49.974- A261, de 21 de janeiro de 1961, que em algumas regiões do país apenas

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BRASIL. Decreto nº 968 07 de maio de 1962.Baixa normas técnicas especiais para o combate à lepra no país e dá outras providências.

legalizaram posições que já vinham sendo tomadas desde a instituição da CNCL, no Piauí tiveram a mesma recepção da Campanha Nacional de 1959. Esse último Decreto, tratava do estabelecimento das normas gerais de defesa e proteção da saúde, onde estavam estabelecidas algumas recomendações ao tratamento da lepra a ser seguidas pelo SNL.

O Decreto Nº 968/62 previa no Art. 16 a atribuição das Unidades Federativas na luta contra a endemia leprótica. Esse artigo, definia que a execução dos serviços poderia, conforme já definido na CNCL em 1959, ser realizada por unidades não especializadas de saúde, desde que orientadas e fiscalizadas pelo SNL. Ao Estado, era ainda possibilitado declinar de forma parcial ou total dessa atribuição, cabendo nesses casos, ao Serviço Nacional da Lepra assumir a responsabilidade pelos serviços

Do ponto de vista prático, esse Decreto não surtiu o efeito esperado. Maciel262 coloca que pelo menos no campo médico não ocorreu nenhum debate significativo sobre as condições e mudanças que a determinação legal poderia trazer para sociedade. Atribuiu a pouca importância assumida pelo Decreto ao fato de juridicamente o mesmo não possuir força para revogar a Lei 610/49, que instituiu o isolamento compulsório. Também considerou que a ausência da definição de ações ou de omissões definidas como falta, ilícito ou mesmo crime, que gerasse uma penalização aos seus responsáveis, fez do Decreto uma norma fraca.

Destacou-se, ainda, que o fato do Decreto se constituir uma medida menos popular, uma vez que não se originou de um amplo debate da população ou pelos seus representantes legais, talvez possa explicar o pequeno impacto que provocou junto à comunidade médica e à própria sociedade. Permite-se discordar da pesquisadora nesse aspecto, pois, embora o Decreto seja uma prerrogativa do executivo e , no caso específico, do primeiro ministro, desde a segunda metade da década de 50, o Serviço Nacional da Lepra vinha realizando

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BRASIL. Decreto nº 49.974-A, de 21 de janeiro de 1961.

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Campanha com o objetivo de estabelecer uma ampla ação de combate a doença, envolvendo pessoas e instituições de várias naturezas.

Então, tem-se a impressão de que as condições para o debate com a sociedade foram estabelecidas bem antes da assinatura do referido Decreto. O que deve ser levado em consideração é a forma como a sociedade respondia às novas orientações do Estado ao tratamento do doente. Como já foi dito no primeiro capitulo, a lepra não era uma endemia com trajetória comum na história da humanidade. A sua presença, antes de ser caracterizada do ponto de vista científico, tinha adquirido uma mística que materializava fortes preconceitos e estigmas. Portanto, mesmo que no século XX a ciência tivesse se tornado um importante canal de diálogo de alguns setores sociais com a realidade, ainda prevalecia muito das formas anteriores de compreensão do mundo e da realidade humana.

Também é necessário observar o contexto político e social da assinatura do Decreto. Sem deixar de reconhecer a importância que assumiram as descobertas científicas com relação à lepra e a outras endemias, é necessário que se destaque que, mesmo a Lei 610/49 sendo do período de redemocratização, a cultura política dominante ainda estava muito afetada pela natureza que tinha assumido o Estado nos anos anteriores. Outro elemento que conta para a prevalência das determinações estabelecidas na Lei é a política que vinha sendo desenvolvida com relação à lepra há quase 40 anos, onde o isolamento compulsório era colocado como a norma profilática essencial.

Assim, parece-nos que a resposta oferecida pela sociedade piauiense, seja ela médica ou geral, às determinações do Decreto 980/62, foram aquelas que melhor se ajustaram à estrutura psíquica e material que historicamente fora construída em torno da doença. Mas, embora não tenha produzido o efeito esperado não se pode dizer que o Decreto foi totalmente desconsiderado. O mesmo foi sendo assimilado nas proporções que os atores envolvidos nesse processo, doentes, familiares, especialistas, sociedade sã e o próprio Estado, consideravam convenientes na teia de relações que a doença permitira montar.

Como em outras regiões do país, a Colônia do Carpina continuou internando doentes e aplicando as severas normas de funcionamento praticadas nos leprosários no contexto de vigência da Lei 610/40. As internações ocorreram de forma regular por toda a década de 70 e ainda puderam ser realizadas até meados de 1980.

Porto, ao falar sobre as endemias rurais no Piauí no início da década de 70, testemunha que a luta contra a lepra no Estado continuava pautada nas orientações do isolamento compulsório. O pesquisador afirmou que o armamento contra a doença no Piauí, constava, essencialmente, de uma “Colônia, pessimamente localizada em Parnaíba, além de um Preventório e de um serviço vinculado ao centro de Saúde, de Teresina263”. Ao apresentar as condições do isolamento no Estado, colocou que a precariedade de funcionamento da Colônia levou os doentes à realização de protestos públicos:

Ao tempo que conheci a Colônia do Carpina, a superlotação, a má qualidade da comida e a quase absoluta falta de manutenção e reparos nas dependências da Colônia provocavam desentendimentos e protestos da parte dos doentes. Passeatas de doentes pelas ruas da cidade, em sinal de protesto, eram quase rotineiras. [...]264

Atualmente a Colônia mantém, de sua estrutura física, apenas a área central: alguns pavilhões usados para abrigar os internos masculinos e femininos, parte do que era usada para a administração e o refeitório. As demais instalações desapareceram ou se encontram em ruínas. Funciona no local, o Hospital Colônia do Carpina, onde vivem 29 moradores. Alguns são remanescentes do período do isolamento, outros chegaram depois, e ali se instalaram. O espaço é hoje administrado pela Secretaria Estadual de Saúde , que vem procurando, sem sucesso, transferir esses moradores para outro local, para que, segundo informações prestadas pelas autoridades, possa o mesmo ser destinado a outra finalidade.

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PORTO, Carlos Eugênio. op.cit.,p.181.

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É sobre esse espaço que se passará a tratar no próximo capítulo. O objetivo é iniciar realizando uma caracterização socioeconômica de Parnaíba no início do século XX. Em seguida discutir o processo de instituição do leprosário São Lázaro, caracterizando sua população nos mais diversos aspectos. Avaliar as condições produzidas com a transformação dessa instituição em leprosário oficial do Estado e, tentar encontrar quem eram os homens e as mulheres que viveram naquele espaço; que importância lhes fora destinada no projeto de modernização nacional em que se inseriu o Piauí e como os mesmos responderam ao tratamento que lhes foi dispensado pelo Estado e pela sociedade ao longo dos anos.

CAPITULO 3