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1 Centralização política e ações de saúde no sertão piauiense.

3 UM LEPROSÁRIO NO PIAUÍ: PARNAÍBA ACOLHE A MODERNIDADE

Esse capitulo tem como finalidade analisar a recepção da política nacional de controle e combate a lepra pela sociedade piauiense. Para essa análise, partiu-se do modelo de tratamento definido como tripé: O leprosário, o dispensário e o preventório, focando, principalmente, nos elementos que maiores impactos produziram na vida dos doentes e dos seus familiares: o leprosário e o preventório. Para melhor organização textual, o capítulo foi dividido em três seções. a primeira seção mostra a trajetória histórica do município de Parnaíba-PI, local onde foram instalados o leprosário, o preventório e um dos dispensários do Estado. O objetivo dessa unidade é analisar as condições que favoreceram a manifestação da preocupação da elite desse município com o que Hochman265 chamou de externalidades. Na segunda parte do capitulo, foi apresentada a história do isolamento dos portadores de lepra no Piauí, através da trajetória da única instituição asilar que funcionou nesse Estado com tal finalidade- A Colônia do Carpina.

Em seguida, foi tratado do preventório, Educandário Padre Damião. A instituição mantida pela Sociedade de Amparo aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra de Parnaíba passou a receber os filhos sadios dos piauienses doentes de lepra, a partir de 1943. Finalizou-se essa unidade, apresentando aspectos do funcionamento do preventório e estabelecendo relações entre o que estava definido como orientação das políticas nacionais e o que , de fato, foi possível ser realizado, nesse sentido, no Estado.

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3.1 A Belle époque piauiense

Não existe em Parnaíba acanhado espírito de bairrismo, e a cidade abrindo as portas para acolher no seio todos os elementos capazes de contribuir com esforço e trabalho para sua prosperidade, acaba adotando-os como filhos e conquistando-lhes para a sempre o amor e a veneração. Parnaibano é todo habitante de Parnaíba que concorre com a sua pedra para o edifício comum do nosso progresso.

THOMAZ CATUMBA266

Parnaíba está localizada no extremo norte do território piauiense e dista 376 km por via terrestre da capital do Estado. Possui um clima úmido e quente no inverno e ventilado e seco no verão. Limita-se ao Norte com o Oceano Atlântico; ao Sul com a cidade de Cocal; ao Leste com Luiz Correia e ao Oeste com Buriti dos Lopes e com o Estado do Maranhão. Fica situado à margem direita do Igaraçu, um dos braços do caudaloso Rio Parnaíba, em uma região de planície que se estende de Leste a Sul, fazendo fronteira com a Ilha Grande de Santa Izabel.267

Como tantas outras cidades do sertão piauiense, Parnaíba nasceu de uma fazenda de gado. O seu núcleo urbano inicialmente foi formado por um agrupamento de casas sem ordem nem alinhamento. Lima Rebelo268 coloca que esse casario foi, aos poucos, ligando-se às novas edificações e constituindo o núcleo central da povoação atual. Em 18 de agosto de 1762, foi instalada a Vila de São João da Parnaíba , tendo como sede o povoado Testa Branca. O local escolhido como sede da Vila pelo então governador do Piauí, João Pereira Caldas, não foi bem aceito pela população local que ofereceu como alternativa o Porto das Barcas. Nesse último, já se realizava um importante comércio de

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CORREIA, Benedito Jonas e LIMA, Benedito dos Santos. (orgs.) O Livro do centenário de Parnaíba, op.cit., 1945. p.62

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Almanaque do cariri 268

CORREIA, Benedito Jonas e LIMA, Benedito dos Santos. (orgs.) O Livro do centenário de Parnaíba. op., cit., p.46-47.

charque com as províncias de Pernambuco, Bahia, Maranhão, Pará e Rio de Janeiro, diferentemente do local escolhido para sede da vila que não possuía atrativos econômicos e ainda apresentava uma população rarefeita.269

A despeito do desejo dos comerciantes parnaibanos, João Pereira Caldas inviabilizou essa mudança nos 10 anos em que esteve à frente do governo do Piauí. Apenas em 1770, no governo de Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, a elite de Parnaíba conseguiu efetivar tal projeto, transferindo a sede da Vila para a localidade Porto das Barcas. Berço de importantes nomes da história do Estado, Parnaíba, no curso de sua evolução histórica, integrou vários momentos da construção política e social do país. Participou da consolidação da independência do Brasil no Centro-Norte, ao se constituir importante núcleo do movimento nessa região. Através da ação de Simplício Dias da Silva, João Cândido de Deus, Leonardo Castelo Branco e de outros homens conhecidos e anônimos da terra, o Piauí atuou, ativamente, na luta pela autonomia política do Estado brasileiro. Parnaíba foi, desde o principio, não apenas um importante centro comercial, mas por muitos anos, a área de maior efervescência cultural e política do Piauí.

Elevada à categoria de cidade em 1844, Parnaíba se notabilizou no norte do país especialmente pelo importante comércio que desenvolveu com os diversos municípios do Estado, com outras regiões e ainda com mercados de outros países. Mas, a motivação que a sociedade parnaibana apresentou para as atividades comerciais foi dificultada pela falta de estrutura do Estado e pela ausência de políticas públicas ou iniciativas privadas que contribuíssem para a superação dos problemas que traziam dificuldades à expansão daquele comércio. Faltou aos comerciantes de Parnaíba e às autoridades públicas piauienses sagacidade para compreender a dinamicidade da lógica capitalista, a necessária superação da fase de mercantilização dos produtos naturais e o investir em uma produção industrial capaz de gerar as condições necessárias à reprodução ampliada do capital que os negócios requeriam.

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As mercadorias e produtos entravam e saíam de Parnaíba principalmente pelo rio homônimo, pois até a segunda metade do século XX as rodovias no Estado eram poucas e apresentavam péssimas condições de conservação. As alternativas defendidas eram a ampliação da Estrada de Ferro Central do Piauí270 e a construção do Porto de Amarração. A primeira, mesmo com avanços e retrocessos, foi colocada em prática no decorrer da primeira metade do século XX. Mas, a malha ferroviária sempre foi insuficiente para cobrir boa parte do trajeto realizado pela mercadoria parnaibana no Estado, pois até meados da década de 1940, sua extensão alcançava apenas a cidade de Piripiri, que fica a menos de 200 km de Parnaíba. Quanto ao Porto, estabeleceu- se o início de uma luta histórica para sua construção, por ser o mesmo considerado a alavanca do progresso no Estado.

Com todas as dificuldades encontradas, a economia parnaibana apresentou tendência ao crescimento até meados do século XX. A cidade possuía uma Alfândega desde o início do século XIX. A iniciativa de criação desse órgão partiu dos comerciantes parnaibanos Simplício Dias da Silva e Manuel Antônio da Silva Henriques que recorreram ao governador Pedro José César de Menezes. A justificativa para a implementação da mesma foi a ampliação do mercado parnaibano com o Maranhão, Pará, Ceará, Pernambuco, Bahia, e até Rio de Janeiro271.

Napoleão do Rego ( 2010)272 coloca que os frutos desse empreendimento foram rapidamente colhidos. Segunda essa pesquisadora, o Marques de Paranaguá teria chamado a atenção para a importância do investimento federal no Piauí, em sessão realizada na Câmara dos Deputados. Através de certidão da dita Alfândega, mostrou o crescimento da receita municipal que de 6.700,000 réis no exercício de 1852 a 1853 atingiu o montante de 32.786.000 réis no ano

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Sobre a construção da primeira via férrea do Piauí ver a obra: CORREIA, Benedito Jonas e LIMA, Benedito dos Santos. (orgs.)do Centenário da Parnaíba, op.cit, p.272, onde os autores tratam da iniciativa de Jonas de Moraes Correa e da Sociedade por ele constituída com Antonino Freire e João Cabral com essa finalidade.

271

Ibid.

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NAPOLEÃO DO REGO, Junia Antonnaci. Dos sertões aos mares: História do comércio e dos comerciantes de Parnaíba (1700-1950). Tese de Dourado realizado no Programa de História Social da UFF. Niterói, 2010.

seguinte. Porém, parte do lucro gerado por esse comércio ficava no transporte das mercadorias, pois a saída dos produtos parnaibanos por via marítima era realizada pelo porto de Tutóia, no Maranhão, demandando tempo e tornando o comércio externo menos rentável.

Apesar dos entraves, o litoral parnaibano tornou-se um diferencial no sertão piauiense. Misto de aristocracia com uma burguesia em desenvolvimento, essa sociedade aperfeiçoou a tradição extrativa e pecuarista do Estado, desenvolvendo o grande comércio de produtos do extrativismo vegetal e dos derivados do gado vacum. Com isso, as possibilidades econômicas apresentadas pela região atraíram não apenas a mão de obra que excedia pelos vários municípios do Piauí, Maranhão e Ceará, mas também investidores nacionais e estrangeiros como os ingleses Paul Robert Singlehurst e James Frederick Clark, proprietários da Casa Inglesa e os franceses Marc Jacob e Lazare Jacob, proprietário da Casa Comercial Marc Jacob que, no século XIX estabeleceram firmas na cidade.

A crescente atividade comercial de Parnaíba favoreceu a manifestação de uma cultura modernizante que se misturou aos costumes aristocratas. A respeito de Parnaíba do início do século XX, Campos, em crônica escrita para homenagear o centenário de sua emancipação política, mostrou o seu encantamento ao descrevê-la, assim: “Remanescente da educação clássica dos velhos solares patriarcais, aquela modalidade de vida citadina impressionava agradavelmente e se tornava a nota mais destacada da sociedade parnaibana273”.

Parnaíba, como toda formação social erigida no ritmo do seu desenvolvimento, apresentava problemas estruturais de maior gravidade que os casos de mesma natureza existentes em cidades planejadas como Teresina. O professor João Campos informou que, quando chegou em 1912 à Parnaíba, a sua arquitetura ainda não possuía a simetria de uma cidade bem organizada. Predominavam as ruas tortuosas e cheias de muros e cercas, produzindo uma visão desagradável, à primeira vista.

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CAMPOS, João. Parnaíba em 32 anos.In: CORREIA, Benedito Jonas e LIMA, Benedito dos Santos (orgs.). Centenário da Parnaíba, op.cit., p. 318

A entrada principal de Parnaíba era realizada através do rio Igaraçu, sem qualquer planejamento arquitetônico e urbanístico. O desordenamento urbano pode ser medido pela ausência de uma definição dos espaços públicos necessários ao atendimento das necessidades da população. O espaço que deveria ser destinado ao arruamento para o trânsito de quem chegava e saía da cidade estava ocupado pelos fundos dos quintais dos casarios da elite local, cobrindo uma área que “se estendia do Recreio à Quarenta, interceptavam as ruas urbanas e suburbanas,[...], só permitindo descortinar-se o panorama da cidade, no trecho compreendido entre a Rua dos Barqueiros e as Docas da Casa Inglesa”274

Além da estrutura da cidade, outro fato que chamou a atenção do recém- chegado foi a disposição que observara nos habitantes daquele local para o trabalho. Descreveu o movimento intenso das ruas, onde, segundo o mesmo, tudo evidenciava atividade, sem que houvesse espaço para a ociosidade naqueles que por ali transitavam. A movimentação de pessoas pelas ruas da cidade, de estivadores que subiam e desciam ladeiras arrastando mercadorias dos portos para os diversos armazéns comerciais e vice-versa, é comentada, também, por Renato Castelo Branco.275

No entanto, a dinâmica econômica e cultural de Parnaíba impunha o desenho de um traçado da cidade que melhorasse as condições existentes e favorecesse a instalação de novos serviços e hábitos à crescente população. Com o crescimento urbano, os problemas e ameaças sociais tornaram-se mais evidentes, despertando a atenção da elite local que, de vez em quando, tinha a paz comprometida pela presença de epidemias ou endemias que entravam pelo porto local, trazidas pela intensa movimentação comercial da cidade com outros Estados ou pelas centenas de forasteiros que aportavam em Parnaíba em busca de trabalho.

Parnaíba era insalubre em razão de suas condições naturais e estruturais. A ausência de alguns serviços públicos essenciais, a exemplo do

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ibid., p.317

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sistema de água encanada e tratada, esgotos, iluminação pública, calçamento das ruas mais transitadas, coleta pública de lixo, entre outros, era, a cada dia, um elemento que agravava o bem-estar de uma população que crescia e se aglomerava de forma desordenada nos principais pontos da cidade.

Motivada pelas necessidades locais e encorajada pelas reformas urbanas do início do século em algumas capitais do país, a administração pública parnaibana, durante a intendência do Cel. Constantino Correia (1913- 1914), realizou a construção do bairro Nova Parnaíba, projetado de acordo com os padrões modernos da arquitetura urbana. O projeto visava não só à implantação do saneamento, transferindo parte da cidade para a área menos alagadiça, como também o embelezamento da mesma.Com essa finalidade, realizou-se o levantamento da planta da Cidade Nova, organizando-a em quarteirões de 100m em quadro, com 20m de largura e avenidas em 30 metros.

Porém, problemas de ordem pessoal e política interromperam a execução total do projeto, colocando a cidade em uma situação caótica. No período, o Piauí passava por uma intensa crise política, fruto de desacordos entre o chefe do executivo estadual - Miguel Rosa - e seus adversários. Parnaíba, que vinha recebendo grandes atenções dessa administração, foi bastante afetada pelos constrangimentos impostos ao governo estadual:

Uma crescente anarquia arruinou as finanças do município; paralisaram todos os serviços, ficando a Intendência impossibilitada de pagar suas contas e os vencimentos do funcionalismo. À noite, vagabundos quebravam os poucos combustores de iluminação pública, deixando a cidade às escuras, e danificando os próprios municipais276.

Como se não bastassem os problemas de ordem econômica e política, a cidade ainda foi atingida por um surto de varíola e por uma forte onda de gripe que ameaçaram as populações de todos os municípios do Estado. Com a eleição de Eurípedes Clementino de Aguiar, em 1916, para o governo do

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CAMPOS, João. Parnaíba em 32 anos. IN: CORREIA, Benedito Jonas e LIMA, Benedito dos Santos. (orgs.) op. cit., p. 319.

Estado, o Piauí recuperou, aos poucos, a sua tranquilidade administrativa. Parnaíba, no novo contexto, foi administrada pelo Intendente Nestor Gomes Véras, que retomou as obras interrompidas na gestão anterior.

Durante a gestão do novo Intendente, a cidade ganhou o primeiro jardim que foi localizado na praça da Matriz e a banda de música municipal. Criou a usina de luz elétrica que expandiu a iluminação por vários pontos da cidade, construiu os armazéns de couro, importantes fontes de renda do poder municipal e realizou outros serviços que marcaram aquela administração como momento importante no processo de modernização de Parnaíba.

Data de 1916 a instalação do cinema em Parnaíba. A iniciativa foi da firma Ferreira & Irmão, responsável pelo ‘Circuito Piauiense de Cinema’, destinada a levar o cinema a várias cidades do Piauí e a algumas do Maranhão. A recepção dessa forma de lazer e cultura pela sociedade parnaibana foi tamanha, que em novembro de 1924 a cidade inaugurou o Cine-Teatro Éden, uma casa com modernas instalações sonoras, aparelhagem dupla e capacidade para receber 1200 pessoas.

Esse Cine-Teatro, nos anos de pleno funcionamento, foi considerado um dos principais do Norte e Nordeste. Apresentou importância singular na formação de novos gostos e hábitos da sociedade, influenciando na forma de vestir, nas relações pessoais e no padrão de consumo parnaibano da época. Além da exibição dos principais filmes americanos, foi palco de shows de vários artistas consagrados: Sivuca, Rui Rei, Nelson Gonçalves, Emilinha Borba, Ângela Maria, Alcides Gerari, Black Out e Nora Ney, Jorge Goulart, Dalva de Oliveira entre outros. Era a primeira e a mais bem montada casa de exibição não só de Parnaíba, mas também do Estado. A opinião dos que viveram os tempos áureos dessa Casa, é de que nenhum outro espaço, nenhuma outra atividade, conseguiu introduzir mais elementos modernos na cultura parnaibana que o Cine- Éden.277

Outras iniciativas particulares foram dando maior dinamismo à cidade. A Associação Comercial de Parnaíba, instalada a 28 de janeiro de 1917, foi mais

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HISTÓRICA. Acendam as luzes: o Cine Éden acabou. Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba. Ano I- nº 01, abril de 2008.

uma das manifestações de reorganização dos valores e da cultura local. Criada com a finalidade de promover a unidade da classe e garantir a manutenção dos interesses dos comerciantes locais frente aos poderes constituídos e a sociedade em geral, essa entidade participou de momentos e questões importantes para o desenvolvimento social e econômico da cidade. Dentre as diversas atividades que integrou, está a campanha pela construção do Porto de Amarração , a expansão da navegação fluvial, a construção de um campo de pouso para aeronaves, a fundação da escola técnico- profissional e as inúmeras contribuições destinadas à manutenção de projetos sociais como os de amparo aos pobres, aos leprosos e aos seus familiares.

Para contrabalançar a organização da classe comercial, uma Assembléia de empregados do comércio, fundou em 28 de abril de 1918, a União Caixeiral de Parnaíba. Além de buscar garantir os interesses da classe, essa associação fundou e administrou a ‘Escola de Comércio’ com a finalidade de expandir o ensino secundário noturno para a classe caixeiral.

No início da década de 20, a cidade de Parnaíba escolheu o ex- governador Eurípedes Clementino de Aguiar como o Intendente. Da sua chapa participou o Coronel José Narciso da Rocha Filho, que terminou assumindo a chefia da administração municipal, já que o titular do cargo renunciou. De acordo com a opinião do mestre João Campos, essa foi a administração que consolidou a transformação da velha e tradicional Parnaíba em um ambiente de natureza mais urbana, embora a mesma nunca tivesse perdido a moldura aristocrática que lhe caracterizava. Naquela gestão, realizou-se a expansão do sistema de luz elétrica para a área suburbana da cidade, a abertura de estradas carroçáveis promoveu a integração entre Parnaíba e outros municípios do Estado, bem como com as cidades maranhenses e cearenses localizadas em suas fronteiras. No campo da educação, instalou e patrocinou vários grupos escolares, e na saúde, deu um importante passo na área de saúde pública, criando a Delegacia de Higiene, que ficou sob a direção do médico parnaibano Mirócles Veras.

Como em outras partes do país, Parnaíba viveu nas primeiras décadas do século XX sua Belle époque. Costa e Schwarcz 278 colocam que o início do século XX é caracterizado pela produção de novos hábitos e mudança na vida social de muitos brasileiros. Essa nova realidade seria resultado tanto de avanços produzidos no campo das ciências, quanto do refinamento do gosto da elite, que passou a receber maior influência da moda, da literatura, das diversões e da educação francesa. Para essas autoras, “a civilização era também matéria de consumo”279

Uma análise das casas comerciais e firmas instaladas em Parnaíba do final do século XIX às três primeiras décadas do século XX, mostra que a elite daquela cidade, do ponto de vista do gosto e do consumo, havia incorporado o espírito moderno que tomara conta da capital do país e dos grandes centros mundiais. Existiam, na época, instaladas na cidade representações de companhias de navegação que transportavam essa elite para qualquer lugar do país e do mundo, a exemplo da Booth e Company, que agenciava os navios da The Booth Steamship Company Limeted e da Lloyd Brasileiro. Essa última, possuidora de uma frota de 87 navios, realizava serviços de cargas e passageiros para todos os portos da costa do Brasil a para a Europa, América do Norte, África do Sul e principais portos Sul - americanos280.

Os artigos de luxo nacionais e importados estavam por toda a área comercial da cidade, embora nem sempre fossem expostos em vitrines exclusivas para mercadorias de tal natureza. Na maioria das vezes, os mesmos eram anunciados e comercializados nas mesmas lojas onde se realizavam grandes transações de produtos derivados do extrativismo local e da pecuária. Exemplos dessa variedade eram as tradicionais firmas “Casa Inglesa” e “Marc Jacob”, que ofereciam ao público desde a cera de carnaúba e produtos derivados do gado vacum, até um completo sortimento de sedas importadas, louças finas , ferragens, vidros, perfumarias, jóias vindas da Europa e demais