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2.11 Boa governança: direito fundamental autônomo ou conteúdo do direito fundamental

2.11.2 Boa governança

Retomando a noção de governança trabalhada pelos estudiosos e organismos internacionais, como visto acima, encontra-se atrelada à ideia de abertura à sociedade e aos cidadãos, o agir em rede de forma articulada, o empoderamento social por meio de uma maior participação nas tomadas de decisões.

A governança pode ser compreendida como um modelo alternativo a estruturas governamentais hierarquizadas, exigindo-se que os governos sejam mais eficazes, não apenas com capacidade máxima de gestão, mas também garantindo e respeitando as normas e os valores próprios de uma sociedade democrática. Por isso, a relevância de se desenvolver as práticas de governança no âmbito público, pois estão fundadas em elevados padrões éticos e voltadas à promoção da transparência das ações governamentais. Além disso, caracterizam-se como instrumentos para alcançar a estabilidade das instituições políticas e sociais por meio do fortalecimento do Estado de Direito e da sociedade civil, por meio da adoção e da propagação de um pluralismo de dimensões múltiplas, em todas as áreas do Estado.126

Em meados da década de 1990, o Banco Mundial resumiu a boa governança como “previsível, aberta e esclarecida política (isto é, processos transparentes); uma burocracia imbuída com uma ética profissional; um Poder Executivo responsável pelas suas ações; e uma forte participação civil nos assuntos públicos; e tudo sob o Estado de Direito”127.

125 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal

de 1988. 4ª. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 102.

126 OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Governança pública e parcerias do Estado: novas fronteiras do direito administrativo. In: GUERRA, Sérgio; FERREIRA JUNIOR, Celso Rodrigues [Coords.]. Direito administrativo: estudos em homenagem ao professor Marcos Juruena Villela Souto. 1ª. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 256 127 WORD BANK. Governance: The Bank’s Experience. Washington: Word Bank, 1992. p. 7.

Na mesma linha, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento apresentou as seguintes características da boa governança:

[...] participativo; sustentável; legitimado e aceito pelo povo; transparente; promotor da justiça e igualdade; capaz de desenvolver os recursos e métodos da governança; promotor do equilíbrio de gêneros; tolerante e receptivo às diferenças; hábil na mobilização de recursos para fins sociais; atuação conforme o Estado de Direito; eficiência e efetividade no uso dos recursos; geração e comandos respeitosos e verdadeiros; responsável; capaz de definir e conduzir às soluções nacionais; hábil e facilitador; mais regulador do que controlador; capaz de negociar com questões temporais; serviços focados”.128

Verifica-se que a boa governança é caracterizada principalmente pela participação, pelo Estado de Direito, pela transparência, responsividade, justiça, inclusão, efetividade, eficiência e responsabilização. Assim, a boa governança relaciona-se com a forma como o governo acontece ou deveria acontecer, abarcando uma valoração acerca dos procedimentos, da transparência e da qualidade dos processos de tomada de decisões.

Portanto, a boa governança possui a marca da descentralização da tomada de decisão, possibilitando a participação dos cidadãos, da sociedade civil organizada e dos agentes econômicos privados, o que faz da participação e da responsividade elementos nucleares de uma boa governança.

Nesse diapasão, há quem defenda a existência de um direito fundamental à boa governança, decorrente do direito fundamental à boa administração:

A boa governança, conforme delineamentos conceituais já efetivados, remete a elementos nucleares daquilo que pode ser considerado uma boa administração, especialmente quando se tem por base a participação, a responsabilização e a transparência em um Estado Democrático de Direito. A boa governança denota a observância e o cumprimento dos preceitos constitucionais vinculantes à administração pública. Naturalmente, não seria possível cogitar a existência de uma boa governança sem considerar a legalidade, a moralidade, a publicidade, a impessoalidade, a motivação, a participação e o controle da administração e respectivos gestores.

A boa governança, entrelaçada às normas constitucionais norteadoras das atividades administrativas, constitui-se em norma de direito fundamental, enquanto fim a ser buscado pelas administrações públicas, em todos os níveis, na concretização dos deveres postos pela ordem jurídica cogente, a resguardar, elementarmente, a autonomia dos entes que integram o pacto federativo nacional.129

128 UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME. Reconceptualizing Governance. 1997. p. 19. 129 CORRALO, Giovani da Silva. Há um direito fundamental à boa governança? Espaço Jurídico Journal of

Pelo entendimento acima, observa-se que a boa governança, mesmo sendo reconhecido como sendo um elemento de outro conceito mais amplo, qual seja, o da boa administração, é considerado um direito fundamental implícito.

Por outro lado, Vanice do Valle130 identifica o mesmo sentido para governança e o

direito fundamental à boa administração, considerando a primeira como sendo um instituto desenvolvido pela ciência da Administração e o segundo pelo Direito, razão pela qual propõe uma conciliação entre essas duas disciplinas científicas por meio do “reconhecimento da governança como parcela do conteúdo (em construção) do direito fundamental à boa administração”131. O discurso é o mesmo, embora cada qual utilize o código de fala que lhe é

próprio. Defendendo a incorporação da governança como conteúdo do direito fundamental à boa administração, conclui a autora:

Governança se afigura, portanto, como conteúdo possível do direito fundamental à boa administração, que, a par de contribuir para o aprimoramento da atividade administrativa, presta reverência à democracia de funcionamento. Afirmar-se, de outro lado, que a governança como conteúdo do direito fundamental à boa administração decorre do princípio democrático implica atrair em favor dessa característica da administração as garantias que são próprias à democracia no campo da eficácia imediata e à irreversibilidade dessa opção constitucional, posto que alcançada pela proteção própria às cláusulas pétreas. Reconciliam-se assim as propostas teóricas no campo da administração com a estrutura constitucional reconhecida pelo Direito.132

Portanto, desenvolver o conceito da boa governança no Direito significa juridicizar o modo de desenvolvimento da Administração Pública, que corresponde, em tempos atuais, ao movimento de democratização da função administrativa, a partir de uma perspectiva participativa, inclusiva e procedimental. Em outros termos, a proposta por meio da governança de incorporação de atores externos à estrutura formal de poder ao processo de decisão democratiza e desenvolve a função administrativa, contribuindo para a concepção de uma Administração Pública promotora dos direitos e garantias fundamentais entabuladas na ordem Constitucional.

Por isso a relevância de se desenvolver as práticas de governança no âmbito público, pois estão fundadas em elevados padrões éticos e voltadas à promoção da transparência das ações governamentais. Além disso, configuram-se instrumentos para alcançar a estabilidade 130 VALLE, Vanice Regina Lírio do. Direito fundamental à boa administração e governança. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 83-85.

131 VALLE, Vanice Regina Lírio do. Direito fundamental à boa administração e governança. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 128.

132 VALLE, Vanice Regina Lírio do. Direito fundamental à boa administração e governança. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 115

das instituições políticas e sociais por meio do fortalecimento do Estado de Direito e da sociedade civil, por meio da adoção e da propagação de um pluralismo de dimensões múltiplas, em todas as áreas do Estado.

3 O SISTEMA JURÍDICO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO BRASIL