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Aspectos da formação para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira a distância

GRÁFICO 9 TURMA COM TUTORIA POUCO ATIVA (2009)

FONTE: Planilha de frequência dos cursistas da turma 2009

Na forma como as/os tutoras/es trabalharam os conteúdos, percebe-se o incentivo ao engajamento das/os cursistas numa educação antirracista não limitada à sua atuação como docentes. Por outro lado, seus discursos foram condicionados por alguns fatores: estilo de tutoria criado e convicções pessoais. Dessa relação podem ser depreendidos dois tipos de abordagens distintas, que classifico como: a) multicultural e b) intercultural.

Na abordagem multicultural, é estimulada a compreensão da representação da sociedade brasileira como culturalmente diversa, levando-se em consideração seus condicionantes sociais. O protagonismo dos sujeitos negros nas lutas históricas por direitos e contra o racismo é destacado. As experiências das/os cursistas são consideradas no processo de aprendizagem por meio de sua articulação aos temas discutidos. Situações ocorridas em família, na escola ou no trabalho, assim como os valores e saberes prévios das/os cursistas apoiam a discussão, mas não a ponto de desviarem o foco do que estava debatido no momento.

0 5 10 15 20 25 30

Chamo sua atenção para um aspecto do seu argumento: "...mostrar para o aluno que na realidade só existe uma raça: a humana". (...) Toda a humanidade conforma a raça humana. Mas o uso do termo raça foi ressignificado pelas populações negras no sentido de "chamar" atenção para as desigualdades, extermínio, invisibilidade, exploração de uma "raça" sobre outra (Ayo, 2009).

A abordagem intercultural é caracterizada pela ênfase à diversidade cultural da população afro-brasileira e pela importância atribuída ao diálogo entre as diferentes culturas como forma de promoção da igualdade. É enfatizada a necessidade de construirmos diferentes narrativas sobre essa diversidade.

Para mim, é prazeroso aprender sobre essa história, porque estamos aprendendo sobre a grande aventura da humanidade, feita de diversidade, de muitas maneiras de pensar os problemas e das respostas que foram dadas. Por isso que pensar a história da humanidade a partir de uma narrativa única e homogênea esvazia o sentido da própria humanidade. (Abayomi, 2010)

Em algumas abordagens, pode ser observado o reconhecimento do racismo acompanhado da crença na mestiçagem cultural como forma de superar as desigualdades.

Quando lemos certos autores ficamos encantados, porém de maneira acadêmica, mesmo que a contribuição dos africanos para construção do Brasil seja de extrema importância, não podemos esquecer da forte cultura indígena, e dos traços culturais europeus, que se mesclarem com a riquíssima cultura africana fez nascer o lugar mais encantador do mundo, a cidade mais linda de ver, Salvador da Bahia....Vamos ler... Vamos mergulhar na história... A questão aqui não é apontar qual das três culturas é mais importante, não vamos cometer o mesmo erro europeu, em desconsiderar os demais, mas, vamos deixar claro que é preciso se valorizar a cultura negra como muito importante nesse caldeirão cultural. (Ajamu, 2009)

Apesar das diferenças, aspectos comuns entre as abordagens podem ser identificados: desconstrução de estereótipos sobre o tema (africanos como escravos, “branco” como valor universal, etc.), valorização da diversidade, educação enunciada como o principal meio de positivação da identidade negra. Ao interagirem com as/os cursistas nos fóruns de discussão, as/os tutoras/es chamavam a atenção

para a diversidade histórica e cultural do afro-brasileiros, especialmente quando as narrativas das/os cursistas homogeneizavam as experiências de segmentos da população negra.

Quais são as culturas e as histórias afro-brasileiras locais que mais chamam a atenção de vocês ou fazem parte da história e cultura da região que moram? Em que elas se articulam as outras culturas afro- baianas e afro-brasileiras? Quais saberes e expressões afrodescendentes vcs já mapearam, já que a escola é um local de construção de conhecimento, no sentido de mapear, historicizar e refletir? No caso das comunidades quilombolas, quais memórias estão registradas? (Anike, 2010)

A comunicação entre os participantes de uma ação educativa adquire maior importância num curso a distância, pois ela também atua como um importante incentivo à aprendizagem. A qualidade da comunicação pode, inclusive, assegurar a permanência ou motivar a evasão. Segundo Almeida (2003, p. 210),

A interação que se estabelece nos ambientes virtuais propicia o desenvolvimento co-construído dos participantes por meio das mediações entre estes participantes, o meio social e o próprio ambiente, cuja influência na evolução e na aprendizagem não diz respeito apenas à forma como ele foi estruturado e às respectivas informações, mas enfatiza as articulações que se estabelecem na experiência social.

O curso foi organizado de forma a estimular a aprendizagem baseada na cooperação/colaboração entre as/os participantes e criar um ambiente propício à aprendizagem de dos conteúdos trabalhados, mas não foram apenas os aspectos organizacionais que garantiram a frequência e a participação. Fatores externos ao curso também interferem nas condições de participação das/os cursistas.

Ao investigar como o grupo de sujeitos de sua pesquisa, composto exclusivamente por mulheres, utilizava o computador, Linda Leung (2007) observou que as mulheres normalmente dividiam o seu tempo entre os afazeres domésticos e as atividades do curso, o que diminuía consideravelmente o tempo disponível para o curso. Nessa pesquisa, pude perceber que, além de se dedicarem ao trabalho na escola, as mulheres também se dedicavam ao cuidado da casa, de si próprias e dos

filhos, o que também as prejudicava duplamente: na dimensão do consumo (leitura de textos, leitura das mensagens do curso) e na dimensão da produção (participação dos fóruns de discussão, realização e postagem das atividades no prazo definido no cronograma).

Apesar do aumento da familiaridade das/os cursistas com a EAD ser comprovada pelo número crescente de pessoas que já fizeram cursos a distância anteriormente (40,5% em 2009 e 61% em 2010), para as/os cursistas que nunca haviam tido experiência com a modalidade antes, devido às dificuldades apresentadas no que se refere à utilização de tecnologias digitais, o aprendizado assumiu um caráter duplo: aprendizado de história e cultura afro-brasileiras e letramento digital3, pois havia cursistas que demonstravam desconhecimento em relação a procedimentos básicos, como o envio de mensagens por e-mail. Praticamente em todos os fóruns do Módulo I – História da África, as/os tutoras/es interrompiam a discussão dos temas para orientar as/os cursistas sobre como utilizar as ferramentas do ambiente. A julgar pelo número de pedidos de auxílio para acessar o ambiente, a falta de familiaridade com o computador pode ter sido a principal causa do número expressivo de cursistas que realizaram a inscrição, mas nunca acessaram o AVA do curso (19%, em 2009, e 24,6%, em 2010).

O primeiro módulo do curso – História da África, apresentou conteúdos desconhecidos por muitas/os, o que fez com que a insegurança em se manifestar aumentasse. No início deste processo de mútua aprendizagem, algumas carências das/os tutoras/es em relação à metodologia da EAD foram evidenciadas: dificuldades de mobilização das/os cursistas à participação nos fóruns, falta de estímulo ao grupo para que novas contribuições fossem feitas a partir das mensagens postadas pelas/os colegas e uso de linguagem que estimulava pouco a participação.

Por meio das observações das interações e dos relatos das/os tutoras/es, pude perceber que as dificuldades de ordem técnica, apresentadas no período inicial do curso, inibiram a participação das/os cursistas: falta de familiaridade com o computador, dificuldade de acesso a computadores conectados à Internet, dificuldade em lidar com o AVA. A baixa frequência das/os cursistas aos fóruns e o

3 Segundo Alejandra Behar e Ana Carolina Ribeiro (2013), letramento digital é a “competência ara o

descumprimento de prazos foram recorrentes, sendo sinalizados pela maioria das/os tutoras/es. Fatores externos também interferiram, a exemplo da coincidência de atividades previstas no cronograma do curso com atividades profissionais, o que os sobrecarregou e dificultou o cumprimento das atividades programadas.

Devido ao desconhecimento dos conteúdos trabalhados, alguns cursistas demonstravam certo constrangimento por ignorarem o que assumiam como a história de seus antepassados. Tal embaraço, segundo um cursista, foi atenuado pelo fato de interagir à distância com as/os colegas:

Não teria, talvez, coragem de falar isso em público, mas aqui, sentado na frente do computador, não posso perceber os risos, nem as caras de espanto de quem quer que seja, rir da ignorância alheia, com certeza, é mais fácil que tentar entender a deficiência historicamente marcada (Jamal, negro, 2009).

Além de facilitar a expressão dos/as mais tímidos/as, o fato de não contar com o contato face a face com colegas e professoras/es tornou menos difícil a expressão de opiniões polêmicas, como as que associavam identidade negra ao corpo, examinadas no próximo capítulo. Por outro lado, na maioria das turmas, as/os cursistas enviavam as mensagens sem comentar as postagens das/os colegas. A interação nos fóruns ocorria mais frequentemente com o/a tutor/a.

Um aspecto que também resultou na maior ou menor participação das/os cursistas nos fóruns de discussão foi a dificuldade da/o tutor/a em mediar às interações nos fóruns. Em 2010, a realização do curso de formação de tutoras/es como parte do processo seletivo provocou um aumento substancial da participação das/os cursistas, como podemos verificar na Tabela 5. Com o desenvolvimento de habilidades comunicativas para EAD, as/os tutoras/es estimularam de forma mais eficaz a participação das/os cursistas. O número médio de postagens passou de 38, em 2009, para 92, em 2010. As/Os cursistas mais ativas/os costumavam postar não apenas mensagens relacionadas ao tópico do Fórum, como também comentavam as mensagens e estimulavam a participação das/os colegas, postavam indicações de livros, músicas, poesias, dicas para o trabalho com a temática e divulgação de eventos relacionados.

Tabela 8 – SUJEITOS DA PESQUISA, SEGUNDO A FREQUÊNCIA AOS FÓRUNS DE DISCUSSÃO (2009)

CURSISTAS Módulo I Módulo II Módulo III Módulo IV TOTAL

Ana (2009) 1 0 4 5 10 Bila (2009) 14 10 14 10 48 Felipa (2009) 6 8 8 4 26 Francisca (2009) 13 25 13 23 74 Jamal (2009) 17 19 12 5 53 Lélia (2009) 9 10 12 7 38 Maria (2009) 1 13 12 3 30 Marta (2009) 7 10 6 8 31 Neuza (2009) 10 6 13 15 44 Simone (2009) 14 3 9 6 32 TOTAL 92 104 103 86 386

--- cursistas mais ativas/os --- cursistas menos ativas/os

FONTE: Relatório do Curso de Formação para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileiras, turma 2009

Tabela 9 – SUJEITOS DA PESQUISA, SEGUNDO A FREQUÊNCIA AOS FÓRUNS DE DISCUSSÃO (2010)

CURSISTAS Módulo I Módulo II Módulo III Módulo IV TOTAL

Amina (2010) 36 26 43 34 139 Cláudia (2010) 23 27 82 58 190 Dandara (2010) 22 30 36 13 101 Hamilton (2010) 29 40 42 26 137 Jana (2010) 15 12 13 12 52 Joana (2010) 7 11 21 12 51 Jorge (2010) 13 12 16 7 48 Luana (2010) 23 26 23 19 91 Luiza (2010) 12 14 53 10 89 Yeda (2010) 6 5 5 9 25 TOTAL 186 203 334 200 923

--- cursistas mais ativas/os --- cursistas menos ativas/os

FONTE: Relatório do Curso de Formação para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileiras, turma 2010

Como vemos nas tabelas acima, tanto em 2009 como em 2010, a frequência no módulo IV – Educação e Relações Étnico-raciais, comparada a dos módulos anteriores, costumava baixar em virtude da coincidência com as atividades de conclusão do ano letivo nas escolas onde as/os cursistas trabalhavam. A longa jornada de trabalho nas escolas e a falta de tempo para se dedicarem aos estudos, além da participação simultânea em outros cursos de formação continuada, foram

justificativas frequentemente utilizadas pelas/os cursistas, o que pode ser um indício da falta de apoio ou do apoio insuficiente das secretarias de educação à formação de seu corpo docente ou da dificuldade de gestão do próprio tempo pelas/os docentes.

Durante a semana, a frequência aos fóruns costumava baixar, intensificando-se aos sábados e domingos. Como os cursos à distância permitem a retomada das discussões após o momento em que ocorrem, permitindo-as/os recuperar o que foi discutido, as/os cursistas puderam acompanhar os debates desde a primeira intervenção. Geralmente, na modalidade presencial, quem chega atrasado à aula perde o ritmo do debate. A possibilidade de retomada das discussões facilitou a aprendizagem dos conteúdos pelas/os cursistas, mas também favoreceu às/aos vicárias/os.

Devido ao perfil do público envolvido, ao estilo de tutoria adotado na turma e aos problemas de gerenciamento do tempo observados entre as/os cursistas, a vulnerabilidade a fatores externos, como a coincidência de atividades previstas no cronograma do curso com atividades profissionais, tornou-se maior, dificultando o cumprimento das atividades programadas e, em alguns momentos, impedindo uma reflexão mais acurada sobre os temas discutidos.