• Nenhum resultado encontrado

Aspectos da formação para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira a distância

TOTAL Amarela Branca Indígena Mestiça informou Não sabe Não Negra

3.2 Em busca de novas representações sobre África, africanos e afro brasileiros

3.2.1 As pedras no caminho

Segundo Teun van Dijk (2010), o poder social, também exercido na produção do conhecimento nas instituições escolares, é exercido em termos de controle sobre os atos e as mentes dos indivíduos. O controle discursivo pode ser realizado por meio do impedimento à circulação de saberes alternativos, o que resulta no controle da formação das cognições sociais. A manipulação do conhecimento e a censura às contra ideologias são artifícios frequentemente utilizados. A afirmação da importância da abordagem de história e cultura afro- brasileiras e africanas no currículo foi acompanhada da referência a obstáculos que, no espaço escolar, dificultam a efetivação da lei nº 10.639/03. Estes obstáculos

operam como dispositivos de controle discursivo que impedem a formação de novos conhecimentos sobre os temas abordados e a desconstrução de estereótipos sobre africanos e afro-brasileiros.

Além da resistência das/os gestoras/es escolares (diretoras/es e coordenadoras/es pedagógicas/os), desinteresse, desinformação, comodismo e preconceito foram apontados como os principais entraves à abordagem de temas relacionados ao campo da História e Cultura Afro-brasileiras. A limitação da abordagem à disciplina História, segundo as/os cursistas, é outro empecilho.

...as escolas ainda trabalham de forma tradicional e, quando chega algum novo professor apresentando novas propostas e com o olhar mais voltado para um modelo de educação que contemple mudanças no currículo tradicional, muitas vezes acaba sendo criticado pelos próprios colegas. Pelos menos é o que tenho percebido na escola em que leciono e também nos comentários de alguns colegas. Ainda tem o agravo de que muitos de nossos colegas professores encaram as discussões voltadas à questão étnico-racial como uma “obrigação” dos professores de História dificultando, assim, um projeto pedagógico voltado a estas questões que envolva todas as disciplinas (Jorge, mestiço, 2010).

Esses conteúdos deveriam também fazer parte da formação de gestores(as) de escolas. Percebo que o entrave maior está em convencê-los da importância desses saberes dentro do Projeto Político Pedagógico. É também papel da gestão escolar orientar e verificar a execução dos conteúdos curriculares. Se houver mudança na visão gestora das escolas, ganharemos muito em relação à apreensão das culturas africanas e afro-brasileiras (Bila, negra, 2009).

A resistência a mudanças no currículo, expressa nas falas de Jorge e de Bila é algo presente no cotidiano das/os docentes. Isso também aponta para algo que transcende a desvalorização da temática específica do curso e incide mais diretamente sobre as condições estruturais do trabalho docente.

O fato de ter sido determinada por meio de uma lei, para muitas/os cursistas, dificulta a inclusão dos conteúdos no currículo escolar, pois “o nosso país é o país

das leis; entretanto, para serem cumpridas é que são elas, parece cultural, um horror!” (Amina, negra, 2010). Francisca (branca, 2009) também concorda que “a obrigatoriedade não garantiu o reconhecimento destas matrizes nem impinge o respeito e reconhecimento necessários para a inserção no currículo escolar”. Para

Dandara (negra, 2010), “a conscientização costuma ser mais eficiente”. O exemplo dado às/aos colegas por meio do desenvolvimento do seu trabalho em sala de aula pode, segundo as/os cursistas, vencer de forma mais eficiente as resistências. A descrença em mecanismos institucionais é revelada em posicionamentos como o de Jorge (mestiço, 2010):

Se não mudarmos a nossa postura dentro e fora da escola e trabalharmos firmes no sentido de conscientizar a sociedade da importância de se combater o racismo, a discriminação e o preconceito, certamente viveremos reféns de leis que muitas vezes só funcionam na teoria.

Por outro lado, houve cursistas que não somente louvaram a existência da lei, como podemos observar na fala de Luana, como apontaram a necessidade de mecanismos avaliação e monitoramento para garantir a sua efetividade.

...adorei a implantação das Leis 10.639/03 e da 11.645/08, que instituiu o ensino de História e Cultura da África na grade curricular das escolas públicas e privadas, inserindo o real papel dos negros e suas inúmeras contribuições para essa nação. Os autores, após a lei, estão dando mais visibilidade ao que concerne à verdadeira história e ao legado dos africanos e afrodescendentes (Luana, mestiça, 2010).

O enfrentamento ao racismo, visto pelas/os cursistas como o principal benefício trazido pela obrigatoriedade da abordagem da História e Cultura Afro- brasileiras e Africanas, é entendido como uma das principais tarefas da escola, principalmente por meio do trabalho docente. Tal compreensão tem como desdobramento a transferência, para os indivíduos, do papel do Estado no que se refere à garantia das condições para o desenvolvimento e fiscalização das mudanças previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Diante da realidade do campo educacional, esse enfrentamento também adquire a conotação de resistência, o que pode ser depreendido do discurso de Aída (negra, 2010):

A libertação que queremos e em que acreditamos somente virá a partir da educação. Por isso, nós professores e educadores, ao nos

aperfeiçoarmos, estamos lutando por essa conquista. Uma forma de resistência.

Os estereótipos existentes em relação aos temas abordados inibem o interesse em participar de um curso desta natureza, impedindo que um maior número de docentes participe da ação. A existência de tais estereótipos pode ser identificada pelo relato de um cursista:

...outro dia tive uma discussão calorosa com uma colega que não compreendia a amplitude da temática e resumiu tudo com a frase "Eu é que não vou ensinar macumba na sala de aula" - palavras da colega. Deu um trabalhão para tentar explicar que não se trata ensinar apenas aspectos religiosos e sim uma variedade de conteúdos ligados a África e os afrodescendentes, questões sociais, culturais e históricas que, se bem esclarecidas, podem mudar completamente a visão que nosso aluno tem do continente africano, dos negros e de si próprio. E, sinceramente, eu acho que não a convenci, pois a colega estava muito resistente, fechada em seus próprios conceitos ou preconceitos sei lá! (Jorge, mestiço, 2010)

Nos encontros presenciais ocorridos em todas as edições do curso e nos relatos das/os cursistas, a confusão entre ensino de história e cultura afro-brasileiras e proselitismo religioso foi apontada como o principal entrave à participação de docentes de diferentes filiações religiosas, especialmente os evangélicos neopentecostais. Segundo Simone (negra, 2009),

A resistência quanto por parte dos membros da comunidade escolar quanto a esta temática é explicitada em várias situações: desde a ignorância quanto aos conteúdos relacionados à história e cultura dos africanos e afro-brasileiros até a intolerância religiosa. De um modo geral, não há percepção da relevância e da necessidade de discussão sobre o tema; infelizmente, o comportamento geral compactua com o mito da democracia racial.

Nos relatos das/os cursistas, também foi possível perceber certo desânimo das/os profissionais da educação em relação ao trabalho docente. Como mencionou Bila (negra, 2009): “Acho que muitas/os colegas estão mesmo desmotivadas/os a

lado, se a escola sofre os efeitos de problemas como a violência, a desvalorização profissional docente e a falta de investimento, ainda é considerada pelas/os docentes como espaço de transformação: “Só a educação é capaz de transformar a

sociedade” (Maria, negra, 2009).

Como vimos até aqui, as motivações para participação num curso de formação para o ensino de História e Cultura Afro-brasileiras são variadas, mas aquelas que dizem respeito à melhoria das condições de vida da população negra são a que se destacam. Não podemos perder de vista, no entanto, que a representação social sobre o CEAO, conhecido como um órgão que defende a disseminação de saberes produzidos por/sobre africanos e afro-brasileiros, também pode ter influenciado no registro das motivações pelas/os cursistas. No próximo tópico, discuto alguns aspectos da interação no AVA.