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Gramática Filosófica da Língua Nacional e Análise dos Clássicos

No documento EVA MARIA SIQUEIRA ALVES (páginas 102-107)

2.3 As cadeiras lidas no Atheneu Sergipense

2.3.1 Gramática Filosófica da Língua Nacional e Análise dos Clássicos

Ministrada para o curso de Humanidades e o Normal pelo professor Thomaz Diogo Leopoldo, a cadeira de Gramática Filosófica da Língua Nacional e Análise dos Clássicos apresentou 18 alunos matriculados no primeiro ano de funcionamento. Considerada a “responsável pela formação primeira dos que freqüentariam o ensino secundário” (Gally, 2004b, p.1), por determinação legal deveria adotar os seguintes compêndios: “para o estudo de Grammatica Philosophica e analise de clássicos – Grammatica de F. Stero dos Reis e as Postillas do mesmo auctor, bem como o Iris Classico, por Castilho e D. Jayme, por Thomaz Ribeiro” (§5o, Art. 48o, Estatuto do Atheneu Sergipense, 1871).107

Os estudos da cadeira amparavam-se em compêndios que foram sendo substituídos ou acrescidos no decorrer do movimento de sua configuração. A Gramática Portuguesa do primeiro ano foi substituída pela Gramática de José Gonçalves Lage, ao invés da de Bento José de Oliveira (Ata da Congregação, 3 de fevereiro de 1885). Note-se que essa última gramática era a que estava sendo adotada, e não mais aquelas propostas no Estatuto de 1871. Em 1888, o compêndio de Júlio Ribeiro foi adotado para as aulas do segundo grau. Considera Almeida (2000) que “o verdadeiro introdutor nas escolas, da nova e brilhante fase do ensino da língua portuguesa” foi o mineiro Júlio Cezar Ribeiro. Uma gramática não apropriada aos jovens, “por causa da sua prolixidade e da excessiva erudição [...] mas um tesouro para os mestres” (Almeida, 2000, p.159)

Um sergipano, ex-aluno do Atheneu Sergipense, João Batista Ribeiro de Andrade Fernandes, escreveu, dentre outras obras, uma Gramática Portuguesa, curso superior. A

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O Íris Clássico, de autoria de José Feliciano de Castilho, “oferecido aos mestres e alunos das escolas brasileiras” e dedicado ao Imperador D. Pedro I, teve na sua primeira edição a impressão de dez mil exemplares (cf. Razzini, 2000, p.51). Recorda Gilberto Amado (1995), nas histórias de sua infância, que D. Jaime de Tomás Ribeiro era o livro de leitura dos adiantados, recitado nas aulas em Itaporanga, popular “neste fundo do Brasil ainda impregnado de Portugal” (Amado, 1995, p. 65). A Gramática do maranhense Francisco Sotero dos Reis é avaliada por Pires de Almeida como “escrita corretamente, cujo método é bom” (Almeida, 2000, p. 159).

gramática de João Ribeiro consagrou-se, segundo Almeida, “pela popularidade, livro no qual os professores têm muito a aprender e que será, se já não for, o vade-mecum dos escritores, dos oradores, dos literatos que querem escrever e falar a língua portuguesa” (Almeida, 2000,

p. 159).108 Esta obra foi adotada para os estudos da cadeira de Português e Literatura Nacional

do Atheneu Sergipense em 1892, além da Seleção de Literatura de Fausto Barreto e Vicente

de Souza.109 Antologia Nacional, de Fausto Carlos Barreto e Carlos Maximiano Pimenta de

Laet, Selecta Nacional, de Francisco Júlio Caldas Aulete, e a Gramática de João Ribeiro

foram os compêndios adotados em 1901 (Ata da Congregação, 1 de março de 1901).110 No

ano seguinte foram adotadas as obras de Camões e Lendas Narrativas, de Alexandre Herculano (Ata da Congregação, 8 de fevereiro de 1902). Em 1903 acrescentou-se a

Gramática do Dr. Carneiro. Pátria Brasileira passa a ser adotado em 1905.111

Segundo Razzini (2000), depois da Proclamação da República a história política e literária tinham como objetivo “criar símbolos nacionais através do culto de heróis”. Assim, algumas antologias escolares que propunham representar a nação incluíram notas biográficas dos autores contemplados, como a “Antologia Nacional (1895) de Fausto Barreto e Carlos de Laet e a Antologia Brasileira (1900) de Eugênio Werneck, acrescentando à leitura dos textos, uma introdução histórica” (Razzini, 2000, p.55).

Ao consultar os preceitos legais acerca das cadeiras oferecidas no Atheneu Sergipense, pode-se notar que eles trazem em seus artigos e parágrafos uma denominação que poderia ser adjetivada de “rebuscada”. Nas demais fontes, a mesma cadeira é denominada de forma mais simples, direta. É o prescrito na legislação e o funcionamento real. Sintetiza-se, a seguir, na Figura 6, representações das diferentes denominações da cadeira de Português ministrada no

Atheneu Sergipense durante os anos de 1871 a 1908.112

108

José Ricardo Pires de Almeida escreveu Instrução Pública no Brasil (1500-1889) História e Legislação, originalmente publicada em francês em 1889. São da segunda edição, de 2000, as citações feitas.

109

Fausto Barreto era professor de Português e Vicente de Souza, de Latim, ambos do Colégio de Pedro II.

110

A Antologia Nacional, cuja primeira edição data de 1895 e a 43a é de 1969, é tema da tese de Razzini (2000), merecedora de destaque aos interessados nos estudos de Português e Literatura.

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Não foi identificado o autor dessa obra. Talvez trate-se de Antologia Brasileira de Eugênio Werneck.

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Alerte-se que a figura não almeja apresentar uma evolução na rubrica, mas o movimento de mudança do nome da cadeira ao longo do período estudado.

FIGURA 6 – O MOVIMENTO DA CADEIRA DE PORTUGUÊS DO ATHENEU SERGIPENSE, SEGUNDO SUAS DENOMINAÇÕES, 1871 A 1908

Gram. Filosófica da Língua Nacional e Análise dos Clássicos Gram.Nacional e Suas Diferentes

Aplicações Gram. Filosófica da Língua Nacional e

Análise dos Clássicos Gram. Filosófica da Língua Nacional

Língua e Literatura Nacional Português e Literatura Nacional Literatura Português Português e Literatura Nacional Literatura Nacional Português

1871 1874 1877 1882 1890 1892 1899 1901 1906 1908

FONTE: Elaborado a partir da série dos Planos de Estudos do Atheneu Sergipense (1871 a 1908)

A legislação escreve Gramática Filosófica da Língua Nacional e Análise dos Clássicos (1871 a 1874), porém na distribuição dos horários das aulas do Atheneu Sergipense a denominação da cadeira é Gramática Filosófica (1873). O termo “filosófica” é extraído da expressão que designa a cadeira “Gramática Nacional e suas diferentes aplicações”, ministrada no Atheneu Sergipense no período de 1874 a 1877, retornando em seguida e permanecendo até o ano de 1890, quando passa a denominar-se Língua e Literatura Nacional. Português e Literatura Nacional formam uma só cadeira nos períodos de 1892 a 1899 e de 1901 a 1906. Entre os anos de 1899 a 1901 e de 1906 a 1908, separam-se em duas cadeiras: Literatura Nacional e Português. A legislação, entendida como prescrição e, portanto, uma prática, almejava, ao que parece, explicitar por meio do nome da cadeira os conteúdos a serem ministrados, além de refletir, como menciona Gally (2004b), concepções lingüísticas e filosóficas que atravessaram o período.

Estabeleceu-se, com o Decreto 9647, de 2 de outubro de 1886, uma hierarquização entre os Exames de Preparatórios, determinando que o exame de Português deveria preceder

qualquer outro, “coroando a ascensão da língua materna no currículo secundário”(Razzini, 2000, p.82).

O programa para o curso de Humanidades do Atheneu Sergipense no ano de 1893, da

1a cadeira, Português e Literatura Nacional, estava assim distribuído, conforme Ata de da

Congregação de 8 de fevereiro de 1893:

1o ano: estudo completo da gramática expositiva e temas sob ditado tirado de autores fáceis;

2o ano: revisão da gramática expositiva, exercícios fáceis de composição com auxílio do

professor;

3o ano: gramática histórica, exercícios de composição com auxílio do professor;

4o ano: revisão das matérias do ano anterior, exercícios de composição e recitação de prosa e

verso;

5o ano: revisão das matérias do 4o ano, exercícios ortográficos para aplicação das regras de

pontuação, exercícios cacográficos para correção de vícios de linguagem;

6o ano: noções de literatura portuguesa, breve notícia sobre história da língua desde o século

XVI.

O estudo da gramática era “a arte das letras, a arte da escrita”. A gramática “quer dizer literatura, a arte-ciência de exprimir os pensamentos, quer falando, quer escrevendo [...] é a ciência da linguagem” e sua finalidade é “estabelecer os princípios fundamentais e as leis gerais que presidem à construção lógica e a análise filológica da proposição” defendia Brício Cardoso (Gally, 2004a, p. 95 e 100).

Não somente o estudo da gramática da língua vernácula serviria para aprender a todas as ciências e a todas as línguas modernas e vivas, como também serviria para aprender o latim com maior facilidade, língua que, apesar de estar em declínio nesse período, ainda era considerada na formação clássica, ainda vigente no século XIX (Gally, 2004a, p.96).

A atenção voltou-se para o estudo histórico da língua portuguesa no 3o ano do Atheneu

Sergipense, estudo que também se fazia no Colégio Pedro II, segundo Razzini (2000), uma vez que as línguas estrangeiras deveriam ser comparadas com a portuguesa, disseminando o método histórico comparativo.

Mestres excelentes que saibam a fundo o que devem ensinar, servindo-se da história da língua para as explicações das regras gramaticais, eram as recomendações de Pires de Almeida em 1889. O método histórico, além da vantagem de ser racional, argumentava o autor, tem outro: “a memória retém sempre mais nitidamente o que o espírito percebeu e o

aluno se lembrará melhor das regras da gramática quando já tiver um ponto de apoio na sua inteligência” (Almeida, 2000, p.164).

Foi no ano de 1893 que se registrou nas Atas da Congregação do Atheneu Sergipense, e também na legislação, um programa detalhado dos conteúdos a serem ministrados. Para o curso Normal, o programa da primeira cadeira constava de:

1o ano: gramática expositiva, temas ditados de autores, leitura de prosa, análise léxica;

2o ano: revisão do 1o ano, exercícios de composição com auxílio do professor, leitura de

versos, análise lógica;

3o ano: revisão do 2o ano, exercícios ortográficos para aplicação das regras de pontuação e

exercícios cacográficos para a correção dos vícios de linguagem.

A cadeira Português e Literatura Nacional se dividiu em duas outras, pelo Decreto

351, de 9 de junho de 1899. O Português era ministrado no 1o, 2o anos com três horas

semanais e no 3o e 4o anos com duas horas. A Literatura era proferida no 5o ano, com três

horas semanais e no 6o com apenas uma hora semanal. Permaneceu assim desmembrada até o

ano de 1901, quando voltou a ser uma só cadeira, pelo Decreto 501, de 5 de agosto. Separou-

se novamente em 1906, ficando o Português lecionado nos 1o, 2o, 3o e 4o anos e a Literatura

Nacional no 5o e 6o anos, com duas horas semanais, até 1910.113

Os estudos da Gramática Portuguesa, nos primeiros anos do curso do Atheneu Sergipense, em 1908, deveriam revestir-se da maior simplicidade, limitando-se ao estritamente indispensável, para que o aluno adquirisse a elocução exata. Prescrevia a Lei que o professor desenvolvesse seus trabalhos com exercícios graduados de redação do pensamento, na leitura dos prosadores e poetas, com os quais o aluno se familiarizaria:

obrigando-o á explicação dos termos, expressões idiomaticas, figuradas, etc., no jogo da synonymia da paraphrase, emprego de vocabulos, reducção de prosa litteraria á linguagem commum, de versos á prosa litteraria ou vulgar, assim como de composição variadas e successivamente mais dificeis que versarão sobre conhecimentos adquiridos, assumptos de ordem litteraria, explicados anteriormente, biographia de vultos da historia patria. A grammatica historica constituirá o objecto do 4o anno. [...] O estudo de litteratura será precedido de noções de historia litteraria, particularmente das litteraturas que mais influiram na formação e desenvolvimento da litteratura da língua portugueza (Art.6 I, Decreto 556, 24 de agosto de 1908).

A Lei traça detalhadamente no artigo, os conteúdos a serem estudados e os meios pelos quais os professores deveriam pautar suas aulas, de modo que, ao final do curso, os

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alunos alcançassem êxito no falar e exprimir-se por escrito na língua nacional, além de acumular conhecimento dos prosadores e poetas brasileiros e portugueses. Contribuiria, portanto, esse saber, para a formação dos sujeitos que seguissem para os cursos superiores ou desenvolvessem funções diversas na sociedade.

Notou Razzini (2000), ao estudar o ensino de Português e da Literatura Nacional nos programas do Colégio de Pedro II, o aumento da carga horária de Português e o aparecimento da História da Literatura Nacional e a diminuição das aulas de Grego, Latim e Retórica e Poética: “O movimento de ascensão da língua e da literatura nacional foi acompanhado do declínio do ensino clássico, o qual, no entanto, resistiu até meados do século XX” (Razzini, 2000, p.238). E continua:

O ensino da língua e da literatura portuguesa sempre se pautou pelo ensino das línguas clássicas, sobretudo do latim. A gramática nacional era estudada a partir das categorias gramaticais da língua latina e explicada como sua transformação, enquanto a literatura nacional era apresentada segundo os critérios fixos da retórica e da poética clássicas, divididas por gêneros. A leitura literária, base do ensino de latim e grego e base do ensino de retórica e poética, também se transformou na base do ensino da língua e da literatura nacional, erigindo os “clássicos nacionais” (Razzini, 2000, p.239).

Pode-se também concluir ter sido esse o perfil da cadeira de Português no Atheneu Sergipense.

No documento EVA MARIA SIQUEIRA ALVES (páginas 102-107)