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Retórica e Poética

No documento EVA MARIA SIQUEIRA ALVES (páginas 122-126)

2.3 As cadeiras lidas no Atheneu Sergipense

2.3.7 Retórica e Poética

Embora determinadas pela legislação de 1870 e abertas para funcionar, as aulas da cadeira de Retórica e Poética, por falta de alunos matriculados foi suspensa (cf. Relatório de 1872), e só começaram a ser lecionadas regularmente no Atheneu Sergipense no ano de 1874, quando o professor e filólogo Brício Maurício de Azevedo Cardoso ingressou no quadro

docente da escola.134 Até aquele momento eram constantes as reivindicações nos jornais e nos

relatórios da Diretoria sobre a inexistência da cadeira, solicitando providências para a implantação da mesma, uma vez que os exames de Preparatórios exigiam tais estudos.

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As referências dos autores utilizados por Baltazar Góes, poucas como avaliaram os pareceristas, encontram-se em notas de rodapé e são importantes indicadores das leituras efetuadas por ele para a construção de sua obra. Destacam-se: Emilio, de Rousseau; O cuidado das creanças, de Monsenhor Sebastião Kneipp; Arte de formar

homens de bem, de Dr. J. N. Jaguaribe Filho; A instrucção publica, de João Ribeiro; Grammatica elementar de

Hilário Ribeiro; Elementos de Pedagogia, de Graça Affreixo e Henrique Freire, Primeiras lições de coisas, de Calkins. Almejava assim não deixar a Escola Normal de Sergipe alheia aos movimentos de renovação de métodos e processos pedagógicos em debate no Brasil.

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Alves (2004c) faz um estudo da obra de Baltazar Góes, notadamente ao ensino da Aritmética.

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Bricio Cardoso (09/07/1844-21/11/1924) regeu também no Atheneu Sergipense a cadeira de Gramática Filosófica da Língua Vernácula e Lições de História Universal. Foi deputado provincial e Secretário de Estado, escrevendo em vários jornais de Sergipe e da Bahia. Sobre o tema consultar, Gally (2002, 2004a,b). Bricio Cardoso reproduzia suas aulas em artigos publicados em jornais locais.

“Como desprezar o estudo da retórica, se ela é útil aos oradores, aos escritores e também aos que amam a expressão do belo intelectual, já por meio da palavra viva, ou falada, já por meio da palavra semi-morta ou escrita”, defendia Brício Cardoso em seu discurso inaugural da cadeira de Retórica e Poética no Atheneu Sergipense.

Excessivamente gordo, quase sem pescoço, usava cabelo a escovinha, bigode aparado e barba escanhoada. Vestia-se elegantemente e andava com passinhos miúdos, levando sempre seu guarda-sol indispensável nas ruas desabrigadas da Aracaju antiga (Campos, 1970, p.61).

Esse professor é interpretado por Galy (2004a) como sendo o agregador de alunos matriculados na cadeira. Não é certo que “em Sergipe não havia nem a cadeira nem professor que pudesse ministrá-la”, conforme acentua Gally (2004a). A cadeira de Retórica e Poética

compunha o 4o ano do curso de Humanidades e desde a criação do Atheneu Sergipense já

havia no seu Estatuto o anúncio da cadeira e dos compêndios a serem adotados. Em 1875, 4 são os alunos matriculados na cadeira de Retórica e Poética, perdendo em número apenas para os 3 de “Gramática, Tradução e Exercícios Orais e Escritos da Língua Inglesa”. A maior freqüência naquele ano estava com os 52 alunos matriculados em “Aritmética e Álgebra com suas aplicações mais gerais”.

Por meio das impressões de João Ribeiro, aluno do Atheneu Sergipense, é possível ter uma idéia das aulas de Retórica e Poética de Brício Cardoso.

Era então adolescente e vivia nessa pequenina Aracaju, quadriculada e geométrica, á margem do rio-mar do Cotinguiba, dúbio povoado de coqueiros na faixa arenosa, donde a cidade emergiu em poucos anos. Fazia eu, então, os meus estudos no Atheneu e entre os professores desse ginásio oficial da província havia um de feições amáveis que me lembrava um pastor protestante. Era Brício Cardoso, professor de Retórica e Poética, de Português e eventualmente de Filosofia. A sua figura ainda hoje me aparece aos olhos, viva, simpática, impressiva, ao mesmo tempo severa, dentro da sua imperturbável serenidade. Com ele aprendi os rudimentos de filosofia, segundo o livro oficial, que era o de padre Barbe. A minuciosa loquacidade e a arte de argumentar de Brício Cardoso animava a frialdade daquele compendio cheio de toleimas e trivialidades (João Ribeiro, apud Gally, 2004a, p.75).

Brício Cardoso colocava a utilidade da Retórica em paralelo com a utilidade da lógica e da gramática: “Eu considero a retórica como uma gramática transcendental e também como uma lógica, mas lógica coberta de galosas vestes, ornada de jóias de preço com o fim único de seduzir, cativar e arrebatar” (Jornal do Aracaju, 15 de maio de 1874). Pode-se entender como finalidade do ensino da Retórica a assinalada por Souza (1999): ao “apreciar obras alheias,

pelo exercício da análise, permite conhecer por dentro os segredos do artista, [e] dá acesso ao domínio dos seus instrumentos e artifícios, habilitando, portanto à produção de obras próprias” (Souza, 1999, p.104).

Os compêndios indicados para as aulas de Retórica e Poética no Regulamento Orgânico da Instrução Pública de 1870 foram: Elementos da Eloqüência Nacional e Lições

Elementares de Poética Nacional, de Francisco Freire de Carvalho*; Andrieux; Lucena, a

vida do Padre Francisco Xavier; Manuel Odorico Mendes, Virgílio Brasileiro.

Em debate ocorrido na reunião da Congregação de 30 de abril de 1874, emergiu a finalidade do estudo de Retórica. O professor Raphael Archanjo de Moura Mattos defendia ser mais conveniente inverter o horário da aula de Retórica do meio dia para as sete da manhã, permutando assim com a aula de Pedagogia, que passaria a ser do meio dia a uma e meia da tarde. Justificava o seu argumento alegando ser conhecedor de que alguns empregados públicos pretendiam matricular-se nas aulas de Retórica, e aquele seria um horário mais adequado para freqüentá-las. Retórica junto com Poética era uma disciplina exigida nos exames de Preparatórios das Academias de Direito, como também nos cursos das carreiras eclesiásticas, saindo essas exigências no ano de 1891.

O governo procurava estimular o ingresso de alunos no Atheneu Sergipense, dispensando as horas de trabalho dos funcionários públicos que desejassem cursar matérias oferecidas no curso de Humanidades, como também incentivava os professores primários a fazerem o curso Normal (cf. Nunes, 1984b). Por que os funcionários públicos queriam fazer aula de Retórica? Os estudos de Retórica eram fundamentais para aqueles que queriam ingressar nos estudos maiores das faculdades do Império e os funcionários públicos almejavam elevar seu status social. Há indícios, portanto, de que a realidade social externa à escola condiciona modificações dentro da mesma. Ademais, Retórica e Poética,

ocupando posição destacada no sistema de ensino, como decorrência das altas e amplas funções que lhe eram atribuídas no processo educacional – além de preparar oradores e escritores, apurar as faculdades intelectuais, temperar o caráter e desenvolver o espírito público –, a formação retórica expandiu os seus efeitos por diversos aspectos da experiência social brasileira (Souza, 1999, p.83).

As comemorações e festividades constituíam ocasiões propícias para o estreitamento da relação entre “a retórica como matéria de ensino e como desempenho prático em situações públicas” (Souza, 1999, p.92). No Atheneu Sergipense, inflamados eram os discursos dos professores e alunos encarregados de fazê-los nas ocasiões festivas. Neste texto, vimos variados exemplos de eloqüência como “espetáculos públicos”. Também nos textos

jornalísticos, prática extensivamente adotada por intelectuais de Sergipe, são identificados aspectos da eloqüência, quer nos artigos ou ensaios defensores de temas, quer nas polêmicas levantadas que marcaram a vida cultural sergipana, como, por exemplo, o debate do início do século XX travado entre Olympio Campos, Felisbelo Freire, Alfredo Varella e José do Patrocínio, evidenciando uma “conjugação entre os espíritos jurídicos e retóricos” (Souza, 1999, p.92).135

A cadeira de Retórica e Poética permaneceu no quadro do Atheneu Sergipense até o ano de 1891, tal como ocorrera no Colégio de Pedro II (cf. Souza, 1999). Com a Lei 35, de 18 de agosto de 1892, a cadeira passou a denominar-se Português e Literatura Nacional. A cadeira de Retórica e Poética foi extinta dos programas do Colégio de Pedro II em 1890, mas não se pode registrar o seu simples desaparecimento, uma vez que seus conteúdos foram lentamente transferidos e adaptados para o currículo de Português, como acentua Razzini, (2000, p.75).

No Atheneu Sergipense, a cadeira de Retórica e Poética, pelo Regulamento Orgânico

da Instrução Pública de 1870, deveria ser ministrada no 4o ano do curso de Humanidades

(embora só começando a funcionar em 1874), ao tempo em que, pelo mesmo Regulamento, Gramática Filosófica da Língua Nacional e Análise dos Clássicos comporia o conjunto das

cadeiras do 1o ano. Por lacunas nas documentações identificadas, não encontrou-se vestígios

que indicassem em quais anos do curso de Humanidades essas cadeiras foram ministradas durante alguns períodos da pesquisa (Verificar no Anexo V). As pistas indicam que Retórica e

Poética, acrescida de Literatura Nacional, foi incorporada às disciplinas do 5o ano do curso de

Humanidades, e Gramática Filosófica da Língua Nacional e Análise dos Clássicos apenas no

2o ano, conforme Regulamento de 9 de janeiro de 1877.

Até o ano de 1881, há outra lacuna na distribuição das cadeiras por ano de curso. Naquele ano, a organização do horário das aulas, segundo a Ata da Congregação de 12 de

agosto, atribui para a “1a cadeira”, que segundo o Regulamento de 1877 compreendia

Gramática Filosófica da Língua Nacional e Análise dos Clássicos, aulas nos 1o, 2o, 3o e 4o

anos, enquanto que as aulas de Retórica Poética e Língua Nacional seriam ministradas no 6o

ano. Em 1877, seu nome se expande acrescido da expressão “Literatura Nacional”, permanecendo assim até o ano de 1890, quando a Literatura Nacional separa-se da cadeira de Retórica e Poética, passando a incorporar os estudos de Português – “Língua e Literatura Nacional” (Decreto de 14 de março de 1890). Em 1899, agora denominada Português, a

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“Orientação da Política de Sergipe” e “Política de Sergipe” são dois dos textos jornalísticos que exemplificam as querelas travadas.

cadeira é ministrada nos 1o e 2o anos, com carga horária de 3 horas semanais, e no 30 e 4o anos de 2 horas semanais do curso Integral do Atheneu Sergipense, ao passo que Literatura, outra

cadeira, integra as disciplinas do 5o (3 horas semanais) e 6o anos (1 hora semanal). Em 1906,

1907 e 1908, a cadeira de Português foi ministrada nos 1o e 2o anos com 3 horas semanais, e

nos 3o e 4o anos com 2 horas. A Literatura era a cadeira do 5o e 6o anos com 2 horas semanais. Conclui-se que o ensino da Língua Nacional foi ministrado no Atheneu Sergipense nos primeiros anos do curso, ao tempo em que a Literatura, conjugada com Literatura Nacional, ou sob a designação de Retórica e Poética, ou Literatura Nacional, ou História da Literatura Nacional (1897), ocupou posição nos últimos anos do curso, como “coroamento dos estudos de letras” (cf. Souza, 1999, p.35).

No documento EVA MARIA SIQUEIRA ALVES (páginas 122-126)