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Este trabalho, além dos pressupostos da Fonologia Prosódica, toma como base a ideia de que uma gramática pode ser moldada ou modelada em níveis ou fases, já que, para o tratamento dos dados que estamos propondo, não teríamos como diferenciar os sufixos sem tratar de algum tipo de hierarquia. Dizer que uma gramática possui níveis, em termos gerais, significa dizer que há etapas com diferentes características no processo de formação de uma estrutura. Destacamos esse ponto, pois julgamos que este trabalho poderia ser enquadrado dentro de quaisquer teorias que tratassem o processo de formação de palavras como algo formado por constituintes de diferentes níveis.

A discussão, no nosso caso, gira em torno do momento e do locus da afixação dos sufixos do PB – se mais anterior ou posterior, se mais interno ou externo. Para tanto, descreveremos brevemente três modelos teóricos com pressupostos distintos sobre o funcionamento da língua-I – a saber: Fonologia e Morfologia Lexical, Morfologia Distribuída e Teoria da Otimidade –, e a maneira como cada um deles pode dar conta de representar o nivelamento de cada grupo de afixos do PB. Optamos por esses modelos por julgarmos que há equivalência formal no tratamento dos dados para os fins específicos deste estudo.

O primeiro desses modelos, Fonologia e Morfologia Lexical (LPM) (Kiparsky, l982, 1985), é um modelo modular e localista: modular, pois pressupõe que uma gramática seja dividida em módulos distintos, ou seja, possui a acepção de léxico, morfologia, fonologia, sintaxe, semântica existindo separadamente; localista, já que é um modelo pensado a partir da interação entre dois destes módulos: fonologia e morfologia. Dentro do componente lexical, então, regras morfológicas e regras fonológicas atuam complementarmente.

Quadro 4 – Modelo de gramática de acordo com a Morfologia e Fonologia Lexical

A capacidade dessa teoria em tratar o nivelamento está no léxico, que é dividido em estratos ou níveis, os quais possuem suas próprias regras e características específicas.

Cada estrato do léxico tem associado a ele um conjunto de regras morfológicas que agem na formação de palavras. Essas regras morfológicas estão ligadas a um conjunto particular de regras fonológicas que indicam como a estrutura construída pela morfologia é pronunciada (KATAMBA, STONHAM; 2006: 92, tradução livre).

Quadro 5 – Componente lexical no modelo da LPM, adaptado de Bisol (2005a: 94) e Katamba & Stonham (2006: 95)11

Bisol afirma que “as análises em sua maioria dividem o léxico em dois níveis, o da raiz e o da palavra, respectivamente nível 1 e nível 2, com que o português se coaduna plenamente” (BISOL, 2005a: 93).

11 Segundo Katamba & Stonham (2006), a proposta de Kiparsky (1982) sugere três estratos lexicais: o primeiro abrange flexão e derivação irregular, o segundo abrange derivação regular e composição e o terceiro abrange flexão regular. Contudo, estes autores propõem apenas dois níveis. Esta mesma proposta é feita em Bisol (2005a) para o PB.

Admitindo-se então que o léxico do PB seja formado pela existência de dois níveis, como a maior parte das análises assume, precisamos delimitar o que acontece em cada um destes níveis.

Em geral, formas idiossincráticas e irregulares vêm marcadas do léxico profundo – uma espécie de lista de morfemas, afixos e palavras. Processos menos regulares tendem a ser classificados no nível 1, enquanto processos muito produtivos e regulares acontecem no nível 2, mais próximos ao componente sintático.

A questão que cabe aqui é: em qual dos níveis morfológicos são anexados os afixos do PB: no nível da raiz ou no nível da palavra?.

Se admitirmos que a afixação do PB, em geral, aconteça no nível da palavra morfológica ou do radical acrescido da vogal temática (cf. Scalise (1984), para o italiano; Bermúdez-Otero (2006), para o espanhol; Rocha (2008), para o português brasileiro), precisamos contar com uma regra de apagamento de vogal temática para a maior parte das palavras sufixadas, já que, para o autor, “formativos de radicais nominais de fato ocorrem dentro dos sufixos derivacionais baseados no radical12” (BERMÚDEZ-OTERO, 2006: 23).

Já se admitirmos que a afixação do PB se dê no nível da raiz (cf. Harris (1983), para o espanhol; Pepperkamp (1997), para o italiano; Alcântara (2010), Schwindt (2013b), para o português brasileiro), essa regra não precisa ser aplicada à maior parte dos dados, visto que a maior parte das raízes termina em consoante e a maior parte dos sufixos nominais é iniciada por vogal. Em pesquisa experimental com palavras derivadas por -al e por -oso no dicionário Aurélio, Schwingel & Schwindt (2012) encontraram apenas 6,5% e 5,1%, respectivamente, de dados com uma vogal interveniente entre a raiz e o sufixo (ex. sexual, monstruoso); ou seja, a maior parte dos dados mostra uma relação direta entre a raiz e o afixo derivacional, não havendo justificativa para uma análise no nível da palavra no PB.

Partimos da crença de que, no PB, em geral, os afixos derivacionais são ligados diretamente à raiz no nível 1 ou nível α, enquanto os afixos chamados composicionais, pseudossufixos ou sufixos produtivos são ligados à palavra morfológica no nível 2 ou nível β. Essa palavra morfológica, por sua vez, também já se constitui como palavra fonológica por portar a estrutura necessária para a alocação do acento no PB.

A segunda teoria, Morfologia Distribuída (Halle & Marantz, 1993), não possui um componente lexical, nem módulos como os da LPM em sua organização – apesar de

12 Trecho original: “nominal stem formatives do in fact occur inside stem-based derivational suffixes” (BERMÚDEZ-OTERO, 2006: 23).

operações fonológicas e semânticas terem seus lugares bem definidos. A gramática nesse modelo não foi arquitetada a partir da interação morfofonológica, mas da capacidade sintática de gerar estruturas.

Tendo a sintaxe como o componente responsável pela formação de palavras, a teoria prevê, no lugar do léxico, a existência de três listas: (1) Traços Morfossintáticos; (2) Inserção Vocabular e (3) Enciclopédia.

Quadro 6 – Gramática na DM, retirado de Cyrino, Armelin & Minussi (2013: 109), adaptado de Siddiqi (2009:14)

A primeira lista armazena raízes (posições ocas) e traços abstratos (ex. categoria morfológica, tempo verbal), que serão o input para a operação sintática. Essa operação junta os elementos (ex. raiz + nominalizador) para a formação de um constituinte e gera uma estrutura sintática. Após esse processo, a estrutura é enviada para as operações morfológicas, que fazem ajustes “criando novos nós, apagando alguns, movendo nós, copiando traços, etc.” (MEDEIROS, 2009: 5).

Na lista 2, a estrutura recebe os itens ou peças de vocabulário com informação fonológica: l-morphemes serão preenchidos por palavras lexicais ou de conteúdo e f- morphemes serão preenchidos por palavras gramaticais ou funcionais. Logo após, a estrutura é enviada para a lista 3, que fica a cargo de inserir informação extralinguística, atribuindo, por exemplo, significados idiossincráticos ou não previstos. Nesta última etapa está o conhecimento externo do falante.

A formação de palavras (e sentenças) passa, então, a ser entendida como “a criação de núcleos sintáticos complexos e pode acontecer em qualquer nível da gramática, através de processos sintáticos tradicionais, tais como movimento de núcleo e adjunção” (ARMELIN, 2011: 3).

A noção de nivelamento entre afixos neste modelo está na posição sintática preenchida pela estrutura. Afixos que devem permanecer mais próximos à raiz estão em posições mais baixas na estrutura sintática, enquanto elementos mais periféricos ocupam posições mais altas na hierarquia. Um exemplo para tal organização é a proposta de Armelin (2011) de que aumentativos ocupem a posição nuclear do momento anterior à anexação do diminutivo, já que palavras com ocorrência de ambas as marcas sempre respeitam uma ordem específica (ex. bolãozinho, mas *bolinhozão).

Se tratarmos, por exemplo, -inho e -zinho como elementos de níveis distintos, teremos de encará-los como elementos que selecionam diferentes tipos de bases. Assim, -zinho seria mais alto na estrutura sintática do que, por exemplo, núcleos de gênero e número; -inho seria mais baixo que gênero, para os autores que admitem que ele é anexado a uma raiz ou uma palavra ainda não flexionada.

Nóbrega (2014: 199) ainda salienta que “o modelo [da MD] não conta, a priori, com a noção de palavra fonológica – e dos demais domínios prosódicos – como parte de sua constituição ontológica”. O autor sugere, então, uma adequação à criação dos domínios como parte dos mecanismos presentes no caminho para PF (phonological form). Casos de composição prosódica mencionados neste estudo apresentariam na PF formações similares às de compostos morfológicos, pelo fato de ambos apresentarem dois acentos primários. Os demais afixos do PB formariam com a base uma única estrutura prosódica.

O terceiro e último modelo abordado é a Teoria da Otimidade (Prince & Smolensky, 1993). Esta é uma teoria classificada como não modular e globalista, já que não possui morfologia, fonologia, sintaxe separadamente e possui restrições consideradas universais, ainda que seu ranqueamento mude de língua para língua.

Esse modelo não possui um componente lexical com regras e processos, mas prevê a existência de um inventário lexical, chamado LEXICON (LÉXICO). O inventário é responsável apenas pelas formas de input, que são representações relacionadas a propriedades morfológicas, fonológicas, etc., e contém dois mecanismos: um responsável por criar candidatos que serão avaliados (GEN, de generator) e outro responsável por avaliar estes candidatos a partir de restrições (EVAL, de evaluator).

As restrições, geradas por CON (constraints), podem ser, basicamente, de marcação (se avaliam as formas do output) ou de fidelidade (se avaliam a correspondência entre a forma do input e as formas do output). Um candidato ótimo a output é aquele que viola menos restrições altas no ranqueamento da língua. A teoria faz uso, então, de restrições universais violáveis (relacionadas aos diferentes módulos da gramática), que são ranqueadas diferentemente em cada língua. “A escolha do candidato ótimo é realizada por uma avaliação que considera, em paralelo, todos os candidatos e todo o ranqueamento de restrições” (SCHWINDT, 2005: 261).

No modelo standard da OT, a noção de nivelamento pode ser entendida através da violação ou não a restrições de alinhamento.

Em estruturas formadas por composição prosódica, por exemplo, as bases analisadas como input devem obedecer a restrições como ALIGN (STRESS; PW), ALIGN (LEX; PW) (cf. Schwindt, 2014), em que os limites da PWd garantem transparência plena das unidades morfológicas envolvidas, que são completamente produtivas. Alguns afixos constituem-se como PWds por serem acentuados e, assim, são considerados unidades lexicais13.

Sufixos pertencentes a unidades formadas por incorporação prosódica devem obedecer a restrições de alinhamento do tipo ALIGN (ROOT; AFFIX), já que não há efeitos prosódicos especiais e toda a estrutura formada por raiz e afixos resulta em apenas uma palavra prosódica.

Independentemente do modelo teórico, assumimos a ideia de que o PB apresenta a afixação no nível da raiz, como afirmamos anteriormente. Hipotetizamos que só estão restritos ao nível da palavra os afixos que sofrem os processos fonológicos do nível da raiz de forma independente (ex. atribuição do acento e neutralização da vogal média pretônica) ou apresentam-se como domínio para regras que acontecem no nível da palavra (ex. marcação de gênero).