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GRAMSCI E O ESTADO AMPLIADO: POSSIBILIDADES DE MOVIMENTOS NA CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA EDUCATIVA DE JOVENS E ADULTOS

APROXIMAÇÕES AO PROBLEMA: ALGUMAS REFLEXÕES

2. ESTADO, GLOBALIZAÇÃO E POLÍTICA EDUCATIVA: TRANSMUTAÇÕES E NOVA ORDEM MUNDIAL

2.2. GRAMSCI E O ESTADO AMPLIADO: POSSIBILIDADES DE MOVIMENTOS NA CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA EDUCATIVA DE JOVENS E ADULTOS

O conceito de Estado ampliado de Gramsci (1978; 2001) é formulado a partir da análise e compreensão dos acontecimentos históricos em que a Itália se encontrava, em meio à ascensão do fascismo e o contexto pós-revolução soviética. Assim, considera o homem enquanto sujeito na relação com o mundo e guarda estreita ligação com o contexto daquele período, refletindo suas escolhas políticas e ideológicas. Por isso mesmo, ao discutir a concepção de Estado, apresentou-nos outra possibilidade de se mover no terreno político para enfrentar a exploração capitalista que subjugava a classe operária italiana.

O Estado (no sentido amplo) não é mais o representante apenas dos interesses da classe dominante, mas é também atravessado pela luta dos diversos segmentos que compõem a sociedade civil, o que resulta em ampliação dos direitos sociais. Ou seja, o Estado não é apenas o aparelho coercitivo, mas engloba a sociedade civil, que por meio da hegemonia assume a direção do bloco histórico.

A concepção ampliada de Estado em Gramsci congrega duas esferas: a sociedade civil e a sociedade política (Estado em sentido restrito), que agem de forma orgânica. A unidade entre as duas estruturas encontra-se sintetizada na célebre frase do autor (1989, p. 149) que define “Estado = a Sociedade Civil + Sociedade Política, isto é, hegemonia revestida de coerção”. Assim, o Estado teria sua estrutura de dominação assegurada pela sociedade civil, que produz o consenso, e a sociedade política, que busca o domínio por meio da coerção.

Por esse caminho, o conceito de Estado ampliado, formulado por Gramsci, congrega os diferentes interesses das classes que compõe a sociedade civil e pressupõe a luta pela ampliação dos direitos aos grupos excluídos historicamente. Cabe

ressaltarque, mesmo diante da existência de uma classe hegemônica que, de certa forma, direciona as ações do Estado e do governo jurídico, os grupos subalternos podem se manifestar e se mobilizar no sentido de reivindicar políticas sociais que sejam consoantes às necessidades e anseios do povo.

Importa destacar, nesse contexto,a função do intelectual orgânico, na relação com a classe social à qual se vincula. Para Gramsci (2001) cada grupo social possui seus intelectuais que assumem a ideologia da classe à qual pertencem ou com a qual se identificam, de forma orgânica. Esse vínculo orgânico aparece na atividade que exerce, na busca de tornar hegemônica tal classe. Comprometidos com a classe social que representam, assumem a função de compreender criticamente a realidade. Essa compreensãoé compartilhada com o objetivo de buscar formas coletivas de transformação social.

As formas de pensar e de agir da classe dominante impõem às classes sociais unidade de pensamento historicamente construída pelo bloco histórico e expressa a aliança entre os diversos grupos sociais em torno de um objetivo comum. Esta, para se manter em posição de superioridade em relação às demais, “limita o pensamento original das massas populares de uma maneira negativa, sem influir positivamente sobre elas, como fermento vital de transformação interna do que as massas pensam, embrionária e caoticamente, sobre o mundo e a vida” (GRAMSCI, 1999 p. 115).

Todavia, a dialética da história depende da intervenção dos grupos que almejam alterar o percurso por meio de ações contra-hegemônicas na transformação das atuais estruturas. Nesse processo, os homens e mulheres implicados podem superar sua condição de opressão e avançarna proposição de ações políticas, com vistas a romper com a hegemonia da classe dominante. Ao refletir sobre essas condições nas quais os sujeitos estavam envolvidos, Gramsci (1978) se apropriou do termo “catarse”, utilizado pela primeira vez por Aristóteles, e o ressignificou, assumindo-o enquanto determinante da práxis humana, tendo em vista que o termo indica

a passagem do momento puramente econômico (ou egoísta-passional) ao momento ético-político, isto é, a elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens. Isto significa, também, a passagem do “objetivo ao subjetivo” e da “necessidade à liberdade” a estrutura da força exterior que subjuga o homem, assimilando-o e tornando passivo, transforma-se em meio de liberdade, em instrumento para criar uma nova forma ético-política, em fonte de novas iniciativas. A fixação do momento “catártico” torna-se assim, o ponto de partida de toda a filosofia da práxis[...] coincide com a cadeia de sínteses que resultam do desenvolvimento dialético (GRAMSCI, 1978, p. 53).

Esse processo de transformação crítica e de intervenção consciente no processo da história é o resultado de um movimento de resistência e obstinação da classe popular, de onde emerge, cada vez mais, o anseio por (re)escrever a própria história (SEMERARO, 1999).

Na crise sistêmica global do capitalismo surgem, cada vez mais, grupos alijados socialmente, que Dussel (1977; 2000) denomina de o “Outro”, “o não ser”. Nesse sentido, evidencia-se, cada vez mais, a insurgência de sujeitos periféricos, que almejam estabelecer novas relações sociais de produção, o que os leva, continuamente, a tomar consciência da sua situação de explorado. Frente a esse processo em que os grupos periféricos tomam consciência da sua situação de explorados, a organização sistemática assume estratégia para homogeneizar a potência de luta e contestação que intenta romper com as relações verticalizadas de dominação e reinventar outras formas possíveis de intervir e alterar o percurso histórico da estrutura desigual da sociedade capitalista de produzir e reproduzir vida (SEMERARO, 2012).

No Brasil, as características da sociedade civil, de acordo com Costa e Machado (2017), trazem as marcas da heterogeneidade, tendo em vista que agrega, além dos grupos nacionais, os Organismos Internacionais na disputa pelos rumos da política pública, organismos esses que têm assumido força considerável de interferência nos rumos da política brasileira. Contraditoriamente, em outros momentos também estão representados da sociedade política. Essa heterogeneidade da sociedade civil brasileira, apontada por Costa e Machado (2017), em que os diversos segmentos que a compõem apresentam interesses distintos, acaba por limitar a capacidade de organização, esta tão cara quanto necessária para a ampliação dos direitos. Além disso,

[...] mostra a influência dos contratualistas na constituição do Estado ampliado brasileiro, repercutida, também, por meio do culto ao individualismo e da liberdade do liberalismo clássico, que abrem espaço para a propriedade privada em detrimento do público, mantendo assim o privilégio da burguesia, ou de uma pequena elite, e excluindo a maioria da população dos direitos sociais, sobretudo os trabalhadores (COSTA; MACHADO, 2017, p. 37-38).

A partir dessas ponderações, reafirmamos a importância da organização e da insurgência dos grupos subalternos nos processos de organização de resistência à classe opressora, tendo em vista que “a iniciativa que nasce de baixo, para Gramsci, é tão importante quanto a necessidade da direção e a função dos intelectuais” (SEMERARO, 2012, p. 61).