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RELAÇÕES ESTADO E SOCIEDADE CIVIL: TENSÕES NO ÂMBITO DA AGENDA GLOBALMENTE ESTRUTURADA PARA EDUCAÇÃO

APROXIMAÇÕES AO PROBLEMA: ALGUMAS REFLEXÕES

4. AAÇÃO DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NA FORMULAÇÃO DAS POLÍTICAS: CATEGORIAS EMERGENTES

4.3. RELAÇÕES ESTADO E SOCIEDADE CIVIL: TENSÕES NO ÂMBITO DA AGENDA GLOBALMENTE ESTRUTURADA PARA EDUCAÇÃO

Ao nos determos nas análises dos documentos das Confinteas, não podemos perder de vista que a produção oriunda desses eventosé forjada num espaço de disputa, permeado por tensões e em permanente transformação. Assim, temos como tarefa evidenciar as induções da agenda globalmente estruturada para educação na construção das políticas educativas, bem como nos tensionamentos entre Estado e sociedade civil, e nas disputas de concepções na configuração do campo.

Retomando as ideias de mandato e governança, tais como defendidas por Robertson e Dale (2010), enquanto uma das prerrogativas da agenda global, essas são evidenciadas nas orientações da Declaração de Hamburgo e do Marco de Belém. Este último considera a

boa governança [como facilitadora] da implementação da política [...] em que os parceiros são indispensáveis para garantir a capacidade de resposta às necessidades de todos os educandos, principalmente dos mais vulneráveis (UNESCO, 2010, p. 9).

Coerentemente, essa ênfase corrobora e reproduz o que Robertson e Dale (2011) apresentam como explicitação da ação da agenda globalmente estruturada para a educação. Segundo os autores, as diferentes organizações parceiras são indispensáveis para garantir o atendimento do direito de todos à educação promovendo uma reconfiguração nas relações entre o Estado e sociedade civil, na corresponsabilização, formulação e efetivação das políticas educacionais voltadas para a população.

Do ponto de vista conceitual, ao nos voltarmos para a explicitação de algumas categorias,encontramos com mais força, nos documentos analisados, indicativos da ressemantização da educação ao longo da vida, para educaçãoe aprendizagemao longo da vida, como vimos, pela recorrência das categorias

expressas na tabela 2 (dois), a partir do documento da VI Confintea. Essa mudança na concepção em foco indica, tal como nos apresenta Lima (2007; 2012), duas possibilidades de leitura. Em suas reflexões, o autor nos leva a ponderar sobre a

ambiguidade e sentidos que a educação disputa numa sociedade em que cada vez mais o mercado é tomado como parâmetro para a construção das políticas.

Nessa perspectiva, os indivíduos tornam-se responsáveis pela sua própria educação sendo que a competitividade econômica é tomada como parâmetro que aposta nos investimentos e formação do capital humano dos pobres. Os indivíduos passam, também, a serem responsáveis por se manterem empregados e elevarem sua renda. Tal como afirma Dussel (2000), inverte-se o jogo: a vítima passa a ser culpada pela sua condição, enquanto o vitimário é considerado inocente.Dessa forma, o investimento individual é visto como necessário para gerar

benefícios sociais [produzindo discurso generalizante de criação] de sociedades mais democráticas, pacíficas, inclusivas, produtivas, saudáveis e sustentáveis [que garanta] a oferta da aprendizagem e educação de adultos de qualidade (UNESCO, 2009, p.10).

Com essa ênfase, torna-se desnecessário, como já vimos, a criação de políticas públicas, esvaziando a função do Estado de assegurar direitos, tendo em vista que a iniciativa privada proveria os meios para oferta de múltiplas possibilidades de escolhas no mercado de trabalho. Para o Banco Mundial,

[...] as políticas e instituições essenciais para a criação de mais oportunidades envolvem ações complementares destinadas a estimular o crescimento geral, fazer com que os mercados beneficiem os pobres e [aumentem] seus bens, inclusive eliminando desigualdades arraigadas na distribuição de serviços como a educação (BANCO MUNDIAL, 2001, p. 8, grifos nossos).

Assim, a AGEE, ao subsumir a educação às exigências mercadológicas e, consequentemente, reduzi-la à prestação de serviço, reproduz a lógica neoliberal,que busca adaptá-la às necessidades da economia e do mercado de trabalho, reproduzindo o caráter individualista, meritocrático, fragmentado e instrumental da formação. A ênfase utilitária da aprendizagem volta-se, assim, para a aquisição de “habilidades que permitirão ao aprendente trabalhar mais rapidamente e mais inteligentemente e, [...] permitir ao seu empregador competir melhor na economia global” (LIMA, 2012, p. 43).

Com efeito, na Declaração de Hamburgo, embora a ênfase da educação e aprendizagem ao longo da vida não seja recorrente, encontramos como objetivos da

educação de jovens e adultos: desenvolver autonomia e o sentido de responsabilidade das pessoas e comunidades para enfrentar as rápidas transformações socioeconômicas e culturais. É como se relegasse aos sujeitos da EJA a responsabilidade de “correr” atrás das exigências do mundo moderno. Consequentemente, em função das precárias condições de vida de boa parte dessa população, acaba-se por atribuir a esses a responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso (RODRIGUES, 2017).

Essa concepção, no atual contexto, disputa sentidos com a concepção de educação ao longo da vida como formação humana, numa perspectiva de educação crítica, assentada no inacabamento do ser humano como elemento fundante e princípio de um projeto de humanização e transformação social, em que os sujeitos se assumem como protagonistas da história (FREIRE, 1958; LIMA, 2007; 2016).

Encontramos no documento da V Confintea diferentes sentidos atribuídos à EJA, que passam a lhe conferir poder de intervenção dificilmente alcançável. Ora, é um “poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecológico, sustentável, da democracia, da justiça social, da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico.” Também é argumento fundamental para a construção do mundo “onde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça (UNESCO, 1997, p. 19-20). É também basilar na “criação de uma sociedade tolerante e instruída, [na busca do] desenvolvimento socioeconômico, [da] erradicação do analfabetismo, [da] diminuição da pobreza e [da] preservação do meio ambiente” (UNESCO, 1997, p. 20).

Retomando conexões com a opção epistemológica que orienta este estudo, de acordo com o Realismo Crítico de Baskhar (1998), podemos dizer que os documentos produzidos a partir das orientações da Agenda Globalmente Estruturada para Educação se configuram como elementos de investigação da política educativa e,neste caso específico, estão na realidade que tem conformado a EJA, desde sempre, no percurso do recorte temporal da pesquisa. O grande desafio desta investigação tem sido olhar este objeto que está na realidade, com o qual

temos estado envolvidas, numa perspectiva crítica, buscando compreender seus mecanismos, estruturas, processos e eventos, numa dimensão intransitiva.

Assim, pudemos observar que os documentos que abordam a pauta específica da EJA mostram de forma bastante contundente um alinhamento com a agenda globalmente estruturada, ao destacar questões como: aprendizagem ao longo da vida, redução da pobreza, focalização dos grupos mais vulneráveis, desenvolvimento socioeconômico, governança e oportunidades. Reafirmam, dessa forma, as orientações dos OI e suas intervenções na formulação das políticas.

5. POLÍTICAS EDUCATIVAS DE EJA: INCIDÊNCIA DOS ORGANISMOS