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Há ainda duas grandes e convenientes razões a favor desta sentença, além da autoridade dos teólogos, acima citados.

CAPÍTULO II: Certeza da Imaculada Conceição

II. DA NATIVIDADE DE MARIA

2. Há ainda duas grandes e convenientes razões a favor desta sentença, além da autoridade dos teólogos, acima citados.

Primeiro motivo:

A eleição de Maria para Mãe do Divino Verbo.

Escreve Dionísio Cartusiano: Por causa dessa predestinação foi Maria elevada a uma ordem superior à de todas as criaturas. Pois, segundo Suárez, de certo modo a dignidade de Mãe de Deus pertence à ordem de união hipostática, isto é, à união do Verbo Divino com a natureza humana. Com razão por isso, desde o princípio de sua vida, lhe foram conferidos dons de ordem superior, os quais incomparavelmente excedem a quantos foram concedidos às demais criaturas. Com efeito, não se pode pôr em dúvida que, simultaneamente com o decreto divino da Encarnação, ao Verbo de Deus foi também destinada a Mãe da qual devia tomar o ser humano. E essa foi Maria. Ora, S. Tomás ensina que a cada um dá o Senhor graça proporcionada à dignidade a que o destina. Já antes dele dissera S. Paulo: O qual também nos fez aptos ministros do Novo Testamento (2 Cor 3, 6). Diz ele com isso que os apóstolos receberam de Deus dons proporcionados aos grandes ofícios para que foram escolhidos. Sobre isso assim as externa S. Bernardino de Sena: Quando alguém é eleito por Deus para um cargo, recebe não só as disposições necessárias, mas ainda os dons precisos para exercê-lo dignamente. Ora, em vista da escolha de Maria para Mãe de Deus, convinha certamente que o Senhor, desde o primeiro instante, a adornasse com uma graça imensa, superior em grau à de todos os outros homens e anjos. Pois tal graça tinha de corresponder à imensa e altíssima dignidade, à qual o Senhor a elevara. Assim concluem todos os teólogos com S. Tomás. A Santíssima Virgem, diz este, foi escolhida para ser Mãe de Deus e para tanto o

Altíssimo capacitou-a certamente com sua graça. Antes de ser Mãe foi Maria, por conseguinte, adornada de uma santidade tão perfeita, que a pôs à altura dessa grande dignidade.

Já em outra passagem da Sauna Teológica, havia dito o Doutor Angélico que Maria é chamada “cheia de graça”, mas não tanto por causa da graça propriamente, porque a não possuía na suma excelência possível. Também em Jesus Cristo, diz o Santo, a graça habitual não foi suma, isto é, de tal forma que o poder divino a não tivesse podido fazer maior em absoluto. Foi entretanto suficiente e correspondente ao fim para o qual a Divina Sabedoria a predestinara, digo para a união da santa Humanidade com a Pessoa do Verbo. Disso a razão no-la dá o mesmo doutor: “Tão grande é o poder divino, que, por mais que conceda, sempre lhe resta a dar. Por si só, é a criatura muito limitada em sua natural receptividade, e ao mesmo tempo capaz de ser inteiramente cumulada. Entretanto é sem limites a sua faculdade de obediência à divina vontade, podendo Deus aumentar-lhe a receptividade e cumulá-la de graças.

Mas voltemos ao nosso assunto. Afirma S. Tomás que Maria, não fosse embora cheia de graça em relação propriamente à graça, é entretanto chamada cheia de graça em relação a si mesma. Pois a recebeu imensa, suficiente e correspondente à sua sublime dignidade. Por ela então se tornou capaz de ser Mãe de um Deus. Escreve por isso Benedito Fernández: Na dignidade de Mãe de Deus está a medida para se aliviar da graça comunicada a Maria.

Com razão, pois, disse Davi “que os fundamentos dessa cidade de Deus deviam ser colocados no cimo dos montes” (Sl 86,1). Isto é: que o princípio da vida de Maria tinha de ser mais alto que a consumação da vida dos santos. O Senhor — continua o régio cantor — tem mais amor às portas de Sião (de Maria), do que às tendas de Jacó (aos santos). E com razão alega que o Senhor devia fazer-se homem no seio virginal de Maria: E nela nasceu como homem (id., 5). Foi conveniente, portanto, conceder a essa Virgem, desde o primeiro instante em que a criou, uma graça correspondente à dignidade de Mãe de Deus.

O mesmo quis expressar Isaías, ao dizer: “que, nos tempos futuros, se havia de elevar o monte da casa do Senhor (que foi a Santíssima Virgem) sobre o vértice de todos os outros montes, e que todas as nações haviam de correr a ele para receberem as divinas misericórdias” (2,2). Sobre o que nos dá S. Gregório a seguinte explicação: O monte que se eleva sobre os outros montes é Maria, a qual ultrapassa a todos os santos. S. João Damasceno vê na Virgem “a montanha que Deus quis escolher para morada” (Sl 67,17). Maria chama-se por isso cipreste do monte de Sião; cedro do Líbano; oliveira, mas oliveira especiosa; eleita, mas eleita como o sol. Como este — observa Nicolau, monge — excede com sua luz o esplendor das estrelas e fá-las empalidecer, assim a Virgem Maria supera com sua santidade e com seus méritos a corte celestial. De S. Bernardo ouvimos o mesmo com as belas palavras: Não convinha a Deus outra Mãe que não Maria, e à Virgem Maria não convinha outro

Filho senão Deus.

Mais uma razão existe comprobatória de que Maria, no primeiro instante de sua vida, foi mais santa que todos os santos juntos.

Segunda razão:

Temo-la no sublime ofício de Medianeira dos homens, que foi confiado a Maria, desde o princípio de sua vida. Já antecipadamente esse ofício reclamava um cabedal de graças, maior que o concedido a todos os homens. Sabem todos que os teólogos e Santos Padres atribuem geralmente a Maria este título de Medianeira, por ter ela com sua poderosa intercessão, e mérito de congruência, obtido a salvação de todos, proporcionando ao mundo perdido o grande benefício da Redenção. Dissemos mérito de congruência, porque só Jesus Cristo é nosso Medianeiro por via de justiça e por mérito de condigno. Para tanto ofereceu seus merecimentos ao Eterno Pai, que para nossa salvação os aceitou. Maria, ao contrário, é medianeira de graça por via de simples intercessão e de mérito de côngruo. Ofereceu, dizem os teólogos com S. Boaventura, seus merecimentos pela salvação de todos os homens. E Deus aceitou-o por graça com os merecimentos de Jesus Cristo. Daí as palavras de Arnoldo de Chartres: Cooperou Maria com Cristo para nossa salvação. E ainda a sentença de Ricardo de S. Vítor: Para todos Maria desejou, procurou e obteve a salvação. Assim, pois, todo bem, todo dom de vida eterna recebido de Deus, por cada santo, lhe foi dispensando por meio de Maria.

É o que nos quer dar a entender a Santa Igreja, aplicando-lhe vários textos do Eclesiástico: Em mim há toda a esperança do caminho e da verdade (24,25). Do

caminho, porque por ela são dispensadas as graças aos peregrinos neste mundo; da verdade, porque por Maria se nos dá a luz da verdade. “Em mim há toda a esperança

da vida e da virtude” (24,26). Da vida, porque por ela esperamos obter a vida da graça na terra e da glória no céu. Da virtude, porque por meio dela se adquirem as virtudes, especialmente as teologais, que são as principais virtudes dos santos. “Eu sou a mãe do bel amor e do temor, do conhecimento e da santa esperança” (24,24). E tudo porque Maria com sua intercessão impetra a seus servos os dons do divino amor, do santo temor, da luz celeste, da santa confiança. Do que S. Bernardo deduz que é ensinamento da Igreja o ser Maria medianeira universal de nossa salvação.

É por isso, assevera o Pseudo-Jerônimo, que o arcanjo chamou a Virgem cheia de graça; porque, enquanto que aos outros santos a graça é concedida com limites, sobre Maria foi derramada em sua plenitude. E tal se deu, observa Basílio de Seleucia, para que ela pudesse servir como digna medianeira entre Deus e os homens. Com efeito, pergunta S. Lourenço Justiniano, sem essa plenitude da graça divina, como teria a Virgem podido ser a escada do paraíso, e advogada do mundo, a verdadeira medianeira entre os homens e Deus?

Como Mãe destinada ao comum Redentor, já recebeu Maria, desde o começo, o ofício de medianeira de todos os homens, e por conseguinte de todos os santos. Assim sendo, foi necessário que tivesse, também desde o começo, graça maior que a de todos os santos, pelos quais devia interceder. Vou explicar- me com mais clareza. Se por meio de Maria haviam os homens de tornar-se mais caros a Deus, preciso era que ela fosse mais santa e mais querida de Deus, do que todos os homens juntos. Porque, assim não sendo, como teria podido interceder por todos eles? Para que um intercessor obtenha do príncipe obséquio para todos os vassalos, é absolutamente mister que lhe seja mais caro do que os seus demais súditos. Maria, conclui Eádmero, mereceu pois ser digna Reparadora do mundo decaído, porque foi a mais santa e a mais pura de todas as criaturas.

Foi a Virgem, pois, medianeira dos homens. Mas, dirão talvez, como pode ela ser também medianeira dos anjos? Sustentam muitos teólogos que Jesus Cristo mereceu a graça da perseverança aos anjos também. Tornou-se-lhes assim medianeiro

de condigno, o que permite chamar a Maria de medianeira de côngruo, desde que

com suas preces acelerou a vinda do Redentor. Pelo menos merecendo de côngruo tornar-se Mãe do Messias, mereceu aos anjos a reparação dos lugares perdidos pelos demônios. Eis como se expressa Ricardo de S. Vítor: Anjos e homens foram reparados por Maria; por ela a ruína dos anjos foi restaurada e a natureza humana, reconciliada. E antes dele, escrevera Eádmero: Tudo foi restaurado por essa Virgem.

Assim a nossa celeste menina, tanto por causa de seu ofício de medianeira do mundo, como em vista de sua vocação para Mãe do Redentor, recebeu, desde o primeiro instante de sua vida, graça mais abundante que a de todos os santos reunidos. E que admirável espetáculo para o céu e para a terra não seria a alma dessa bem- aventurada menina, encerrada ainda no seio de sua mãe! Era a criatura mais amável aos olhos de Deus, pois que, já cumulada de graças e méritos, podia dizer: Quando era pequenina agradei ao Altíssimo. E ao mesmo tempo era a criatura mais amante de Deus, de quantas que até então haviam existido. Houvera, pois, nascido imediatamente após a sua Imaculada Conceição, e já teria vindo ao mundo mais rica de méritos e mais santa do que toda a corte dos santos. Imaginemos, agora, quanto mais santa nasceu a Virgem, vendo a luz do mundo só depois de nove meses, os quais passou adquirindo novos merecimentos no seio materno! Mas prossigamos para a consideração do ponto segundo.

PONTO SEGUNDO

A grande fidelidade na pronta cooperação com a graça

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