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Foi gravada naquela 5ª série uma seqüência de seis aulas, que versavam sobre contos populares. Antes da gravação efetiva das interações, duas aulas foram utilizadas pelo professor para a abordagem das características dos contos. A ele foi pedido que, em caráter experimental, trabalhasse com um conto retirado da coletânea empreendida pelos Irmãos Grimm, bem como com uma versão correspondente em língua portuguesa, coletada por Câmara Cascudo, e ainda com um conto da tradição indígena brasileira. A escolha desta tríade se deu em função de dois fatores: a semelhança entre os dois contos, que foram colhidos por aqueles pesquisadores na Alemanha e no Brasil, mas também foram encontrados em vários outros países141

, e do foco das aulas, voltado para questões ambientais.

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Nas Considerações Finais desta pesquisa, registramos mais detalhadamente vários aspectos dessa preocupação.

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Em nota de rodapé, Câmara Cascudo ([1946]2003) dá os seguintes esclarecimentos sobre aquele conto: “Teófilo Braga registrou a versão portuguesa do Algarve, “O peixinho encantado”, nº 26, não havendo nela a prisão dos personagens, nem a aparição do palácio. É o mesmo João Mandrião, da coleção de Adolfo Coelho (XXX), o “Preguiçoso da Forneira”, da série de Consiglieri Pedroso (XVII), o “Pedro Preguiça”, dos Contos Tradicionais do Algarve, nº 60, coleção de Ataíde de Oliveira. Os Irmãos Grimm recolheram a variante alemã “O pescador e sua mulher; Alfredo Apell (“Contos populares russos”, 1,33) divulgou “Emiliano Parvo”, com enredo idêntico em suas linhas gerais. Apell cita as variantes russa de Afanasiev, grega de Hahn, slovena de Afanasiev, napolitana de Giambatistta Basile, em que o mandrião Perounto refere-se às façanhas do nosso preguiçoso etc. Na América Central, Carmen Lyra recolheu “Juan, el de la garguita de leña”, na sua coleção de Contos populares da Costa Rica, “Contos de mi tia Panchita”, 98. É o Mt. 675 de Aarne-Thompson, The Lazy Boy, em que há o salmão mágico e a ordem: — By the world of the salmon D1712,1; a viagem em cima do feixo de lenha, D1600,11; a princesa ri e fica grávida, T512; recolheceu-se o filho, H481; são abandonados num caixão no mar, S141; transformação do palácio, D1131 e a humilhação do real sogro, L175. Além da bibliografia, autenticando a existência do conto na Europa do Norte e do Leste, na Grécia e na América indiana, há a citação do livro de Wesseelski, “Hodscha Nasreddin”, coleção de contos turcos e árabes. Silva Campos registrou uma variante na Bahia, “O preguiçoso e o peixinho”, LXVI, onde não há o castigo da princesa nem o perdão do rei. Straparola (Piacevoli Notti, edição de 1584) registra uma versão popular quinhentista. Pietropazzo pescou um peixe milagroso, Tonno, seguindo-se o enredo inteiramente igual à variante brasileira desta coleção, em que em vez de colher é uma maçã de ouro que se oculta no bolso do rei”.

Assim, os contos “Von dem Fischer und seiner Frau” e “O peixinho encantado”142, que têm elementos de identidade143, foram lidos e problematizados. O conto dos Irmãos Grimm foi trabalhado, primeiramente em dialeto, que os alunos não conseguiram entender144, e depois em alto alemão. A leitura de todo o conto foi feita pelos alunos, por partes, que foram sendo aos poucos analisadas, para que detalhes do texto fossem apreendidos e o vocabulário fosse trabalhado. Nesse contexto, temas como a ambição, o egoísmo, o valor do dinheiro ou características do poder foram problematizados. Em seguida, os alunos se reuniram em duplas para procurar as características dos contos ali contidas. Como tarefa de casa, o conto dos Grimm, em português, foi entregue a eles, para leitura, e foi pedido que desenhassem uma das mudanças acontecidas, a partir dos desejos da mulher do pescador.

No dia seguinte, o professor iniciou os trabalhos pedindo que os alunos narrassem o conto do dia anterior, como estratégia de rememoração, aquecimento e retomada, o que foi exercitado de forma detalhada. Os alunos, então, passaram a apresentar rapidamente os desenhos que fizeram, de uma das diversas etapas da história, por eles escolhida. Feito isso, o conto “O peixinho encantado”, coletado por Câmara Cascudo, foi distribuído, com alguns comentários de surpresa por parte de uma aluna, sobre o fato de o texto estar em português145. A leitura daquele texto foi realizada pelos alunos, sob a advertência do professor de que palavras exóticas, de significados desconhecidos, poderiam ser encontradas. Terminada a leitura, comentários foram feitos acerca do regionalismo das expressões idiomáticas e algumas situações do texto foram problematizadas, como as estratégias do “preguiçoso” ou as ponderações do rei. Como tarefa de casa, foi pedido aos alunos que aquele conto fosse comparado com o dos Irmãos Grimm, em suas semelhanças e diferenças.

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Ambos com cópia em português anexadas a esta Tese. 143

A matriz de ambos foi coletada pela primeira vez na Europa, como vimos no Capítulo III desta Tese, pelo pintor Runge, de quem os Irmãos Grimm adotaram, como paradigmáticas, as tendências estilísticas, como repetição de palavras, onomatopéia, fala direta ou dramaticidade.

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Essa versão, retirada da compilação dos Irmãos Grimm por nós estudada, foi introduzida de forma proposital, para que os alunos vivenciassem a antiguidade dos contos.

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No encontro seguinte, a estratégia de aquecimento é novamente realizada, quando o professor pede que os alunos contem brevemente do que trata a história. Feito isso, eles passam às comparações entre os dois textos, o que se constituiu em tarefa de casa, tendo como base as já abordadas características dos contos. Em outras palavras, eles tentaram situar as histórias em tempo e local específicos, vendo a impossibilidade de tal procedimento, e buscaram localizar as situações relacionadas ao maravilhoso e a condição social dos personagens. A questão ambiental é então aí introduzida pelo professor, com a pergunta sobre a relação das pessoas com o meio ambiente naqueles textos. Segue-se a isso uma discussão acerca das interdependências entre meio ambiente natural e aqueles seres humanos, para então se instaurar uma longa problematização sobre relações socioculturais, em suas nuanças, como desigualdades sociais ou inter-relações pessoais, com foco, por exemplo, no valor de compra do dinheiro e a sua ligação a bens incompressíveis, como amor, amizade família etc., ou com problemas sociais, tendo sempre no horizonte as situações dos contos.

O professor apresenta, então, a perspectiva de inserção dos alunos naquele universo encantado, ao sugerir o seguinte: “Se vocês tivessem a possibilidade de lançar três desejos, o que pediriam ao peixe?” e a esse desafio se segue uma acalorada discussão, que também será apresentada e problematizada, ao analisarmos discursivamente as diversas situações em interação estudadas. Acalmados os ânimos, um terceiro conto passa a ser trabalhado, a partir da apresentação, em retroprojeção, de uma transparência com as imagens nele contidas. Trata- se de um conto indígena, de título “Wie Regen und Samen die Erde fruchtbar machen” (Como chuva e sementes tornam a terra frutífera), retirado da compilação Märchen und Mythen der brasilianischen Indianer146

. Os alunos deveriam ali descrever as diversas situações apresentadas no desenho147

, como estratégia de aquecimento, que se deu em farta e intensa exploração. A leitura de todo o texto é feita, em alemão, em partes lidas por cada um dos

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Contos e mitos dos índios brasileiros. 147

alunos, que vão sendo trabalhadas. Com os subsídios do texto, o meio ambiente volta a ser problematizado — agora especificamente a relação do homem com o meio ambiente natural é fartamente abordada — para então passar à relação sociocultural dos índios com o seu meio ambiente natural, no que tange a trabalho, aquisições, inter-relações sociais ou sobrevivência, por exemplo. Ao final, o professor quer saber dos alunos de qual dos três contos eles mais gostaram e mais uma discussão se instaura, em que os valores de cada um dos contos são trazidos e problematizados.