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Tratamento dado aos domínios sociocultural e literário nos currículos da

Na Introdução deste estudo, foi dito que são dois os colégios alemães particulares do Estado de São Paulo e que ambos trabalham, na educação bilíngüe, com um currículo brasileiro e um currículo alemão. Foi dito, também, que em ambas as escolas, o currículo brasileiro atende às exigências do Ministério da Educação e Cultura brasileiro (MEC) e o currículo alemão às exigências de órgãos competentes para a supervisão da educação na Alemanha que, no caso específico, é situado no Estado de Baden-Württemberg.

A análise dos documentos curriculares dessas escolas e as entrevistas feitas com os diretores dos seus currículos alemães mostraram que ambas seguem, criteriosamente, as recomendações curriculares de ambos os Ministérios da Educação. No caso do currículo alemão, o Estado de Baden-Württemberg segue as recomendações do Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas, elaborado pelo Conselho da Europa, no âmbito do projeto “Políticas Lingüísticas para uma Europa Multilíngüe e Multicultural”. Exatamente porque há essa inter-relação entre os documentos curriculares das escolas alemãs no Brasil, aqui pesquisadas, com as indicações de procedimento tanto no Estado de Baden-Württemberg quanto no referido Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas, é que trazemos, para o âmbito desta análise, as características genéricas daqueles documentos, no que tange ao tratamento que dão aos domínios sociocultural e literário, para então abordarmos aquelas mesmas características nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), do Ministério da Educação e Cultura brasileiro, com vistas a traçar o panorama a partir do qual aquelas duas escolas desenharam os seus quadros curriculares para línguas.

O Quadro Comum Europeu de Referência para Línguas: Aprendizagem, Ensino e Avaliação é um documento que fornece a base comum para a elaboração de

programas de línguas na Europa, indicando linhas de orientação curricular, de exames, de elaboração de manuais, dentre vários outros itens. Nas palavras ali contidas, é mencionado que ele descreve exaustivamente aquilo que um aprendiz de língua tem de conhecer para ser capaz de se comunicar naquela língua estudada e quais os conhecimentos e capacidades ele tem de desenvolver para ser eficaz na sua atuação. É importante aqui ressalvar que essa descrição abrange também, segundo as suas indicações, o contexto cultural daquela mesma língua. Além disso, o documento fornece uma base comum para a explicitação de objetivos, conteúdos e métodos com o propósito, segundo o que ali é mencionado, de alcançar um dos objetivos gerais do Conselho da Europa, que é “conseguir maior unidade entre todos os seus membros, através de uma ação conjunta na área de cultura”. Entre os princípios básicos ali contidos, encontra-se o que é denominado de “medida de caráter geral”, que postula a aquisição de conhecimentos mais vastos e mais profundos sobre o modo de vida e a mentalidade de outros povos, assim como sobre o seu patrimônio cultural. Ou seja, aquele documento traz fortes indicações de atenção ao que denominamos de “domínio sociocultural”, como aqui registrado, sem, entretanto, fazer menção específica ao trato com a literatura, o que não acontece com o documento alemão do Estado de Baden-Württemberg, nem com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), em que o tema é amplamente tratado, como veremos.

O Plano de Ensino do Ministério da Cultura, Juventude e Desportos, do Estado de Baden-Württemberg, na Alemanha, órgão responsável pelas escolas alemãs no Brasil, em linhas gerais trata de temas como o nível mínimo a ser alcançado pelo aluno, em cada uma das matérias componentes do currículo do nível fundamental, aponta as principais reflexões para a aquisição de competências para as línguas modernas, apresenta quadros de comparação de resultados ou de diferenciação de currículos, dentre outros itens. Os administradores responsáveis pela sua produção registram ser esse Plano resultado da conscientização sobre os conteúdos e níveis da formação escolar para a cultura de

aprendizagem motivada e sustentável. O Plano aponta, assim, o que seriam as tarefas da escola, quais as metas a serem alcançadas, quais os princípios didático-metodológicos ali envolvidos, registrando os principais eixos para a aquisição de competências. A aula de alemão, segundo as suas indicativas, seria a base para a educação lingüística e literária dos alunos, sendo que os domínios de língua e de literatura se constituiriam em meios de entendimento do mundo e de apresentação da realidade, bem como para o entendimento interpessoal, sendo fonte de análise e de reflexão, de solução de problemas e de criatividade.

No registro das competências necessárias, encontra-se a competência cultural, que, segundo o que ali se postula, diz respeito a uma comunicação bem estruturada em sociedade, que possibilite o entendimento do outro e dê subsídios para o entendimento dos seus fundamentos históricos e culturais, o que, por fim, ajudaria a formar a própria identidade cultural dos sujeitos-alunos.

A indicação de conteúdos a serem trabalhados, por outra via, que segue um quadro de competências em fala, escrita ou leitura, por exemplo, aponta o trabalho com narrativas orais e escritas, voltado para textos literários e não-literários. Assim, a necessidade de se saber dividir o gênero narração em contos populares, lendas, fábulas, textos dramáticos, poesia, relatórios ou literatura juvenil, identificando as características de cada um, é ali apontada textualmente.

Seguindo criteriosamente as recomendações de procedimento daquele órgão gerenciador alemão, as duas escolas paulistas, em seus planos de ensino e em atendimento às necessidades do currículo alemão, mas também ao currículo brasileiro, indicam o trabalho com textos literários e não-literários, para o reconhecimento de gêneros e o descobrimento de características de textos épicos e líricos. Especificamente para a quinta série, é indicado o trabalho com narrativas orais e escritas, com o reconhecimento e uso de meios verbais e não- verbais de expressão, em inserção dos alunos em universos culturais diferenciados e em valorização da pluralidade cultural. Os conteúdos recomendados para a educação lingüística

tratam, por sua vez, pontual e especificamente, da análise de fábulas, contos e lendas naquela referida série.

A preocupação específica com temas culturais e literários naquelas escolas bilíngües que, como vimos, atende às exigências das indicações curriculares de ambos os países, encontra lastro também nos Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados pelo Ministério da Educação e Cultura brasileiro. Nele, é dada grande ênfase ao respeito às diversidades regionais e culturais, sendo firmada ali a necessidade de se tratar do que no documento foi denominado de “temas sociais urgentes”, no âmbito das diferentes áreas curriculares e no convívio escolar. Ao fazer menção ao binômio “culturas locais e patrimônio universal”, os PCNs registram que “a função da escola em propiciar um conjunto de práticas preestabelecidas tem o propósito de contribuir para que os alunos se apropriem de conteúdos sociais e culturais de maneira crítica e construtiva”. Segundo ele, “a escola, ao tomar para si o objetivo de formar cidadãos capazes de atuar com competência na sociedade, buscará eleger, como objeto de ensino, conteúdos que estejam em consonância com as questões sociais que marcam cada momento histórico, cujas aprendizagem e assimilação são as consideradas essenciais para que os alunos possam exercer os seus direitos e deveres”. No que tange à preocupação específica com as formas de produção cultural, há indicação pontual e clara para o levantamento da tradição oral, no item “O ser humano como agente social e produção de cultura”; nele, também se recomenda o conhecimento, o respeito e a valorização das diferentes linguagens pelas quais se expressa a pluralidade cultural, o conhecimento de usos e costumes de diferentes grupos sociais, em sua trajetória histórica ou o conhecimento e a compreensão da língua como fator de identidade na interação sociopolítica e cultural. Naquele ponto é registrado que “na literatura, há um trabalho fértil a ser realizado sobre os movimentos e as escolas literárias, particularmente tendo em vista a constituição da identidade nacional, como obra constante e coletiva; a visão crítica dos valores de diferentes épocas; a denúncia e/ou as reivindicações de diversos grupos sociais, por intermédio das suas

criações literárias”. E esses itens corroboram a preocupação minuciosa contida naquelas indicações curriculares seja com temas socioculturais ou literários140.