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Como destacado, a greve é um importante direito constitucional dos trabalhadores, que importa na manifestação da autotutela dos interesses na busca pela solução de conflitos trabalhistas. No entanto, não se trata de um direito absoluto concedido aos trabalhadores, pois não pode ser exercido fora dos limites previstos pelo ordenamento jurídico de modo a causar prejuízos a outros direitos constitucionais assegurados às pessoas (MELO, 2011, p. 100). Nota-se que o direito constitucional de greve, assim como os demais direitos fundamentais devem ser harmonizados para garantir a máxima efetividade das normas constitucionais, sempre em respeito à dignidade da pessoa humana.

Para se adequar aos demais direitos previstos no ordenamento jurídico, a Constituição Federal e a Lei nº 7.783/1989 estabelecem alguns requisitos e obrigações que devem ser observados pelo sindicato ou comissão de negociação e pelos trabalhadores grevistas antes da deflagração do movimento grevista, durante o movimento grevista e após o seu término.

O art. 9º, § 2º da Constituição Federal de 1988 preceitua que os abusos cometidos durante o exercício do direito de greve sujeitam os responsáveis às sanções legais. Portanto, o próprio texto constitucional estabelece que a greve poderá ser considerada abusiva, hipótese que caberá a apuração da responsabilidade daqueles que cometeram o ato abusivo.

De acordo com Süssekind (1993, p. 38), além das limitações previstas no art. 9º da Constituição da República, verificam-se outras que decorrem da própria ordem constitucional, como o respeito à dignidade da pessoa humana, o direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, à vedação ao tratamento desumano e à liberdade de trabalho.

A antiga Lei nº 4.330/1964, que regulamentava o exercício do direito de greve, previa que a greve poderia ser considerada ilegal. Por sua vez, a Lei nº 7.783/1989, seguindo a prescrição constitucional, vale-se da expressão abuso do direito de greve. A utilização dessa terminologia reforça a consideração da greve enquanto direito. Ainda que seja mantido o

caráter ilícito cometido, o abuso do direito de greve reforça que os trabalhadores possuem um direito que foi exercido de forma inapropriada ou deturpada (MALLET, 2015, p. 115).

Conforme dispõe o art. 186 do Código Civil, comete abuso do direito de greve aquele que exerce seu direito excedendo os limites impostos para seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Nesse caso, o direito de greve deve ser utilizado de forma a atender ao interesse coletivo, pois atitude contrária configura abuso (MELO, 2011, p. 101).

Melo (2011, p. 101) sustenta que o entendimento de que o abuso do direito ocorre com a violação das finalidades para o qual foi criado o direito não foi o escolhido pelo legislador para se referir à greve abusiva. O art. 14 da Lei nº 7.783/1989 prevê que o abuso do direito de greve decorre da inobservância das disposições contidas nesta lei e da manutenção da greve após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.

Por sua vez, Süssekind (1993, p. 40) defende que a Lei de Greve adotou a figura do abuso de direito estabelecido e desenvolvido pela doutrina, e também aquele decorrente da violação formal de suas regras. O abuso de direito estaria configurado quando o seu titular o exerce de forma a contrariar a finalidade para o qual foi instituído.

Em conformidade com a Lei de Greve, haverá abuso quando não forem observados os requisitos e as exigências previstas para a deflagração do movimento. Nesse sentido, a ausência de tentativa prévia de negociação, a não convocação de assembleia geral para a deliberação e aprovação do movimento paredista e a ausência de aviso prévio ao empregador importam, em regra, na declaração da abusividade do movimento grevista.

Ressalva-se, nesse caso, o entendimento de que a ausência desses requisitos seria possível na hipótese de greve-protesto diante do risco iminente à saúde e segurança do trabalhador diante de péssimas condições de trabalho (MELO, 2011, p. 85).

Além do descumprimento das normas atinentes à deflagração do movimento grevista, configura abuso do direito de greve a paralisação do movimento grevista após a celebração de acordo ou convenção coletiva de trabalho, ou de sentença normativa proferida pela Justiça do Trabalho em âmbito de dissídio coletivo.

A legislação determina ainda que o movimento seja realizado de forma pacífica e que permita a liberdade de trabalho daqueles que não pretendem aderir ao movimento. Portanto, em sendo verificada a prática de atos violentos, com a destruição da propriedade do empregador ou com a coação física e moral para que os demais trabalhadores venham aderir à greve, haverá abuso no exercício do direito.

Também é considerada abusiva a greve em atividades e serviços essenciais que não cumpre o requisito de atendimento dos serviços inadiáveis à população, pois permite que os

usuários dos serviços estejam sujeitos a perigo iminente que possa comprometer sua saúde, segurança e sobrevivência. Mesmo nos serviços secundários, a não manutenção dos equipamentos e maquinários cuja paralisação dos serviços possa causar prejuízos irreparáveis ao empregador configuram a abusividade do movimento.

As hipóteses de não cumprimento dos requisitos para a deflagração do movimento paredista configuram a abusividade formal da greve. Por sua vez, são materialmente abusivas as demais hipóteses mencionadas (MELO, 2011, p. 102), pois atentam contra a finalidade do exercício da greve.

A abusividade da greve deve ser confirmada pela Justiça do Trabalho, que tem a atribuição de analisar não apenas o preenchimento dos requisitos e obrigações previstos na legislação, mas também de levar em consideração se a greve deflagrada cumpriu a finalidade para a qual foi instituída e se não resultou em prejuízos aos direitos fundamentais dos cidadãos.

Nesse sentido, uma greve deflagrada sem a comunicação prévia, mas que é aceita pelos empregadores, que se dispõem a negociar com o sindicato ou comissão de negociação, não deve ser declarada abusiva posteriormente pela Justiça do Trabalho pelo argumento de ausência de preenchimento de requisito formal para sua deflagração.

Se declarada a abusividade da greve, há apuração de responsabilidade do sindicato e dos trabalhadores grevistas pelos atos práticos, que pode ter consequências nas esferas trabalhista, penal ou civil conforme prevê o art. 15 da Lei nº 7.783/1989: “A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal”.

A declaração de abusividade da greve não implica na responsabilização de todos aqueles que participaram do movimento grevista. Nesse sentido, prevê a Súmula nº 316 do STF: “A simples adesão à greve não constitui falta grave”.

A responsabilidade pode ser aplicada às pessoas físicas dos trabalhadores e empregadores e às pessoas jurídicas, especialmente aos sindicatos que conduziram o movimento grevista. (MELO, 2011, p. 103). Ressalta-se que a paralisação das atividades pelo empregador (locaute) é proibida pelo ordenamento e implica na responsabilização deste ou de seus sindicatos representativos.

A responsabilidade trabalhista dos empregados consiste na possibilidade de uso do poder de direção do empregador para advertir, suspender ou dispensar por justa causa os trabalhadores envolvidos. Como visto, a declaração de abusividade por si só não permite a aplicação dessas penalidades aos empregados, devendo ser demonstrada a prática de atos dos

trabalhadores, inclusive dos detentores de estabilidade provisória, que compreenda ofensas físicas ou à honra do empregador ou de terceiros, os danos causada de forma dolosa, o empregado de violência no movimento e a recusa do trabalhador em atender à convocação de seu sindicato para assegurar o funcionamento de serviços cuja interrupção possam causar prejuízos irreparáveis ao empregador (MELO, 2011, p. 103-104).

Por sua vez, haverá responsabilização civil por danos causados aplicada aos trabalhadores, sindicatos e terceiros que tenham agida com violência, seja impedindo a liberdade de trabalho daqueles que não quiseram participar da greve, seja pela prática de atos de ameaça ou violência à propriedade do empregador ou a outras pessoas (MELO, 2011, p. 105).

Quanto à responsabilidade penal, é importante destacar que a greve deixou de ser considerada como delito e, portanto, mesmo o reconhecimento de sua abusividade não implica na imputação de crimes aos trabalhadores. Será, contudo, caracterizado como crime a prática de atos que possam ser identificados por trabalhadores que configurem crime na legislação penal, como lesão corporal, crime de dano, dentre outros (MELO, 2011, p. 108).

Portanto, a representação sindical de interesses abordada na seção anterior encontra intrínseca relação com o exercício do direito de greve, pois o direito de paralisação das atividades pelos empregados decorre da possibilidade de defesa coletiva dos interesses profissionais de determinado grupo de trabalhadores. Nesse sentido, a representação do grupo é relevante para a greve, pois, em regra, o sindicato da categoria profissional será o responsável por apresentar as reivindicações e de organizar o movimento para a busca dos interesses profissionais, pautados e justificados pela autonomia privada coletiva. Entretanto, constatam-se movimentos grevistas que ocorrem sem a presença do sindicato da categoria.

3 GREVES SEM A PRESENÇA DO SINDICATO DA CATEGORIA E REPRESENTAÇÃO SINDICAL DOS TRABALHADORES: ANÁLISE DOS ACÓRDÃOS DOS TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO E TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

A presente seção busca averiguar se as greves sem a presença do sindicato da categoria decorrem da atual representação sindical dos trabalhadores no modelo de organização sindical brasileiro, a partir da análise dos acórdãos sobre o tema proferidos pelos seguintes tribunais: Tribunais Regionais do Trabalho das 24 Regiões do país e Tribunal Superior do Trabalho.