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2.4 Requisitos para o exercício do direito de greve

2.4.3 Greves sem a presença do sindicato da categoria

Em 2014, o Brasil foi palco de movimentos de trabalhadores que ocorreram sem a participação do sindicato representativo da categoria profissional por discordância com seu organismo de representação. Nesse sentido, foi o que se verificou com a greve dos garis no município do Rio de Janeiro em março de 2014 (GANDRA, 2014), com a greve dos motoristas e cobradores de ônibus no município de São Paulo (MELLO, 2014) e dos rodoviários do município do Rio de Janeiro (PLATONOW, 2014), sendo as últimas realizadas em maio de 2014. Destaca-se que o Judiciário trabalhista, em todos esses casos, determinou a ilegalidade do movimento e o retorno ao trabalho.

Como visto, a Lei de Greve exige a convocação pela entidade sindical de assembleia geral para definição de reivindicações a aprovação do movimento paredista. Surge o questionamento se o ordenamento jurídico permite que a greve seja deflagrada sem a presença do sindicato da categoria, mesmo na hipótese de sua existência. Nota-se que a legislação não

apresenta uma solução direta ao assunto, pois apenas remete à falta de entidade sindical, o que torna indispensável as contribuições teóricas e jurisprudenciais acerca do tema.

A primeira hipótese, conforme já ressaltado, consiste na assunção da greve pelas entidades sindicais de grau superior, federação e confederação, que passariam a assumir a responsabilidade acerca da convocação da assembleia geral e da observância do quórum mínimo para a aprovação da greve e das reivindicações dos empregados.

Entretanto, o § 2º do art. 4º desta lei prescreve que, na falta de entidade sindical, a assembleia geral dos trabalhadores interessados será responsável pela deliberação acerca dessas reivindicações e da deflagração da greve, in verbis: “Na falta de entidade sindical, a assembleia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no ‘caput’, constituindo comissão de negociação. ”

De acordo com Süssekind e Vianna (1996b, p. 1.203), essa hipótese não poderia ser verificada na prática, pois já existem confederações representando todos os ramos profissionais. Dessa forma, se a categoria profissional não fosse organizada em sindical, caberia à federação do grupo corresponde comandar o procedimento de convocação de assembleia geral. Caso não existisse a federação, a confederação seria a responsável.

Por sua vez, Russomano (1995, p. 273) admite a possibilidade de as deliberações serem tomadas pelos próprios trabalhadores interessados que deverão formar comissão de negociação. Essa comissão tem poderes para realizar a negociação coletiva e, por essa razão, supre a ausência da entidade sindical. O autor destaca ainda que a legislação deveria ter estabelecido a possibilidade de estabelecimento de comissão de negociação e da deliberação pelos próprios interessados, inclusive, para os casos de recusa ou inércia do sindicato em assumir a negociação com o empregador.

O autor salienta que a legislação anterior de greve estabelecia a possibilidade de que a negociação direta fosse realizada entre grupo “ad hoc” de trabalhadores e as empresas na formação de acordos coletivos de trabalho. O autor destaca que não há dúvidas quanto à possibilidade de negociação direta dos trabalhadores com a formação de comissão de negociação. Salienta que a recusa ou inércia do sindicato em assumir a negociação com o empregador traria os mesmos efeitos na prática da inexistência da entidade sindical.

Além da inexistência e da inércia do sindicato profissional, surge igualmente a discussão acerca de boicote ou oposição do sindicato da categoria ao movimento grevista. Por razões diversas, sejam elas corporativas, estratégicas ou decorrentes do peleguismo, os sindicatos podem se opor à greve e inviabilizar a utilização de instrumento de pressão do empregador. Apesar de não ser comum a manifestação expressa de oposição, o sindicato pode

agir de forma tácita para minar o movimento grevista, com a postergação de assembleias ou, ainda, pela programação de diversas rodadas de negociações, mesmo já tendo o conhecimento de que seriam infrutíferas. (SILVA, 2010, p. 267).

Diante dessa situação, a instituição de comissão de negociação seria a melhor ferramenta dos trabalhadores diante da negligência de seu sindicato. Essa comissão não está, contudo, isenta de críticas, pois, supostamente, o aliciamento de um grupo de trabalhadores seria mais fácil do que dos integrantes da organização sindical, o que tornaria a comissão o verdadeiro órgão sabotador da greve. Para se evitar esse problema, a comissão somente estaria autorizada a funcionar em casos restritos que não venham a minar a autoridade própria dos sindicatos. (SILVA, 2010, p. 268).

Somente quando comprovada a inexistência, inércia ou oposição do sindicato aos interesses dos trabalhadores seria admitida a comissão de negociação para representar os interesses dos empregados. Além disso, caso o sindicato, antes inerte, passe a atuar para defender os interesses dos trabalhadores, é mantida sua prerrogativa de representação dos interesses dos trabalhadores. Ressalta-se que, nesse caso, o sindicato deve cumprir aquilo que foi deliberado pelos trabalhadores na assembleia geral convocada à sua revelia.

A formação de comissão de negociação relaciona-se com a possibilidade de estabelecimento de acordo coletivo pelos próprios trabalhadores quando é verificada a negligência do sindicato, da federação e da confederação em assumir a negociação coletiva conforme prevê o art. 617 da CLT (SILVA, 2010, p. 268).

A autorização legislativa para a formação de comissão de negociação viabiliza a admissão no ordenamento jurídico brasileiro da realização de greves sem a presença do sindicato da categoria profissional, seja diante de sua inexistência, inércia ou oposição à negociação coletiva com o empregador. De acordo com o art. 5º da Lei nº 7.783/1989, a comissão eleita passa a representar os interesses dos trabalhadores na negociação com o empregador e também perante a Justiça do Trabalho: “A entidade sindical ou comissão especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas negociações ou na Justiça do Trabalho. ”

Tendo os trabalhadores o interesse de conquistar novas condições de trabalho e, apesar de instado, o sindicato não atua, os próprios empregados podem deliberar acerca das reivindicações da categoria, formar comissão de negociação e, caso frustradas as tratativas com a empresa, aprovar em assembleia geral a deflagração da greve.

O direito fundamental de greve pertence aos trabalhadores por força da própria dicção do art. 9º da Constituição da República e, portanto, cabe a estes, em última instância, deliberar

e aprovar a greve. Não seria razoável inviabilizar a deflagração de movimento grevista pelo simples fato de que o sindicato da categoria não atua na defesa dos interesses dos trabalhadores, quedando-se inerte. Os trabalhadores seriam duplamente punidos, primeiro por não terem o organismo de representação atuante na defesa de seus interesses enquanto grupo, e em segundo lugar, por ser declarado abusivo o movimento iniciado pelo não preenchimento do requisito formal de presença do sindicato da categoria.

Ressalta-se que a exigência de os empregados buscarem primeiro as federações e, depois as confederações antes de deflagrar o movimento grevista também implica em impor ônus excessivo aos trabalhadores para a defesa de seus interesses. Os sindicatos são considerados entidades sindicais de base, pois tem como filiados os próprios trabalhadores e, por essa razão, mantém contato direto com seus representados.

Por outro lado, as entidades sindicais de grau superior, que compõem o sistema confederativo brasileiro, são formadas pela associação de entidades sindicais, não tendo necessariamente contato com os trabalhadores. A CLT preceitua que uma federação deve ser formada por, no mínimo, cinco sindicatos, enquanto que a confederação deve ser formada por, pelo menos, três federações.

No caso de inércia ou oposição do sindicato da categoria, seria extremamente oneroso aos trabalhadores, antes de deflagrar o movimento paredista, buscarem a federação ou a confederação que representa a mesma categoria profissional. O próprio sindicato, mais próximo aos interessados pela greve e que seria o representante direto de seus interesses, manteve-se inerte quanto às reivindicações da categoria e a deflagração da greve.

Ao assegurar a possibilidade de deliberação pelos próprios trabalhadores com a formação de comissão de negociação, permite-se a maximização do direito constitucional de greve, pois as reivindicações dos trabalhadores podem ser apresentadas de forma mais concreta com a rotina dos trabalhadores de determinada empresa e, inclusive, viabilizar a solução negociada do conflito.

Se, por um lado, não é possível impor como procedimento prévio aos trabalhadores buscar as entidades sindicais de grau superior para a deflagração da greve diante da inércia de seu sindicato, por outro, não devem ser impostos empecilhos para que a federação e confederação, caso tomem conhecimento das reivindicações desses trabalhadores, passem a assumir a greve sem a presença do sindicato. Essas entidades sindicais mantêm, portanto, a prerrogativa da representação dos trabalhadores na inexistência ou inércia do sindicato de convocar a assembleia geral para deliberação e aprovação da greve.

Ainda acerca das greves sem o sindicato da categoria, Mallet (2015, p. 86) destaca a greve iniciada de forma espontânea e autônoma pelos trabalhadores sem a existência de deliberação prévia, também conhecida como greve selvagem. Diante da necessidade aprovação coletiva do movimento, o autor entende que esse movimento não é considerado como greve pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Melo (2011, p. 85), estabelece, por sua vez, que a greve pode ser deflagrada mesmo sem deliberação dos trabalhadores, quando percentual expressivo da categoria aderir e mantiver o movimento ou nas hipóteses de greve-protesto decorrente da existência de risco grave aos trabalhadores em razão das péssimas condições de trabalho existentes.

Ressalta-se que essa greve espontânea diverge daquela realizada pela eleição de comissão de negociação, pois nesta há deliberação dos trabalhadores por meio de assembleia convocada sem o sindicato profissional, mas que estabelece as reivindicações da categoria e constitui comissão para negociar diretamente com o empregador. Na greve espontânea, não existe deliberação prévia, mas apenas a paralisação dos serviços pelos trabalhadores sem a convocação de assembleia para decidir sobre o movimento.

Nesse sentido, a greve compreende um importante instrumento e a sua utilização indevida pode compreender um meio que perturbe a ordem social vigente. As greves selvagens sofreram maior repúdio em países de avançado sindicalismo e maior aceitação naqueles que o sindicalismo se encontra em fases iniciais de desenvolvimento. (LIRA, 2009, p. 77).