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3.2 O construto de leitura

3.2.2 Por dentro do nosso cérebro: leitura como processo cognitivo

3.2.2.2 Habilidades de leitura

As habilidades, segundo Weir (2005), são capacidades automatizadas que são realizadas, em grande parte, de forma subconsciente.

No que tange às habilidades linguísticas, Kleiman (1997) afirma que elas “vão desde a capacidade de usar o conhecimento gramatical para perceber relações entre as palavras, até a capacidade de usar o vocabulário para perceber estruturas textuais, atitudes e intenções” (p. 66).

Outras habilidades linguísticas que têm altas correlações com a capacidade de ler, apontadas na literatura, são a capacidade para apreender o tema e a estrutura global do texto, para inferir o tom, intenção e atitude do autor, para reconstruir relações lógicas e temporais, bem como para realizar atividades de apropriação da voz do autor, resumindo, respondendo perguntas sobre o texto (KLEIMAN, 1997, p. 66).

Segundo a mesma autora, existe um senso comum de que o texto é um repositório de informação e mensagens, já que muitos o veem apenas como um conjunto de palavras das quais se extraem significados de forma cumulativa até chegar à mensagem do texto. Isso tem relação com a ideia de que todo texto pode ser abordado da mesma forma, o que vem da noção de texto como produto acabado. Isso vem ao encontro da noção de textos e leitura serem vistos como instrumentos para o ensino da norma, do código escrito e da gramática.

Contrariando o exposto, concordamos com a autora que a leitura é um exercício individual e único até na forma de ler, uma vez que o que queremos dela determina a maneira como a realizamos, característica do processo de ler de leitores maduros que deve ser modelada desde os primeiros contatos com o ato de ler, inicialmente como um modelo que merece ser imitado, e, posteriormente, que deve ser incorporado como parte constitutiva das atitudes do leitor e de suas estratégias de leitura.

No quadro cinco, Brown (2004) explicita o que considera como micro e macro- habilidades de leitura:

Quadro 5 – As micro e macro-habilidades de leitura segundo Brown Micro-habilidades

 Discriminar entre grafemas distintivos e padrões ortográficos;

 Reter blocos de linguagem de diferentes extensões na memória de curto prazo;  Processar a escrita a uma taxa eficiente de velocidade para atender a finalidade;

 Reconhecer um núcleo de palavras e interpretar padrões de ordem de palavras e seus significados;

 Reconhecer as classes gramaticais das palavras (nomes, verbos etc.), sistemas (ex. tempo, concordância, pluralização), padrões, regras e formas elípticas;

 Reconhecer que um significado específico pode ser expresso em formas gramaticais diferentes;  Reconhecer dispositivos coesivos em discurso escrito e seu papel em sinalizar a relação entre as

Macro-habilidades

 Reconhecer as formas retóricas do discurso escrito e seu significado para interpretação;  Reconhecer as funções comunicativas de textos escritos, de acordo com a forma e finalidade;  Inferir contexto que não está explícito pelo uso de conhecimento prévio;

 Dos eventos descritos, ideias, etc., inferir ligações e conexões entre eventos, deduzir causas e efeitos, e detectar relações tais como ideia principal, sustentar ideia, nova informação, generalização, e exemplificação;

 Distinguir significados literais de implícitos;

 Detectar referências culturalmente específicas e interpretá-las num contexto de conhecimento cultural apropriado;

 Desenvolver e utilizar uma bateria de estratégias de leitura, tais como scanning e skimming, detectando marcas de discurso, adivinhando o significado de palavras pelo contexto, e ativando esquemas para a interpretação dos textos.

Fonte: Brown (2004, p. 187-188)

Ainda no que concerne às habilidades, de acordo com Kato (1999), o que determina o reconhecimento das formas, em grande parte, são os processos inferenciais e de predições ditadas pelo conhecimento linguístico e extralinguístico do leitor. “O leitor proficiente é capaz de compreender um texto escrito em letra cursiva bem pouco legível, exatamente porque ele faz uso dessa sua habilidade para ler sem tentar decodificar cada grafema.” (p. 8-9). Nessa lógica, aquele que escreve com fluidez não se preocupa em desenhar todos os traços das letras de forma distintiva justamente porque conta com a capacidade do leitor de ler pelo significado.

Para Smith (1978, apud Kato, 1999), a literatura reconhece que quanto mais eficiente um leitor maior será seu vocabulário visual. Sendo assim, o processo de análise e síntese de palavras em unidades menores só é utilizado pelo leitor quando para itens diferentes dos de seu universo. Desse modo, dificilmente o leitor competente analisará essas palavras, uma vez que o próprio contexto, geralmente, dá indicações satisfatórias para seu entendimento.

As pesquisas em leitura têm demonstrado, principalmente na área da psicologia e da psicolinguística, que na leitura proficiente as palavras não são lidas letra por letra ou sílabas por sílabas, mas como um todo analisado, ou seja, por reconhecimento instantâneo, e não por processamento analítico-sintético. Esse processo se estende inclusive a segmentos maiores que as palavras, blocos, por exemplo (KATO, 1999).

Seguindo esse raciocínio, Kleiman (1997) destaca que o movimento dos olhos que ocorre durante o ato de ler é sacádico e não linear. Ou seja, leitores eficientes não leem palavra por palavra, seguindo a linha. Ao invés disso, os olhos se fixam numa parte do texto para em seguida saltar um trecho (a sacada) para novamente fixar-se em outro ponto mais a frente. É esse processo

que dá rapidez à leitura (não tem relação com leitura dinâmica).52 A distância da sacada está relacionada à dificuldade do texto, o que mostra que esse processo é controlado pelo cérebro.

Os olhos avançam ou retrocedem com certa frequência para recuperar informação perdida ou considerada equivocada posteriormente. Num comparativo entre as habilidades de um leitor principiante e de um mais proficiente, nota-se que a diferença principal entre ambos reside no número de signos percebidos a cada fixação. Os leitores menos experientes realizam muito mais fixações do que os mais experientes justamente porque eles têm um campo de visão mais reduzido. Já os mais experientes utilizam um maior campo de visão em cada fixação, o que faz com que estes leitores se detenham muito menos vezes por palavra ou até mesmo nenhuma (COLOMER; CAMPS, 1996). Nesse sentido, notamos que os olhos se movimentam mais rapidamente do que a voz pode ser pronunciada (KLEIMAN, 1997).

Kleiman (1997) afirma que

durante a sacada, a visão fica muito reduzida. Atualmente acredita-se que há uma visão periférica, mas muito diminuída, o que não permite ao leitor enxergar nitidamente as palavras que ocorrem entre cada fixação. Isso aponta para algo extremamente importante, que grande parte do que lemos é adivinhado ou inferido, não é diretamente percebido. Isso justificaria a leitura ser considerada, do ponto de vista cognitivo, um jogo de adivinhações (p. 33).

O reconhecimento de palavras se dá como o de qualquer outro objeto, através de sua configuração geral (SMITH, 1978, apud KATO, 1999). Da mesma forma que podemos reconhecer pessoas conhecidas à distância devido às suas características, podemos também reconhecer estruturas, associando a elas algum significado, baseando-nos em pistas (KLEIMAN, 1997). Esse reconhecimento está intimamente relacionado ao nosso conhecimento sobre o assunto, autor, a época que ele escreveu e aos nossos objetivos. Quanto mais o leitor souber sobre o assunto, por exemplo, mais seguras serão suas previsões (KLEIMAN, 1997; LEFFA, 1999).

Devemos mencionar também o fato de muitas palavras isoladas ou contextualizadas, durante o processo de leitura, serem prognosticadas e posteriormente confirmadas, já que o nosso conhecimento prévio de restrições fonéticas, ortográficas, colocacionais e estilísticas, regras

52 “Leitura Dinâmica é basicamente ler textos em alta velocidade com uma absorção do conhecimento, ela é

constituída de uma série de métodos e exercícios elaborados especificamente para treinar seu cérebro a ler da forma mais rápida possível e também compreender ainda melhor o conteúdo do texto”. Disponível em: https://mentealpha.com/leitura-dinamica/. Acesso em: 09 out. 2019.

sintáticas, suposições semânticas, imposições pragmáticas e inferências nos leva a reduzir o conjunto de itens possíveis de ocorrer em determinado contexto. Dessa maneira, a percepção propriamente dita será condicionada e governada por essas restrições. Devido a isso, o leitor deve atentar-se para o uso devido dessas pistas confirmadoras para que não ocorram omissões, substituições ou mesmo acréscimos (KATO, 1999).

Em resumo, acreditamos que as habilidades de leitura são processos automatizados que ocorrem durante o ato de ler, geralmente de forma inconsciente, o que dificulta a sua observação direta. Já na próxima subseção, apresentamos diversos conceitos de estratégias e, inclusive, seus diferentes tipos.