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CAPÍTULO III HALLYU

3.2 Hallyu

O termo Hallyu — “hanlyu” no coreano (“Han” significa Coreia35 e “lyu”, fluxo) — foi engendrado pelos meios de comunicação chineses em 1998 para explicar o frenesi juvenil pelos produtos culturais sul-coreanos no país (LEE Sangjoon, 2015). A partir do fim da década de 1990, a cultura popular coreana espalhou-se, primeiramente, em países de língua chinesa (incluindo China, Hong Kong, Taiwan, Cingapura), em seguida, em países do Sudeste Asiático (abrangendo o Vietnã, a Malásia, a Tailândia, a Indonésia, as Filipinas, dentre outros), sucedido pelo Japão (JUNG, 2015). Semelhante à disseminação da cultura popular japonesa na mesma região, a popularização da Hallyu é erroneamente creditada à proximidade cultural, relativa aos valores tradicionais e a ética confuciana36, sob o princípio de que produtos culturais de países culturalmente análogos detêm uma probabilidade maior de obtenção de sucesso popular que os de culturas diferentes (ANDERSON, 2014). A Coreia assimilou do Japão a habilidade de tradução da cultura ocidental segundo as preferências asiáticas (MARINESCU; BALICA, 2014), e a ampliou, oferecendo produtos culturais permeados de signos de progresso, sofisticação e atualidade. Por conseguinte, passou a desempenhar a função previamente japonesa37 de mediação cultural em meados dos anos 2000.

Da relação colonial com o Japão também descende uma importante referência para a formação da Hallyu e seus produtos: a cultura norte-americana. Como desdobramento do fim da Segunda Guerra Mundial, a intervenção militar dos Estados Unidos trouxe para a Coreia ritmos musicais importados de vários lugares do mundo, além da influencia do estilo de vida americano.O ditador Park Chung Hee reduziu a influência americana via repressão cultural durante seu governo (1961-1979), censurando várias musicas. Conforme Shim (2008), apenas no fim dos anos 1980 e início da década de 1990, com a pressão exercida pelos Estados Unidos, é que o mercado sul-coreano abriu-se a alguns distribuidores estrangeiros, ocasionando um encolhimento do consumo da produção doméstica. Em 1994, após a observação de que a lucratividade total do filme americano Jussaric Park foi superior que as exportações de carros da marca nacional Hyundai, o Conselho Presidencial de Ciência e Tecnologia

35 Aqui e ao longo da argumentação, Coreia refere-se apenas a Coreia do Sul. 36 Abarca o respeito pela família, a harmonia em comunidade e a forte moralidade. 37 Obviamente, o Japão não perdeu totalmente a sua influência na região.

propôs ao presidente Kim Young Sam um plano de desenvolvimento do cinema e de produção de conteúdo mediático como uma indústria estratégica nacional (SHIM, 2008). Posteriormente, a Hallyu emerge na política governamental implantada pelo presidente Kim Dae Jung como uma providência para superar a crise asiática de 1997. O objetivo era transformar a Coreia em uma nação exportadora de “tecnologia cultural”, a versão coreana de conteúdo “criativo”, ao invés de ser apenas consumidora (IADEVITO, 2014).

Segundo Shim (2008), o drama de televisão sempre foi o item mais importante da programação televisiva sul-coreana, sendo alvo de competitividade acirrada entre as três maiores emissoras SBS, MBC e KBS. Na década de 1990, investiram no aprimoramento de scripts com novos temas e utilizaram locações em países estrangeiros, o que resultou a percepção de aumento geral da qualidade do drama de televisão. No final dessa década, o decréscimo da popularidade dos doramas japoneses em Taiwan aliado à conjuntura econômica regional de crise favoreceram a exportação do teledrama coreano, tornando-o uma alternativa financeiramente mais acessível em relação ao produto japonês. Em seguida, Taiwan atua como intermediário, auxiliando a entrada dos dramas coreanos na China e em Hong Kong (SHIM, 2008).

Na China, o primeiro drama a ser exibido, “What is Love”, em 1997, contrapunha uma família conservadora à outra liberal, apresentando as tensões e os problemas em cada um dos dois grupos. A inserção de um aspecto liberal visto como atual, causando aumento no interesse pelo K-drama no país. Em 1997, “A Wish Upon a Star”, uma estória de cinderela combinando moda, música, amor, ódio e sonhos, fez sucesso em Hong Kong (KOCIS, 2011a). Nugroho (2014) relata que na Indonésia, na primeira metade dos anos 2000, o gênero comédia romântica tornou-se popular. Previamente, os K-dramas procediam da China, com áudio e legenda em mandarim, ocasionando a ausência de discernimento entre o idioma coreano e o chinês pelos indonésios. Em virtude do equívoco da origem, vendiam-se os filmes e os dramas coreanos em conjunto com os de Taiwan e os de Hong Kong sem nenhuma distinção (NUGROHO, 2014). No Japão, a Hallyu desenvolveu-se com o drama romântico “Winter Sonata“, em 2003. Anteriormente, o Japão somente exportava para Coreia e pouco consumia. Yon-sama (como era conhecido o personagem do ator Bae Yong Joon no país) tornou-se um fenômeno no Japão por ser retratado como

educado, generoso e gentil com a mulher amada, evocando a nostalgia do “amor puro” nas mulheres e promovendo uma evasão das restritas regras japonesas. (KOCIS, 2011a). Ainda em 2003, com Damo, a Coreia cria o gênero drama histórico de fusão, que mescla acontecimentos históricos com adaptações ficcionais no enredo e figurinos estilizados, transformando as narrativas em inverossímeis e mais em visuais (YOON, 2014). Além dos elementos acima, esse gênero engloba romance, artes marciais, guerras, negócios, viagem no tempo e fantasia (dragões, poderes sobrenaturais, lendas e figuras mitológicas). A cultura tradicional é sobrelevada pela indumentária, pela arquitetura e pela gastronomia (KOCIS, 2011a).

O K-drama, produto cultural líder da primeira fase da Hallyu, promoveu atores do sexo masculino para atingir mulheres na faixa dos 30 e dos 40 anos, escolarizadas, com tempo de lazer disponível, que almejavam esquivar-se de suas rotinas, obrigações e problemas domésticos (CHUNG, 2015). Esse entretenimento é de caráter familiar, segue os padrões sociais e os valores tradicionais (NUGROHO, 2014). O conteúdo é controlado pelo governo via censura de referências sexuais e de violência. Tal repreensão a conteúdos data da colonização japonesa e atinge o seu apogeu durante o governo de Park Chung Hee (de 1961 a 1979), banindo tudo o que exaltasse a Coreia do Norte ou o comunismo, o que danificasse a imagem ou se posicionasse contra o governo (ANDERSON, 2014). Melodrama à la contos de fadas em que o personagem masculino não apenas é atraente, mas também sensível e gentil. As protagonistas corporificam o estereotipo feminino de boa moça, tímida, fraca, emotiva e que necessita de proteção. Amor é inocente, ideal, e não sexual ou físico. Além de expor as características sociais e o desenvolvimento do entretenimento coreano (ao empregar roteiros abarcando a vida de ídolos fictícios da Hallyu), os dramas exaltam o estilo de vida hodierno coreano ao empregar pontos turísticos marcantes da Coreia como locações dos dramas. Ainda, a fim de transpor a barreira da linguagem, os dramas utilizam de uma comunicação não verbal recorrente e marcante, empregando trilhas sonoras e efeitos especiais de som facilmente perceptíveis por qualquer cultura (KIM, 2011).

Como consequência do consumo de dramas televisivos, observa-se o aumento da demanda por produtos relacionados com as narrativas (DVD,

postais, calendários, lancheiras e acessórios de moda), além de outros produtos culturais coreanos em geral, como livros, quadrinhos e músicas (NUGROHO, 2014). Igualmente, ascendeu o turismo e a procura pela história e cultura tradicional (YOON, 2014). Os dramas foram responsáveis por mudar o estereótipo negativo da cultura coreana no Japão, de tal forma que mulheres japonesas manifestaram o desejo de imigração e de se casarem com coreanos (NUGROHO, 2014). Esses efeitos também originaram sentimentos anti-Hallyu, tal qual se verifica no mangá “Hating the Korean Wave”, em que retrata os imigrantes coreanos do Japão como oportunistas, radicais e criminosos de comportamento sexual desviante (CHUNG, 2015).

3.2.1 O K-pop na Hallyu

A popularidade dos dramas televisivos favoreceu gradativamente o consumo cultural de outro produto, o K-pop, a saber, a música pop cantada e apresentada por artistas coreanos (KOCIS, 2011b). A primeira influência para a concepção do pop coreano data de 1885, quando o missionário americano Henry Appenzeller introduz além do cristianismo protestante, hinos e canções folclóricas britânicas e americanas. Essas músicas, queprivilegiavam o ponto de vista “ocidental”, incitaram a produção de versões coreanas, originando o gênero changga. Durante o período colonial japonês, conceberam-se versões changga da música japonesa incentivadas pelo governo dominador, nascendo o primeiro álbum de pop coreano em 1925 de Park Chae-seon e Lee Ryu-saek. No mesmo período, empregou-se o changga para expressar resistência e esperança de restituir a liberdade do país (KOCIS, 2011b).

Na época da colonização japonesa, a enka influenciou o changga, originando o trot. Os primeiros trots apresentavam um ritmo alegre e o estilo de canto melismático,38 derivado do gênero musical folclórico coreano pansori. Durante a guerra do Vietnam e a guerra civil da Coreia do Sul, as tropas norte- americanas trouxeram o folk, o rock, o blues, o jazz e o pop francês e italiano, através de programas de rádio e televisão das principais emissoras dos Estados

38 Em música, melisma é a técnica de modificar a altura de uma sílaba musical das letras de uma

Unidos, ocasionando uma alteração da escala musical aos moldes ocidentais. Nos clubes do exército e bares, cantores coreanos interpretavam as músicas americanas. Nos anos 1960, esses músicos tornaram-se conhecidos pela população sul-coreana em geral. As “irmãs Kim”, lançaram um álbum nos Estados Unidos (KOCIS, 2011b). .

Em virtude da presença dos militares norte-americanos, uma geração cresceu ouvindo músicas estrangeiras. Nos anos de 1970, o folk torna-se parte da expressão dos estudantes abastados das universidades coreanas de prestigio. Porém, o governo militar da Coreia baniu muitas dessas canções e o cantor Hahn Dae Soo, um dos adeptos ao hippie, foi exilado para os Estados Unidos. No decênio consecutivo, tornam-se populares as ballads, ou seja, as músicas românticas de ritmo lento. Já nos anos 90, surge o primeiro grupo a influenciar a concepção do K-pop como é conhecido hoje: “Seo Taiji & Boys”. A união entre hip hop, r&b, beatbox, elementos do dance e heavy metal acrescida a um visual composto pela moda da época e a coreografias conquistou os adolescentes. Essa popularidade motivou a indústria do entretenimento a priorizar o público adolescente a partir da metade da década (KOCIS, 2011b). Segundo Jung (2015), a primeira fase do k-pop (dos anos de 1990 ao início dos 2000) inaugurou-se quando a empresa SM engendrou o primeiro grupo de ídolos adolescentes (grupos femininos ou masculinos), que não tocavam instrumentos e não compunham suas próprias músicas, baseado no aidoru pop japonês,na metade do decênio de 1990. A Sm importou e adaptou o sistema japonês jimusho, desenvolvendo um processo de recrutamento de talentos via audições. Do mesmo modo, as outras agências de entretenimento também elegeram seus perfis de treinamento. O grupo pioneiro, “H.O.T,” foi elaborado de acordo com pesquisas sobre as aspirações dos jovens. “S.E.S”, era o grupo feminino de maior prestígio, devido ao seu visual fofo e atraente. Em suma, a fórmula dos grupos da primeira fase (como “H.O.T”, “S.E.S”, “NRG”, “Baby V.O.X” e “Shinhwa”) consistia em empregar movimentos de dança em grupo, palavras ou frases curtas em inglês e vestimentas da moda. As bandas desfizeram-se devido à obsolescência programada da idade e/ou ausência de talento requerido na manutenção da popularidade (JUNG, 2015).

Conforme Jung (2015), a segunda fase do k-pop (do começo a meados dos anos 2000) abarca cantores solos, assim como “BoA”, “Rain” e “Se7en”. Nesse período as empresas de entretenimento intensificaram estratégias de marketing e pesquisas no mercado asiático antes de eleger seus artistas. A cantora “BoA” obteve treinamento para se lançar primeiramente no Japão e, por isso, sua nacionalidade era confundida (KOCIS, 2011b). Do fim da segunda fase em diante, os ídolos passam também a atuar em dramas. “BoA” e “Se7ven” foram promovidos nos Estados Unidos, sem sucesso. Da metade ao fim da década de 2000, com o retorno de grupos jovens masculinos e femininos (“TVXQ”, “Super Junior”, “Wonder Girls”), ocorreu a terceira fase do pop coreano. Subunidades dos grupos são rearranjadas para se adaptar melhor a um mercado, incluindo membros,preferencialmente descendentes de asiáticos, de outros países. Um exemplo é a unidade, visando ao mercado chinês, “M” do grupo “Super Junior”, cujos integrantes são coreanos e chineses. Até o fim da década de 1990 a cultura coreana foi, primeiramente, produzida e distribuída e majoritariamente consumida por sul-coreanos. Salvo alguns atores de drama e raros cantores em países específicos, a saber, “BoA” e “S.E.S” no Japão, “H.O.T” na China e “TVXQ” no Japão e na China (JUNG, 2015). Com a apropriação social das plataformas digitais, a onda sul-coreana alcança uma nova fase, atingindo proporções globais: a Hallyu 2.0.