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Interações sociais online e propagabilidade

A circulação de conteúdos em larga escala no ambiente de rede é elucubrada pela concepção de propagabilidade. De acordo com Jenkins, Ford e Green (2014), refere-se às capacidades técnicas e culturais de um conteúdo ser profusamente compartilhado nas plataformas digitais. O conceito baseia-se na teoria do capital social segundo a qual, a propagação de conteúdos na internet ancora-se na confiança e na reciprocidade provenientes das relações sociais. A hegemonia da interatividade na sociedade tecnomediática não só impulsiona, como exige o sprit du temps, os indivíduos a estabelecer contato com amigos, familiares e conhecidos no ambiente da rede, mas também a se integrar a comunidades erigidas sob interesses partilhados. Para os autores, as trocas ponto a ponto orientam-se nas motivações e nos interesses individuais e sociais. Em relação às motivações individuais, os vínculos derivados da sociabilidade corroboram no processo de disseminação de informações na rede. Segundo Jenkins, Ford e Green (2014), a tendência é compartilhar mensagens significativas tanto para o receptor quanto para o emissor. Nesse sentido, o conteúdo mediático torna-se um recurso para conversas cotidianas contínuas, que apesar de banais, fortalecem os elos das relações. A troca de informações assessora o convencimento mútuo sobre o assunto que compartilham. Em geral, na perspectiva dos autores, as pessoas são receptivas a produtos mediáticos propagados por pares. Assim, ao receber um conteúdo, um indivíduo considera primordialmente o intuito comunicativo do emissor e raramente o do produtor original. Pela potência de ressonância da opinião pública nos media interativos, as recomendações precedentes das “pessoas comuns” granjearam uma

importância renovada. A desorientação e o ceticismo, acarretados pela profusão de informações disponíveis e as falsas promessas do marketing, amparam a necessidade dos consumidores por opiniões credíveis e conscientes de suas preferências (JENKINS; FORD; GREEN, 2014). Por esse potencial de influência, os autores intitulam os membros de uma relação social de “intermediários autenticamente populares”, em detrimento de ações populares forjadas32. Além do estimulo de fortalecer as relações sociais, outro fator motivacional pessoal responsável pela circulação de conteúdo é o desejo de autopromoção. Conforme Jenkins, Ford e Green (2014), embora seja encontrado em menor escala, verifica-se a existência do compartilhamento para fins de desenvolvimento de reputação prestigiosa — um sucesso mensurado em seguidores, assinantes e “curtidas” — fundamentada em aspirações econômicas ou não (a saber, a fama e o reconhecimento social de competência).

No que tange às comunidades virtuais, na visão dos autores (2014), a promoção de uma causa grupal é o elemento propulsor majoritário da propagação. O interesse comum é o recurso gregário no qual se estabelecem as conexões entre os membros do grupo. As ações coletivas de propagação visam manter as interações sociais, recrutar novos membros, atrair notoriedade, competir contra um grupo rival, protestar e conscientizar acerca de certo pleito. Tal dinâmica abarca as atividades de ativistas, de religiosos, de coletivos de arte, de comunidades de marcas, de blogueiros, de colecionadores, de aficionados por vintage, de membros de subculturas e do fandom de entretenimento.

No processo de propagação, quando o conteúdo recebido não atesta relevância (histórica, simbólica, cultural, emocional ou econômica) para o receptor, este quebra a cadeia de circulação, por isso, ao elegê-los, o consumidor readéqua a mensagem antes de inseri-la em conversas em andamento prévio, a fim de adaptá-la aos objetivos pessoais ou sociais estabelecidos. Antes do compartilhamento, há um processo de avaliação sobre o que merece atenção e apoio. Assim, milhares de decisões reunidas determinam o valor econômico e cultural de um conteúdo. O compartilhamento em larga escala aumenta a demanda do produto cultural, o interesse por parte do mercado e o comparecimento nos meios de comunicação. Nesse sentido, as

dinâmicas de propagabilidade favorecem a visibilidade mediática, já que a promoção de um produto cultural em um meio tende a se espalhar por outros em razão tanto da integração típica da convergência33, quanto pelas práticas das intituladas “narrativas transmídia”, granjeando espaço e suposta importância social para aquele conteúdo.

Também em referência à propagabilidade, Jenkins, Ford e Green rejeitam o emprego da analogia viral, segundo a qual o consumidor é um usuário- hospedeiro compelido a transmitir certo conteúdo, ocasionando uma pandemia. Essa conjectura ignora o arbítrio humano e desconsidera a existência de um processo de avaliação e ressignificação do conteúdo. Argumentam que essa denominação, criada por profissionais do marketing, atesta uma “feitiçaria criativa” geradora de conteúdos irresistíveis sumarizada na fórmula de sucesso infalível em um mercado cuja realidade é imprecisa e fragmentada. De fato, os autores atestam a impossibilidade de prever o que será ou não propagado. Equitativamente, declinam o termo criado por Richard Dawkins (1976), meme, — a menor unidade da cultura, capaz de se autopropagar evolutivamente — porque abarca a ideia de que a cultura é autorreplicante e não um produto das relações humanas. Assim, optam pela denominação propagável, já que consideram o potencial de propagação segundo as motivações e as características culturais e técnicas do conteúdo.

Acerca das propriedades culturais do conteúdo, para Jenkins, Ford e Green (2014), textos amparados em fantasias compartilhadas, humor, paródia, conteúdos inacabados, mistérios, controvérsias e boatos são mais propagáveis. Argumentam que crenças e experiências compartilhadas, tais como nostalgia e valores tradicionais reiteram a reciprocidade e o fortalecimento de vínculos sociais e já controvérsias, boatos, conteúdos inacabados, mistérios instigam o desdobramento de múltiplas conversas. Quanto às capacidades técnicas, em concordância com os autores, o processo de circulação de informações online pode desencadear-se a partir de qualquer plataforma social haja vista as características de integralidade dos canais da Web 2.0. Cada sistema de comunicação e plataforma oferecem diferentes propostas de interação, armazenagem e mobilidade a serem selecionada de acordo com as

particularidades das atividades que se deseja desenvolver. Porém, segundo eles, algumas características técnicas favorecem a propagabilidade, tais como: portabilidade (facilidade de inserir o conteúdo em outras plataformas sociais de compartilhamento), atender a diversos tipos de usuários e suas distintas motivações (visitantes, amadores, profissionais, produtores independentes, ONGs, ativistas, empreendedores), ser facilmente apropriável e citável, oferecer variedade de usos e ter flexibilidade de conteúdo. Plataformas como o YouTube, que estimulam a participação, proporcionam a produção, a seleção, a avaliação e a distribuição e permitem paródias, remixes, mash-ups, citações, contribuem para a propagabilidade (JENKINS; FORD; GREEN, 2014).

A propagabilidade sígnica é inerente a uma civilização em que a comunicação mediada articula todas as instâncias, pois não só gera a migração desses signos, mas também reafirma as estruturas que a sustentam. Em tal lógica, “algo, se não propagado, está morto, se não puder ser citado pode não significar nada” (JENKINS; FORD; GREEN, 2014, p. 234). Se existir significa ser promovido mediaticamente, propagar é seguir o extinto de sobrevivência em busca da repercussão determinante da visibilidade mediática, sem a qual os conteúdos estão fadados à morte simbólica. Essa premissa é ainda mais relevante em produtos culturais fortemente subordinados aos interesses oscilantes do mercado.