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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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Academic year: 2021

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Programas de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

CONSUMO CULTURAL E INTERAÇÕES EM REDES

Um estudo sobre o consumo global de culturas locais

por nativos digitais brasileiros

Quiona Norberto Santos

Mestrado em Comunicação e Semiótica

São Paulo

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QUIONA NORBERTO SANTOS

CONSUMO CULTURAL E INTERAÇÕES EM REDES

Um estudo sobre o consumo global de culturas locais

por nativos digitais brasileiros

Dissertação apresentada à Banca Examinadora, em atendimento à exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PEPGCOS/PUCSP).

Área de Concentração: Signo e significação nas mídias

Linha de Pesquisa: Cultura e ambientes midiáticos.

SÃO PAULO

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AGRADECIMENTOS

À Capes pelo apoio a essa pesquisa e por torna-la viável.

Ao Pró-Reitor, Prof. Dr. Márcio Alves da Fonseca, pela compreensão.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Eugênio Trivinho, pela solidariedade, pela confiança e pela dedicação. Acima de tudo, pelo exemplo a ser seguido.

A minha família, pelo apoio incondicional.

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RESUMO

O presente Projeto de Pesquisa aborda a dinâmica do consumo cultural realizado no Brasil por meio de apropriações que ocorrem nas interações entre os nativos digitais no ambiente da rede. Em termos específicos, trata-se do consumo e da propagação global de culturas locais por meio de produtos culturais permutados no decorrer das comunicações online desse grupo. Para tanto, como corpus de pesquisa, analisa-se a Hallyu 2.0, isto é a “segunda onda” de popularização internacional da cultura sul-coreana via internet, no fim da década de 2000, tendo como seu expoente o gênero musical contemporâneo jovem, K-pop. Assim, interroga-se como ocorre a disseminação de culturas locais em nível planetário e qual a contribuição dos nativos digitais nesse processo. Em linhas gerais, o escopo do estudo consiste em compreender o papel das interações virtuais entre os nativos digitais na referida dinâmica. Acredita-se que esses jovens propagam o produto cultural local de estima a fim de que este ganhe a visibilidade mediática essencial para evitar sua extinção simbólica. No intuito de elucidar o objeto, privilegiam-se as visões de Trivinho (1998, 2007, 2010, 2012), Jenkins (2006, 2012), Jenkins, Green e Ford (2014), Dijck e Nieborg (2009), Prensky (2001a, 2001b, 2011), Tapscott (1998, 2010), Buckingham (2011, 2013) de Lee Seung (2015), Choi (2015) e KOCIS (2011). Metodologicamente, elege-se para o estudo a perspectiva teórico-empírica baseada em pesquisa bibliográfica destinada à construção do referencial teórico pertinente ao objeto e em imersão nas plataformas “sociais” da rede YouTube, Facebook, Viki e sites de fãs, a fim de consolidar-se uma compreensão aprofundada sobre o fenômeno.

Palavras-chave: consumo e propagação cultural; interações online; nativos

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ABSTRACT

This research addresses the dynamics of cultural consumption in Brazil through appropriations that occur during interactions between digital natives in the network environment. In specific terms, it is the consumption and the global spread of local cultures through cultural products exchanged in the course of the online communications of that group. The corpus of this research is Hallyu 2.0, that is to say, the "second wave" of international popularization of South Korean culture via the Internet in the late 2000’s, with its exponent the contemporary musical genre, K-pop. Thus, one wonders how the spread of local cultures on a planetary level occurs and what the contribution of the digital natives in this process. In general terms, the scope of the study is to understand the role of virtual interactions among digital natives in the said dynamics. It is believed that these young people propagate the local cultural product of esteem so that it gains the essential media visibility to avoid its symbolic extinction. In order to elucidate the object, the views of Trivinho (1998, 2007, 2010, 2012), Jenkins (2006, 2012), Jenkins, Green and Ford (2014), Dijck and Nieborg (2009), Prensky (2001), Tapscott (1998, 2010), Buckingham (2011, 2013),de Lee Seung (2015), Choi (2015) e KOCIS (2011). Methodologically, the theoretical-empirical perspective based on a bibliographical research destined to the construction of the theoretical reference pertinent to the object is chosen for the study; also, an immersion into the digital platforms YouTube, Facebook, Viki and fan sites, in order to consolidate an in-depth understanding of the phenomenon.

Keywords: cultural consumption and propagation; Online interactions; Digital

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LISTA DE FIGURAS

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I ... 10

IMPERATIVOS TECNOCULTURAIS DE ÉPOCA ... 10

a) O governo da velocidade na vida humana ... 11

c) Visibilidade Mediática ... 17

1.2 Desmistificando os nativos digitais ... 18

CAPÍTULO II ... 29

INTERAÇÕES ONLINE: PARTICIPAÇÃO E PROPAGABILIDADE ... 29

2.1 Cultura participativa em contexto de convergência mediática ... 30

2.2 O engajamento “transmídia” como estratégia de sedução labiríntica ... 40

2.3 Interações sociais online e propagabilidade ... 42

2.4 Nativos digitais, fandom e fluxo cultural ... 45

CAPÍTULO III HALLYU... 51

3.1 Antecedentes: a cultura Popular Japonesa como referência ... 52

3.2 Hallyu ... 54

3.3 Hallyu 2.0 ... 60

3.3.1 Atividades do fandom no K-pop 2.0. ... 65

3.3.2 Hallyu.com.br ... 67

3.5 De produtos mediáticos ao consumo de culturas... 69

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 72

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INTRODUÇÃO

A sociedade tecnomediática é marcada pela importância vital da comunicação em sua articulação e sua estruturação e, gestada e nutrida pelo glocal, força híbrida de terceira via proveniente do entrelaçamento entre o global da rede e o local dos contextos físicos habitados (TRIVINHO, 2012), este, que reconstitui no imaginário a neopangéia artificial atual. Inserida no contexto descrito, a visibilidade mediática, como vetor do glocal denota o fluxo de conteúdos que circula entre os diversos media. Denota o aparecer mediaticamente, que é a chancela necessária para o “existir” na conjuntura da sociedade em questão, ou seja, o existir está condicionado à necessidade de atenção visual e auditiva para ser reconhecido. O que reverbera é promovido como importante e, por isso, é recompensado, o que se encontra à margem está destinado a extinguir-se (TRIVINHO, 2012).

No proferido cenário, encontram-se os nativos digitais, a saber, o primeiro grupo de indivíduos a conviver com a cultura digital no cotidiano desde a juventude. Durante as interações tecnologicamente mediadas — envolvimentos mútuos entre duas ou mais pessoas nas plataformas de comunicação eletrônica em tempo real— entre os nativos digitais, por meio do consumo de produtos culturais de entretenimento, principalmente os audiovisuais (conteúdo televisivo, vídeos, games e cinema) e os fonográficos (músicas) permutados, dada cultura local é propagada e consumida em nível global. Nesse contexto, as apropriações, assenhoramentos de algo pertencente a outrem, consolidam-se tanto no consumo dos bens culturais quanto na incorporação de características de certa cultura local, tais quais, códigos de comportamento, aparência, hábitos alimentares e vestimentas. Nesses termos, em tempos de glocalização, concebe-se como local aquela que é produzida em um locus demarcado geograficamente e dotada de certos atributos idiossincráticos pelos quais é reconhecida, abarcando não apenas os seus elementos tradicionais, mas também os categorizados como contemporâneos1. É oportuno esclarecer que

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apenas os bens culturais detentores de propriedades conexas a essas particularidades das culturas locais são passivos de desencadear tais processos.

No bojo dessas interações entre nativos digitais, encontra-se a cultura participativa, um conceito que (JENKINS, 2012) encara o consumidor como participante tanto atuando como produtor ou coprodutor de conteúdos com a indústria. Refere o engajamento de indivíduos motivados a opinar, relatar experiências, perseguir, defender e espalhar seus interesses. Nos grupos compostos por pessoas fiéis a um conteúdo específico, os fandoms, o consumo se transforma em fomento, em multiplicação, e em dedicação a dado assunto como forma de lazer e escapismo das obrigações da vida cotidiana (JENKINS, 2006). No ambiente de convergência mediática da qual provém a cultura participativa, convivem jogos de interesses corporativos e criativos e o que não se propaga tem grandes chances de se extinguir (JENKINS; GREEN; FORD, 2014).

Em sentido geral, essa dinâmica do consumo cultural suscitada pelas interações em rede entre os nativos digitais, pode ser elucidada pela “Hallyu 2.0”, corpus do estudo em pauta. O termo designa o fenômeno da “segunda onda” de popularização internacional da cultura da República da Coréia do Sul, principalmente seu produto cultural K-pop, que granjeou visibilidade mainstream em 2012, com “Psy”, o cantor do hit “Gangnam Style”. Credita-se essa popularização às práticas participativas e às atividades do fandom de K-pop, que procuram, recebem, processam, criam e disseminam informações sobre o assunto, além de influenciarem outros membros de seus grupos a aderirem ao fluxo. Sendo a cultura Coreana orientada por um forte expansionismo econômico, muitas dessas práticas coletivas necessitam considerar essa conjuntura. Assim, esta pesquisa visa investigar qual a contribuição dos nativos digitais que contribuem para a disseminação de culturas locais em nível global e ainda, como se dá essa disseminação via rede. Trabalha-se com a hipótese de que os nativos digitais propagam o produto cultural local de estima para que ganhe visibilidade mediática, e não caia no esquecimento, sem a qual, pela lógica retroalimentação, o objeto de identificação não consegue se perpetuar, implicando assim em sua extinção simbólica.

A estrutura da Dissertação é composta por três partes. O primeiro capítulo realiza uma contextualização dos aspectos principais da civilização mediática,

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bem como as particularidades ciberculturais a ela atinentes, tais como a exigência de dromoaptidão e a visibilidade mediática, Subsequentemente, recupera os principais pontos acerca da discussão global sobre nativos digitais, remodelando-a sobre a perspectiva comunicativa. O segundo capítulo emprenha-se em investigar as práticas participativas no ambiente de convergência mediática. Ainda, relacionam-se as particularidades as atividades interacionais do referido grupo reunido como Fandom com o conceito de propagabilidade. O capítulo final dedica-se a pormenorização do componente cultural da pesquisa, isto é, inteira-se em dissecar a onda Hallyu 2.0. Para tanto, apresenta-se um resgate histórico pontual, para que, em seguida, as duas fases desse fenômeno sejam caracterizadas e comparadas, relatando também os acontecimentos no Brasil. Por fim, analisa-se a propagação de culturas locais na web à luz da “segunda onda coreana”.

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CAPÍTULO I

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Dromocracia cibercultural, condição glocal e visibilidade mediática são fenômenos da ordem do invisível que atuam como manifestações sintomáticas da civilização contemporânea: a civilização tecnomediática. O epíteto “tecnomediática” demarca a eclosão da cibercultura como estágio avançado do processo civilizatório desencadeado pela comunicação de massa, do qual provém a civilização mediática, em meados do século XX. Desde esse período, a comunicação mediada protagoniza a ordenação social e a função de modelagem cultural baseada no entretenimento de lazer e no consumo. A partir do ciberespaço, o modelo civilizatório é estruturado pela apropriação social dos objetos infotecnológicos e perpetuado pelo estado de dependência, dos sujeitos e das instituições, da comunicação em rede para o funcionamento dessa civilização. Por meio de tal assenhoramento — transladado do aprimoramento produtivo do trabalho para o ambiente familiar com o auxílio da retórica publicitária enfocada nas prerrogativas utilitárias e lúdicas — promoveram-se transformações em diversos aspectos da vida humana, a saber, a legitimação da interatividade como socialização idiossincrática à época, a glocalização e a expectralização da existência, a sensação ludibriosa de integração planetária e a aceleração do cotidiano, que estão estreitamente associadas aos três fenômenos invisíveis acima citados. Assim, dromocracia, glocal e visibilidade mediática ao se entrecruzarem à cibercultura (a grande categoria de análise da presente época), auxiliam-na a caracterizar, modular e reger o modus vivendi tecnocultural hodierno. Por isso, dada a asseverada relevância, faz-se indispensável destrinçá-los a seguir.

a) O governo da velocidade na vida humana

A civilização tecnomediática é permeada por uma lógica de aceleração cibercultural sui generis. O fundamento da supremacia da velocidade na vida humana é elucubrado pelo conceito de dromocracia (do grego, ‘dromo’ denota agilidade e cracia, derivada de ‘kratia’, poder), que precisamente elucida o regime da velocidade atuante antes mesmo da existência do ciberespaço. Como prógono pensador das dinâmicas associadas a presente questão, Paul Virilio (1996) relata a indissociabilidade entre velocidade e política, expondo a instauração da velocidade no cotidiano como consequência direta dos jogos

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políticos, métodos e estratagemas típicos da guerra. Amparado pela retórica de progresso, a disputa bélica fomenta diretamente o desenvolvimento da técnica e das subsequentes tecnologias. Assim, a partir do controle das habilidades e da empregabilidade dos recursos naturais e artificiais (ferro, aço, vapor, eletricidade, bússola, dentre outros) expandem-se em diversidade e aprimoramento os veículos de transporte, que possibilitaram a dominação sucessiva do espaço marítimo, terrestre e aéreo. Da canoa ao submarino, do cavalo ao carro, do balão tripulado ao avião, os veículos de transporte, por serem vetores de velocidade, são responsáveis pela preeminência em relação ao adversário, ou seja, ao permitirem a locomoção no território em menor tempo, estabelecem vantagens contra o oponente, facilitando ascensão da dianteira no combate. Destarte, os vetores de velocidade tornam-se sinônimo de eficiência e eficácia e ganham rápida aderência no âmbito do trabalho alicerçado por estudos produtivos de tempos e métodos característicos de práticas como o fordismo e o taylorismo. Após a segunda guerra mundial, os meios de comunicação sobressaem como marcantes vetores de velocidade, que capturaram as horas livres de lazer, distraindo e propagando cultura. Nesse sentido, pode-se afirmar que a dromocratização da vida humana in totum advém da internalizarão da aceleração do exercício laboral e dos meios de comunicação de massa e é, sucessivamente, atualizada e amplificada com a ascensão da cibercultura (TRIVINHO, 2007).

Em sua estrutura, a cibercultura assimila o raciocínio dromológico e o exponencia, autotransformando-se na época mais dromocrática e, a partir dela, segundo Trivinho (2007), a velocidade apresenta-se sob a forma de dromocracia cibercultural, isto é, um regime invisível (e incontrolável pelas instituições políticas) instaurado pelo emprego ubíquo da velocidade tecnológica que governa todas as instâncias da civilização mediática avançada ou tecnomediática. Essa regência inicia-se com o advento da internet (no fim dos anos 60) e é consolidada com web (no inicio dos anos 90) e a consecutiva ciberespacialização do mundo incentivada pela popularização dos medias interativos. Naturalmente, a aceleração cibercultural reverbera nos objetos tecnológicos que sustentam a conjuntura retratada, já que a lógica ciberdromocrática estabelece uma relação simbiótica com a razão capitalista, trazendo consigo a exigência civilizatória de acompanhar a reciclagem estrutural

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dos equipamentos (TRIVINHO, 2007), ou seja, o constante aprimoramento funcional fundamentado na aceleração da mais-potência. Trivinho (2007) também relata a pressão da época atual para que gagets individuais integralmente atualizados (cujos hardwares e softwares sejam capazes de executarem as atividades sociamente exigidas), o que demanda cada vez mais dos indivíduos, não apenas economicamente, visto que certo aparelho é percebido como defasado ao ser lançado um modelo sequencial, mas também cognitivamente, posto que a ciberalfabetização indispensável para operar tais objetos necessita acompanhar tal dinâmica. A esse respeito, e baseado na dromologia de Virílio, o autor (2007) concebe o conceito de dromoaptidão para expressar a capacidade de dominar o uso dos diversos gizmos (ser veloz com/por meio de os aparatos tecnológicos) e de acompanhar a mutabilidade de suas linguagens e da cultura digital. Esta habilidade é conquistada no ritual cotidiano da interatividade o qual individuo é seduzido a aderir, pelos discursos mercadológicos — que a enfatizam como pré-requisito estudantil, profissional e de atividades burocráticas2 — e pressionado por seus pares. Para a civilização tecnomediática, a dromoaptidão é o segundo idioma, a “tecnolíngua” (TRIVINHO, 2007, p.144), de relevância superior à língua natal, que legitima a aceitação condescendente dos meios interativos, oferecendo um senso de adequação às oportunidades hodiernas.

Como competência característica da época, ela é parte da aculturação civilizatória e condição de existência e de socialização, que produz uma hierarquia “neodarwinista dinâmica” (TRIVINHO, 2007, p. 224) progenitora de uma categoria de miséria social específica, a miséria informática. Essa forma de penúria mediática ocorre pela privação das tecnologias imperativas e pela ausência da capacidade cognitiva ulterior. Mesmo que se disponibilize acesso pontual e restrito em locais públicos (bibliotecas, escolas e ONGs) ou privados (lan house, ambiente de trabalho), ainda assim não é suficiente para a internalização da velocidade da maneira exigida, que é operar diariamente um equipamento individual de acesso ilimitado. Na conjuntura de obsolescência programada ciberdromocrática, os equipamentos informáticos de configurações básicas, de defasagem ainda mais rápida, distribuídos pelo estado não são os

2 Habilidade exigida no exercício de atividades corriqueiras como declarar o imposto de renda ou

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prescritos. Assim, as ações políticas de democratização tecnológica tornam-se ilusórias, já que a inclusão requer investimentos de manutenção progressiva. Uma vez que a dromoaptidão é imprescindível para se expressar, para existir na sociedade tecnomediática, a segregação procedente da miséria informática promulga a morte simbólica3 cibercultural — a inexistência de indivíduos enquanto vivos — que é violência invisível e, por isso, é desconsiderada e permanece impune. (TRIVINHO, 2007).

Em suma, no transcurso dromocrático, os vetores de aceleração ditam a eficiência e a competência esperada do indivíduo em sua época, por isso modulam a experiência humana. Da mesma forma, esses vetores originaram um fenômeno que incorpora a dromocracia em sua estrutura e a enraíza no cotidiano da civilização tecnomediática: o fenômeno glocal.

b) O processo de Glocalização da existência

Enquanto resultado da dromocratização dos vetores comunicacionais, o fenômeno glocal ilustra em si o amálgama híbrido entre global e local em que se encontra a vida na presente civilização. Mais que a reunião de seus componentes, é antes uma terceira ordem mediática originada da relação entre a influência global da rede e o ambiente territorial (local) em que o indivíduo habita. Embora seja constantemente atrelado apenas à globalização e à mundialização da cultura e seus contramovimentos, principalmente a partir da década de 1990, o fenômeno glocal, de fato, deriva-se do desenvolvimento dos vetores de comunicação instantânea mediada entre emissor e receptor, iniciado em meados do século XIX, pela tecnologia telefônica, com o telégrafo elétrico. Durante o século XX, o rádio e a televisão disponibilizaram o glocal em seu sentido amplo (latu sensu4), isto é, aquele estabelecido na ausência de

equipamentos capazes de rede, sob a forma de conteúdos globais. Com a ascensão da cibercultura, o glocal aparece também em seu aspecto stricto sensu, glocal interativo, em virtude do surgimento de aparatos viabilizadores do

3 Como Trivinho (2007, p.170) argumenta, a morte simbólica também pode se transformar em

corpórea, visto que a sobrevivência laboral depende dessas habilidades.

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tempo real, o tempo da instantaneidade fabricado tecnologicamente com o auxílio da internet e que simula o tempo da comunicação face a face. (TRIVINHO, 2012).

Do telégrafo elétrico ao tablet, estabelece-se o paradigma de mundo mediático no qual cada aspecto da civilização é sistematizado pela comunicação, o grande poder vigente, materializado pelos grandes conglomerados e das instituições do capitalismo mediático. Na pangeia digital criada pela superação do espaço característica do glocal, o capital e as culturas circulam segundo as leis do mercado. Do mesmo modo, o glocal em si mesmo é a mercadoria suprema, que proporciona a experiência de época — um estilo de vida cosmopolita, planetário e veloz—, tornando sua adesão extremamente sedutora. O enraizamento social do global, facilitador do modelo civilizatório atual, provém da naturalização e da fetichização tecno-ufanista corrente e difusa que se baseia na atuação habitual e cotidiana na rede. (TRIVINHO, 2012).

Ao se utilizar os media digitais, insere-se em um contexto glocal no qual é possível o acesso, a recepção e a retransmissão de conteúdos. Nesse processo, ocorre o refechamento do corpo e/ou dos sentidos5 no equipamento e abertura para o fluxo mediático. Tal acoplamento físico-imaginário é intitulado por Trivinho (2012) como bunker glocal. Conforme argumenta, bunker, no jargão tático, designa uma construção fortificada para fins de proteção e ataque estratégico durante combates. No glocal interativo, a metáfora do bunker indica que o ato de fechamento percepcional nos objetos tecnológicos significa simultaneamente abandonar o próprio corpo (aludindo ao vocabulário informático, é posicioná-lo em segundo plano) e tergiversar tanto o espaço geográfico circundante quanto a alteridade imediata que nele se encontra, no intuito de salvaguardar-se da hostilidade que ela representa. Apesar de circunscrito na era cibercultural, esse comportamento remonta à história do desenvolvimento dos vetores de aceleração humana e a relação de velocidade e guerra criticada na dromologia de Virilio (1996), pois a lógica da aceleração acarreta a antagonização do espaço geográfico, pela necessidade de superação, e da alteridade, por materializa a figura do inimigo a ser derrotado. Por englobar em si a dromocracia, e ampliá-la, o glocal cibercultural

5 (glocal sedentário, equipamento de base Desktop ou nômade dos meios de mobilidade

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equitativamente atua como vetor de morte simbólica do corpo (implicando na rejeição da tangilidade da vida), do espaço presencial, do tempo cronológico (TRIVINHO, 2007).

Na civilização tecnomediática, a bunkerização manifesta-se na abordagem generalizada à distância, presente no consumo e na socialização online. Conforme Trivinho (2012), a ilusão de controle e de segurança e a abstenção de encarar o real é um mecanismo de sobrevivência engatilhado em resposta à glocalização interativa da existência, processo incitado pela apropriação social dos media eletrônicos. Antes do glocal, a existência humana era estritamente ocular, corpórea, e, a partir do glocal interativo, converte-se em espectral (GUILLAUME, 1982), ou seja, em signos visuais ou imagéticos. O autor (2007, p. 343), baseado no conceito de autonomia do objeto de Baudrillard, ainda explica que o espectro não é apenas a versão digitalizada de algo; ele é antes o próprio real, que ascende ao status de elemento vivo ao eliminar a materialidade de seu referente. Consoante ao modus vivendi tecnocultural, “não se é um ser e não se desenvolve experiência cotidiana senão com alguma máquina capaz de rede” (TRIVINHO, 2012, p. 95).

A condição glocal interativa da existência refere-se ao estado mediático em que se encontra a vida humana, marcada pela servidão comunicacional, pela predileção da interação espectral à presencial, do digital (do alhures6) ao entorno imediato e pela vivência do mundo através da tela dos gagets. Tal conjuntura só é possível em razão da existência em tempo real porque este conecta as dimensões local e global, suprime as distâncias e proporciona fazer-se instantaneamente presente.É evidente que apenas a presença não é suficiente para se integrar a uma existência em tempo real. É necessário viver no/pelo fluxo mediático e alimentá-lo constantemente como testemunho dessa existência. A compulsão comunicacional, além de corroborar com a reprodução social-história da presente civilização, torna a condição glocal irrevogável nos termos atuais do modus operandi tecnomediático e favorece a propagação da visão de mundo correspondente, sintetizada pela visibilidade mediática (TRIVINHO, 2012).

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c) Visibilidade Mediática

Ao contrário do que o termo possa se assemelhar à priori, (TRIVINHO, 2012) a visibilidade mediática não se restringe à cultura visual. Recorre antes, ao envolvimento psicoemocional e deve ser percebida com o auxílio de todos os sentidos do indivíduo. Ela atua como uma vitrine inter/multimediática intangível pela qual a produção cultural (textos, imagens e/ou sons), seja local ou internacional, transita. Orientada pela lógica da repercussão, a visibilidade mediática origina-se da migração sígnica pelos diversos media (do YouTube para revista e, logo após, para a televisão, por exemplo), sejam de massa, híbridos ou interativos — uma dinâmica que favorece a circularidade, a reciclagem e o esvaziamento do sentido pela superexposição.

Devido à posição que a comunicação ocupa na civilização atual, à existência humana válida ser aquela conferida pelo tempo real e ao mundo ser experienciado via telas, tudo (marcas, empresas, produtos e pessoas) tende a integrar o fluxo espectral mediático, tornando-se publicamente apropriável. Para ocupar tal espaço restrito e disputado em um cenário de excesso sígnico (derivado do esgotamento comunicacional da cultura mediática, agravado pelo ciberespaço, e pela hiperaceleração dromocrática), exigi-se distinção.

A visibilidade é temporária, dinâmica e outorga a temporalidade da existência e a importância social do item mediaticamente promovido. Ela impõe e segrega o que é digno de atenção ou não. Como a comunicação concatena diretamente com o mercado, a visibilidade tanto angaria novos consumidores, por instituir desejos, quanto é influenciada pelos próprios. Conforme observa Trivinho:

Na ordem infoeletrônica atual, a imagem já não figura como uma superfície para ser somente vista ou contemplada. (...) ela se converteu num campo de atuação humana. Doravante, o ente humano é previsto não somente para postar-se diante dela, mas também para “inserir-se” nela, ou melhor, para interferir concretamente nos fluxos sígnicos que a presidem, ajudando na construção das tendências possíveis desses fluxos (TRIVINHO, 2007, p. 251).

Ao atuar nas diferentes plataformas da rede, os indivíduos buscam a promoção de si e dos assuntos que lhe são caros. Segundo a lógica da visibilidade, o interesse demonstrado pelos potenciais consumidores faz um

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produto cultural aparecer, permanecer ou ser obliterado dos holofotes mediáticos. Os objetos que não são contemplados com prestígio serão desprezados à margem mediática para enfrentarem o desaparecimento simbólico, a sua morte simbólica: “que se assume tão efetiva quanto a morte física, quanto mais intensa haja anteriormente sido a exposição mediática (TRIVINHO, 2012, p.183)”. Sendo assim, a visibilidade mediática é também uma forma de violência simbólica e, à semelhança do glocal, é irrescindível, pois ambos são requisitos basilares do status quo vigente.

Muito mais que ser apenas a patronesse da fama e do prestígio na presente civilização, a visibilidade mediática é, eminentemente, um método de moldar a visão de mundo, segundo a reprodução dos ideais tecnomediáticos, como a única, excluindo outras perspectivas possíveis. Exerce sua influência sob o imaginário coletivo, impulsiona a servidão comunicacional e ainda colabora com a disseminação de falácias que estruturalmente suportam tal dinâmica, como o surgimento de uma nova geração de crianças ultratecnológicas e disruptivas — os nativos digitais.

1.2 Desmistificando os nativos digitais

Em uma civilização orientada pela tecnologia não é de se surpreender que falácias ilusionistas sejam narradas com o intuito de reproduzir as configurações do status quo que a assegura (TRIVINHO, 2007). Muitas foram as expressões criadas7 para alegorizar a relação entre os jovens e a tecnologia, millennials (HOWE; STRAUSS, 1991), geração nintendo (GREEN; BIGUM, 1993), geração net (TAPSCOTT, 1998), cyberkids (HOLLOWAY; VALENTINE, 2003), geração playstation (BLAIR, 2004) e screenagers (RUSHKOFF, 2006). O primeiro a preambular o conceito de nativos digitais foi o “ciberlibertarista” e ativista político John Perry Barlow em sua epístola “Uma Declaração à Independência do Ciberespaço”, no Fórum Mundial de Economia, em 1996, na Suíça (THOMAS, 2011). Nela, nomeia as crianças nascidas na era do “novo lar da mente” como

7 São descrições bem semelhantes entre si, embora cada qual ressalte uma característica em

particular para conduzir sua arguição. Serão detalhados os aspectos mais importantes para o assunto. Algumas elencadas por Buckingham (2013).

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nativos e as autoridades do mundo industrial, que não se envergariam aos códigos tácitos do espaço telemático, como imigrantes.

Em sentido próximo, no ano de 2001, Marc Prensky consolidou o termo nativos digitais no azo do debate sobre o declínio da educação americana. Segundo ele, o alastramento das tecnologias infocomunicacionais no fim do século XX impactou “radicalmente” o estrato jovem da sociedade, originando uma geração intitulada nativos digitais, em detrimento de seus predecessores, os Imigrantes Digitais. Como prole da tecnologia, possuiriam a “singularidade”8 de serem “falantes nativos da linguagem digital” e estaremconectados a maior parte de suas existências em razão de crescerem na vertiginosa “velocidade dos games e da MTV”. Pela relatada facilidade naturalmente inerente, intuitiva, com os gadgets, empregariam como primeirorecurso os meios eletrônicos tanto na comunicação quanto em suas incumbências estudantis. Em contrapartida, encontrar-se-iam os Imigrantes Digitais, oriundos da era pré-digital, cativos aos “velhos media” analógicos, cujas dificuldades em utilizar tais equipamentos seriam claramente verificáveis pelos “sotaques” em que exprimiriam suas simpatias ao “passado” (PRENSKY, 2001a, 2001b).

Partindo dessa ideia, Prensky (2001a) argumenta que a decadência do ensino americano decorre da impossibilidade de diálogo entre docentes e a nova geração de discentes. Postula o desperdício dashabilidades rebuscadas e da capacidade de executar simultaneamente múltiplas tarefas dos nativos digitais. Paralelamente, devido ao despreparo, à falta de know-how técnico e ao emprego de políticas educativas e de metodologias “defasadas”, gerar-se-iam rejeição e dispersão cognitiva nos educandos. Para esse autor, tal fronteira digital-geracional seria atenuada pelo uso da interatividade e da instrução em rede aos moldes de uma “educação entretenimento” centradano uso da tecnologia como ferramenta de aprendizado, assemelhando-se aos jogos eletrônicos9: de maneira “clara, rápida e divertida”.

Para reiterar a suposta importância da quebra de paradigma metodológico e evitar queinstituições educativas se tornem obsoletas por não adequarem suas

8 As citações diretas foram precisamente selecionadas para a familiarização do leitor com a

inclinação ideológica dos autores.

9 Esse procedimento de ensino hoje é conhecido como gamefication ou “ludificação” e se tornou

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práticas pedagógicas aos nativos digitais, alega a reorganização cerebral da geração digital, que suscitaria um modo díspar de pensar e de processar informações em relação a seus antecessores.

É bem provável que as mentes de nossos alunos tenham mudado fisicamente – e sejam diferentes das nossas – sendo resultado de como eles cresceram. Mas se isso é realmente verdade ou não, nós podemos afirmar apenas com certeza que os modelos de pensamento mudaram (PRENSKY, 2001a p.1).

Sabemos agora que os cérebros que passam por diferentes experiências de desenvolvimento desenvolvem-se de forma diferente, e que as pessoas que se submetem a estímulos diferentes a partir da cultura que os rodeia pensam de forma diferente. E, embora ainda não tenhamos observado diretamente cérebros para ver se eles estão fisicamente diferentes a evidência indireta para isso é extremamente forte (PRENSKY, 2001b, p.3).

Observa-se um silogismo muito próximo no enunciado de outro instituidor do imaginário referente aos nativos digitais,Don Tapscott:

Há muitos motivos para acreditar que o que estamos vendo é o primeiro caso de uma geração que está crescendo com conexões cerebrais diferentes das da geração anterior. Há cada vez mais evidências de que os integrantes da Geração Internet processam informações e se comportam de maneira diferente porque de fato desenvolveram cérebros funcionalmente diferentes dos de seus pais. (TAPSCOTT, 2010, p. 42).

Consoante à perspectiva de Tapscott (1998), a mutação cerebral ocasionaria o avanço das habilidades motoras, das sociais e de linguagem, o que resultaria no desempenho estudantil superior. Por isso, tal como faz Prensky, advoga a favor do método de educação “hipermídia”, estruturado na participação e descoberta da informação, no qual os computadores e a internet são fulcrais para a transformação do aluno de paciente a ator. Se no método tradicional de transmissão linear (aludindo à comunicação de massa) o professor é o vetor do conhecimento, na educação interativa, o educador aparece como facilitador, ou seja, um consultor ou ajudante, e o ensino seria conduzido sob medida, para que cada aluno encontre o melhor modo de aprender em concordância com suas características, sendo cativado pela diversão, pela motivação e pela colaboração.

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Das discussões educacionais, que cingiam o assunto, Tapscott (1998, 2010) direcionou o termo “nativo digital” a peculiaridade geracional, destacando os padrões de consumo e o campo do trabalho. Assim, Sob o epíteto de “geração internet” ou net-gen, Tapscott delineia limites para a famigerada geração disruptiva, estabelecendo o nascimento entre janeiro de 1980 a dezembro 1994. Considera sua conceituação net-gen equivalente à ”geração y” ou à “geração milênio” (millennials), porém pondera que como a “geração x” foi exígua e o ato de denomina-la “y” reduziria a sua magnitude; do mesmo modo, renuncia screenagers, posto que a semelhança entre os meios de massa e os interativos cessa praticamente na tela e ambos procedimentos são divergentes, bem como defende que a passagem para o ano 2000 não alterou a experiência dos jovens, por isso rejeita a expressão millennials, e sim a internet.

Tal como a televisão marcou os baby boomers (1946-1964), muito mais que o rádio e o cinema hollywoodiano, durante a era do crescimento econômico norte-americano posterior à Segunda Guerra Mundial, a geração “banhada em bits” consideraria a internet “natural como o ar” e essencial. Sobre o consumo mediático, afirma que assiste a menos televisão que utiliza os meios eletrônicos e ao utilizá-la o faz simultaneamente ao digital. Isto se justificaria já que os media de massa desencantariam os n-geners pelo modo unidirecional e pelo controle da escolha ser detido por outrem que não os próprios Nativos. Como prosumers10, isto é, consumidores mais exigentes e com expertise em seus

interesses, a liberdade de escolha e a participação no processo de concepção os seduziriam mais que a posição de ouvintes/expectadores. Nos meios interativos, as práticas constantes de criação e de edição de conteúdo são muito atraentes, tão fugazes quanto os compartilhamentos nas “redes sociais” frequentemente anteriores a maiores reflexões sobre as possíveis consequências das publicações de determinados conteúdos em curto e, principalmente, longo prazo, não sendo raros os casos de imprudência à própria segurança e privacidade, ainda mais em tempos em que Big Data, armazenamento vultoso de dados existentes em servidores de bancos de dados,

10 Portmanteau que evoca a fusão de produtor e de consumidor ou de profissional e de

consumidor. Remete à circunstância na qual os papéis de produtores e os de consumidores começam a se confundir até se co-fundirem. Com a personalização do lazer e o interesse casual do hobbie, elevam-se as habilidades de um entusiasta ao nível profissional.

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que, por meio do rastreamento de informações deixadas via uso corriqueiro da internet, transformam-se em valor de troca para os conglomerados capitalistas que os detêm. Para além de ser a “geração hiperconectada” (principalmente aos gadgets móveis), na visão de Tapscott (1998, 2010), a net-gen encararia a internet como instrumento para a mudança social e seria “veloz”, favorável a inovações, crítica, cética, analítica, independente, aspirante ao autodidatismo, orientada pela instantaneidade, detentora de autoestima apurada pela concórdia entre as múltiplas identidades no ciberespaço, “colaborativa”, receptiva e condescendente em relação à alteridade, atenta com o exercício cívico e a ética ambiental.

Observa-se uma vertente de teóricos que pactuam com as considerações de Tapscott e ampliam sua teoria, relatando a chegada da segunda geração de nativos digitais, 2DN, como é o caso de Dingli e Seychell (2015). Os autores arguem que a primeira geração habitou um ambiente em que a tecnologia não se mostrava de todo muito próxima às crianças, exigiam-nas competências de leitura e destreza com o equipamento (protelando a idade de exposição), não disponibilizava grande diversidade de conteúdos talhados segundo suas necessidades e interesses, não era onipresente na prevalência dos ambientes domiciliares e escolares. A internet era acessada em pontos fixos, os smartphones eram majoritariamente de uso corporativo e os progenitores ainda enfrentavam dificuldades com o savoir-faire típico do tempo da velocidade da luz. Adversamente, a “2DN”, nascidas no início do século XXI, dispõe de inúmeros equipamentos conectáveis a internet wireless, com interfaces visualmente interessantes, dotados de touchscreen ou reconhecimento de movimentos corporais que possibilitam a usabilidade por bebês desde um ano de idade, sendo que os próprios pais encorajam os filhos a se servirem desses meios. Simultaneamente, anunciam a mudança do cenário descrito pelo patrono da net-gen, porém reiteram a “nutrição” cognitiva via gamefication, um estilo de vida que demanda por mais e mais tecnologia do âmbito do trabalho a “lares inteligentes”, reforçando um protagonismo suficiente para a sociedade ter que se ajustar, bem aos moldes de Tapscott.

Tanto a noção de nativos digitais de Prensky quanto a versão adaptada net-gen de Tapscott incitaram controvérsias. A insatisfação com o dualismo proposta por Prensky instigou diversos pesquisadores a adentrarem a

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discussão, instaurando suas próprias perspectivas sobre o tema. Alguns pesquisadores encararam os termos imigrantes/nativos como degradantes devido à etimologia colonialista a eles adstrita e propuseram a nomenclatura “digital insiders” (os experientes) e “digital newcomers” (os novatos, os recém-chegados), como em Goodson et al. (2012). De outro modo, Monteiro e Souza (2012), dispondo de cinco filtros hierárquicos de análise, nomeadamente, a faixa etária dos indivíduos, a escolaridade, a situação econômica, o acesso digital e a aceitação/rejeição às tecnologias, subdividiram tanto nativos quanto Imigrantes em três grupos: nativos (máximos, parciais e puros) e imigrantes (mínimos, parciais e puros). Seguindo o fator idade, nascido na década de 1950, “imigrante máximo” e após os anos 2000, “nativo puro”. No nível de escolaridade, ensino fundamental corresponderia à imigrante máximo e doutorado, a nativo puro, enquanto que, no quesito de situação socioeconômica, de um quarto a meio salário mínimo/mês, imigrante máximo e mais de 5 salários/mês, nativo puro. Sobre o acesso digital, seria imigrante máximo, a pessoa sem acesso algum aos meios digitais e nativo puro, aquela com acesso em casa, no celular e em outros media, e, finalmente, apurando o veredito classificatório, a falta de interesse elegeria um imigrante máximo e a presença de interesse aliada à conexão constante apontaria um “nativo digital puro”. Paralelamente, Wesley Fryer (2006) renega a categorização apenas no critério de idade e aptidão com os media; por isso acrescentou a nativos e imigrantes os refugiados, voyeurs e “pontes” digitais. Seriam ditos refugiados digitais os indivíduos que recusam a adesão às tecnologias; já os voyeurs, entendem-nas em nível mais abstrato, verbi gratia, por leitura, embora não atuem. Ainda, o autor caracteriza imigrantes digitais como pessoas carentes de habilidades, mas dispostas a participar, os nativos, como os viventes do digital e, os pontes digitais, como tipos que auxiliam a transição de refugiados e de voyeurs. Para Fryer (2006), a “habilidade inata” frente às tecnologias, referida por Tapscott, aparentando espontaneidade e simplicidade, é antes de ser uma capacidade conatural, apenas curiosidade e maleabilidade para aprender e se adaptar.

Pelas intenções teóricas de Medeiros e Souza, apesar da metodologia confusa, e de Fryer, percebe-se que é impossível pautar a conceituação de nativos digitais somente visando a idade e, consequentemente, declarar a homogeneidade atribuída à geração. Uma das críticas constantemente

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endereçadas aos principais especialistas do assunto diz sobre a falta de concordância no surgimento e duração dessa geração sui generis: para Tapscott, de 1977 a 1997; para Oblinger & Oblinger (2005), de 1982 a 1991, e para Howe & Strauss (1991), de 1982 aos dias de hoje (JONES, 2011). Buckingham (2013), inspirado pela idéias de June Edmunds e Bryan Turner, relata que as gerações, grupos etários estruturados como uma identidade cultural, são definidas pelas oportunidades de vida características do período em que nasceram, pelo modo como reagem a essas possibilidades e também como tomam para si significados comuns, relacionados a aspectos histórico-culturais e a fatalidades como guerras, crises econômicas ou ordens políticas mundiais, delineadores da identidade de grupo. Na ausência desses “eventos traumáticos”, a cultura mediática agencia as prováveis diferenças geracionais com a finalidade de fomentar o consumo. Cabe à própria geração a tarefa de determinar os seus pares e não-pares, não é simplesmente uma imposição de rótulos. O que implica dizer que, basear uma geração inteira apenas no quesito tecnologia é se render ao determinismo tecnológico; significa afirmar com veemência que tal artifício insurge autarquicamente e negá-la como produto do influxo social, econômico e político e os processos sociais abarcados no contexto (BUCKINGHAM, 2013). Ademais, o processo de informatização global não foi uniforme, e por consequência, a vivência na cultura digital não pertence a todos os indivíduos de uma geração, fato que o próprio Tapscott (1998, p. 70) admite ao se referir a nativos digitais como um “grupo de elite demográfica”, reafirmando assim a impossibilidade de se constituir uma geração fundamentada em um privilégio econômico.

O mesmo autor (2013) acrescenta que a promoção de lacunas geracionais não é um evento restritamente atual porque convoca o receio natural da humanidade frente a descontinuidades drásticas. Nesse sentido, o discurso tecnoevangelista concatena com a “economia do conhecimento”; manifesta a dimensão de interesse financeiro e a tentativa de criar e de cultivar um público que se comporte da maneira ambicionada. Quando Tapscott decreta a necessidade de nivelamento entre as gerações, forceja ampliar esse domínio. O argumento de a privação de acesso aos media interativos igualar-se a “não crescer de forma alguma”, atestando defasagem cognitiva, a privação da possibilidade de “empoderamento”, da liberdade de ser “cidadãos do mundo”, de

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conquistar os postos de trabalho em voga (sem hierarquias, com horários flexíveis e espaços de diversão, à la Facebook office) e preencher os requisitos basilares para um “futuro de sucesso” também segue a mesma lógica (BUCKINGHAM, 2013). Sobre as alegações de descompasso cognitivo e da mutação cerebral que tanto Prensky e Tapscott pregam, exigem embasamento teórico especializado11 e investigação empírica aprofundada. Sob o enfoque ludibrioso, também foi fabricado o mito dos nativos digitais como sendo fidedignos experts em tecnologia de forma inerente e espontânea, negando que tais habilidades rebuscadas necessitam ser aprendidas. Conforme Buckingham (2011) indica, a imagem construída de uma geração de jovens obcecados pela tecnologia e seus constantes lançamentos, tão proficientes quanto profissionais de tecnologia da informação é um logro, extirpa as multiplicidades interpessoais no intuito de que todos adquiram equiparadamente vocações para transgredirem paradigmas. Superestimam os efeitos das tecnologias a fim de torna-la pitoresca, aumentar o suposto abismo geracional e mercantilizar o “ensino lúdico” sob o álibi da aprendizagem aumentada digitalmente.

No que tange ao uso informático nas incumbências estudantis, como aponta Buckingham (2013), não há como se certificar que todos os jovens empregam os media digitais com maior frequência em sua educação e vida do que os denominados “imigrantes digitais” — veja-se o povoamento digital pela população idosa — já que em cada grupo etário encontram-se diversos níveis de competência tecnológica; nem mesmo se pode proferir um uso uniforme para diferentes fins. De acordo com Jones (2011), esses padrões variam por idade, por estágio de inserção de cada tecnologia, por gênero e pelas distintas infraestruturas disponíveis em cenários nacionais e regionais. Apesar de haver oscilações entre idades, ao longo de uma faixa etária o comportamento relativo à usabilidade é mais estável. A respeito da utilização dos referidos recursos na educação, não é obrigatória, pois a educação não se subordina a divisões geracionais, a contextos locais12 ou a instrumentos infotecnológicos (JONES, 2011). Haja vista a exiguidade de indícios devidamente comprovados referentes à descontinuidade de aprendizagem, atenta-se que a exigência de alterações

11 A neurociência não é o lugar original de fala de nenhum dos dois autores.

12 Não se rejeita aqui a possibilidade de adaptações locais; apenas se reforça que uma

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nos cânones curriculares da educação formal destinadas especificamente aos nativos digitais requer ceticismo. Com efeito, como ratifica o autor, é errôneo pensar tecnologias como a solução das dificuldades labirínticas pelas quais os sistemas educacionais podem enfrentar, porém o ensino “ludificado”, assim como o híbrido, aquele que combina pedagogia e tecnologia, precisa ser explorado como alternativa de envolvimento educacional e não como única opção plausível; todavia, é imprescindível lembrar que os custos de tais artefatos limitam possibilidades (JONES, 2011).

Ao longo da discussão e pelos apontamentos estabelecidos por diversos autores, as próprias ideias de Prensky alteraram-se. Em sua defesa, atesta que idealizou o conceito de nativos digitais como metáfora para nomear a relação dos jovens com os aparatos capazes de tempo real e demarcar a socialização no ambiente espectral, diferente dos seus pais no mesmo estágio da vida. Reconhece que nativos digitais como geração, só poderia ser válido em países mais abastados onde a cultura digital está adjacente à universalidade, entretanto admite que pela demografia a concepção tenha claras restrições. Tal como Tapscott (1998), crê no nivelamento tecnológico entre os países de economias de maiores e de menores desenvolvimentos, ascendendo ao status de “garantida” e de “banal como a eletricidade”, mesmo admitindo que até o tempo presente esta ainda não seja completamente universal. Com o raciocínio anterior, ignora a lógica norteadora da mais-potência (TRIVINHO, 2007), ou seja, a incessante renovação de equipamentos promotora de desigualdades presente nesse mercado, e a subsequente possibilidade de extorsão econômica dos jovens, apontada por Buckingham (2013).

Sobre sua alteração de pensamento e seus ajustes teóricos, Prensky explana que:

Enquanto ouvia a todos esses críticos, agradáveis e nem tanto (e como os meus próprios pontos de vista evoluíram), parecia claro e evidente para mim que ser um nativo digital não é, em sua essência, sobre capacidades, ou ainda sobre conhecimento em relação a todas as coisas digitais. Não importa quem você é tudo têm de ser aprendido de alguma forma.

Esta distinção, penso eu, é muito mais sobre cultura. É sobre o conforto das pessoas mais jovens com a tecnologia digital, a sua crença na facilidade, na utilidade, que é geralmente benigna, e sobre a tecnologia ser vista como uma "parceira" do divertimento que eles podem dominar, sem muito esforço se são apresentados ou optarem por. Tendo crescido com a tecnologia digital como brinquedos, os Nativos

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Digitais estão muito mais à vontade com o seu uso que as gerações que não. Isso certamente não significa que eles sabem tudo, ou mesmo querem também. [...] Então para mim, ser um Nativo Digital é sobre crescer em um país ou culturadigital, em oposição a vir a ela como um adulto. [...] Não é tanto sobre questões de hardware ou de software ou ainda de ter experimentado muitos dispositivos digitais e interfaces que o seu uso vem naturalmente e intuitivamente. (PRENSKY, 2011,p.17)”.

Assim, retifica a próprio punho sua ideia precedente. Expõe que os interesses tradicionais da infância não se alteraram e que os gadgets atuam complementarmente. O pensamento revisto de Prensky vai ao encontro da constatação de Buckingham (2011) de que o emprego de devices no cotidiano desses jovens seja prioritariamente para uso comunicacional e em propósitos educacionais seja menos frequente13. Este autor destaca o “uso banal” como a interação eletrônica com pessoas próximas, os passatempos, e interesses individuais. Nesse sentido, haja vista a declaração de Prensky, observa-se que a união de fatores como uma visão extremamente amigável e de divertimento em relação aos media digitais, ter disposição econômica, cognitiva e de tempo livre superior em relação aos adultos, o estímulo ao “comportamento interativo14 pela sociedade in totum, com o discurso de integração à época e de passaporte de sucesso futuro, ingredientes que corroboram para o alto índice de uso, mesmo que o indivíduo detenha ainda adecisão.

Em sua reavaliação, Prensky (2011) também retifica seus relatos prévios no que se refere à dependência dos Imigrantes ao analógico e à divisão geracional. Em maior ou menor grau, em linhas gerais, a familiarização infotécnica é socialmente exigida, seja por demandas de trabalho ou por exigências burocráticas cotidianas15. Tal fato motivou-o a engendrar o conceito de “sabedoria digital” (digital wisdom), no qual hipoteticamente o conhecimento obtido com o auxilio dos meios interativos pode ser alcançado em qualquer ciclo da vida. Ao passo que a noção de Imigrante Digital foi descartada, a de nativos digitais aufere ainda mais visibilidade no imaginário popular, pelo grande apelo

13 Segundo pesquisa realizada por Baron (2015), os nativos digitais preferem estudar em livros

impressos que ebooks para evitar distrações. Os meios interativos sobressaem na busca por informação rápida, fato que reitera o argumento de Buckingham (2011).

14 Em referência ao jargão empregado na rede. É evidente que, sendo o ser humano um ente

social, naturalmente assim proceda.

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ao senso comum, circulando no corredor mediático, pelo governo16, em planos educacionais e nos negócios, destarte, é essencial ressignificá-lo, ponderando-o criteriponderando-osamente. Aponderando-o se referir aponderando-os nativponderando-os digitais é desnecessário fixar uma data de nascimento, há apenas uma marcação meramente alegórica— a partir da década de 90, aludindo ao surgimento da web17, um elemento sine qua non para a insurgência do fenômeno — no intento de identificar no continuum histórico. Em suma, em relação a nativos digitais, é a relação entre interações ocorridas durante o uso banal dos objetos infotecnológicos e o consumo cultural, imbuído na lógica de diversão e lazer, que aqui se almeja tornar objeto de aprofundamento reflexivo.

16 Segundo Barbosa (2013), o termo nativo digital é empregado pela Organização das Nações

Unidas (ONU) para categorizar jovens de 15 a 20 anos com mais de cinco anos de uso da internet.

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CAPÍTULO II

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2.1 Cultura participativa em contexto de convergência mediática

Conforme visto no capítulo anterior, o advento do ciberespaço marca uma nova etapa no decurso civilizatório e na modelagem cultural. Do mesmo modo, altera o predomínio da comunicação de massa e origina um processo intitulado convergência mediática. Nesse sentido, o primeiro a vislumbrar essa conjuntura foi Ithiel de Sola Pool (1983), com o conceito “convergência de modos” no qual descrevia que por meio das fusões entre modalidades diferentes de comunicação, conduzidas pela tecnologia eletrônica, todos os “modos de comunicação” seriam convertidos em “um grande sistema” (POOL, 1983, p.28). O processo de digitalização e a integração funcional dos meios de comunicação de massa (e seus conteúdos) iniciados pelos media interativos levaram os ciberufanistas à crença de que estes substituiriam aqueles. Porém, a convergência mediática resultou na associação complexa, e nem sempre pacífica, entre ambos.

Segundo Jenkins (2009), além da mera mudança tecnológica, a convergência acarreta transformações culturais, sociais e mercadológicas em torno da comunicação. Manifesta-se na confluência de conteúdo proveniente dos diversos medias, no comportamento migratório dos públicos e na subsequente aliança estratégica dos múltiplos mercados mediáticos, a fim de abranger mais consumidores. Como parte das alterações comunicacionais referidas, o comportamento migratório, resultante das inúmeras possibilidades de consumo oferecidas pelo ciberespaço, — que aos olhos do mercado caracteriza-o consumidor como rebelde e não leal — e a utilização das plataformas interativas para opinar transfiguram, conforme a conjectura de Jenkins, o espectador passivo dos media de massa em ativo, elevando-o ao status de participante.

O estado de convergência mediática, na conjectura de Jenkins (2009), incentiva à cultura participativa, embora não a tenha criado. Práticas da associação de imprensa amadora, do rádio amador, dos clubes de câmera, durante o século XIX, e, de produção de filmes caseiros, de ativismo de

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consumidores18 e de grupos subculturais/minoritários, no século 20, já se caracterizavam como participativas (JENKINS; GREEN; FORD, 2014). Jenkins concebeu o termo cultura participativa para descrever a produção cultural e as interações sociais nas comunidades de fãs (fandom), no intento de diferenciar as atividades de fãs das de outras variações de expectador. No contexto do fandom, o consumo gera produção (JENKINS, 2006), tais como, uploads, filmes amadores, paródias, fanvids19, fanzines20, fanfics21, fanart22, cosplay23 e

mixtape24. As produções de fãs resultam da apropriação e da alteração de produtos mediáticos e são denominadas afirmacionais, ou seja, aquelas concebidas dentro dos limites do texto originais, ou transformacionais, narrativas são adaptadas para satisfazer os desejos e as fantasias dos fãs, sendo estas as mais imaginativas e, por isso, muitas vezes não autorizadas. Produzir é uma forma de participar do universo admirado e também é base para interações fortalecedoras da comunidade.

O comportamento “participativo” antes observado apenas em associações de nicho, tais quais os fandoms, torna-se mais habitual e espraiado com o assenhoramento social dos media interativos por diversos grupos aderiram segundo seus fins (JENKINS; GREEN; FORD, 2014). As atividades participativas são particulares de cada comunidade e modalidade mediática, embora comumente englobem produção e distribuição de produtos mediáticos, a saber, arquivamento, apropriação, edição e recirculação de conteúdos. Para Jenkins (2009), nessas comunidades, os membros trabalham seguindo um objetivo comum, somando informações e suas habilidades, tal como preconiza o conceito de inteligência coletiva25 de Pierre Lévy (1998), sendo uma “fonte

18 Como o boicote a marcas, por exemplo.

19 Videocolagens criada por fãs a partir de cenas, selecionadas de programas televisivos ou

filmes, adicionadas a uma trilha sonora.

20Revistas alternativas criadas por e para fãs de um determinado assunto (geralmente música,

ficção científica ou cinema), utilizando escrita manual ou datilografada, colagens e fotocópias. Atualmente, também são produzidas com recursos digitais e veiculadas online.

21 Narrativa ficcional escrita por fãs, utilizando elementos (personagens, universos e histórias)

provenientes de livros, de filmes, de graphic novels ou de vídeo games.

22 Ilustração, criada por fãs, de personagens (de livros, de filmes, de graphic novels ou de vídeo

games) ou de membros de uma banda.

23 É a prática, originada no fandom japonês, de fantasiar-se de um personagem com o intuito de

representá-lo.

24 Compilação de músicas selecionadas e gravadas originalmente em uma fita cassete. 25 Lévy acredita que a Internet é um recurso de desenvolvimento social que constrói uma cultura

do conhecimento (ao coordenar em tempo real a inteligência dos indivíduos e estimular a partilha de resultados) e armazena a sabedoria da humanidade, disponibilizando-a publicamente.Para

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alternativa de poder” (2009, p.30). No contexto da convergência, forças contraditórias interagem entre si. Enquanto as comunidades movem-se pelo afeto em relação a um produto ou a uma marca e, por isso, desejam sugerir, interferir, exigir mudanças, advogar em seu favor, as corporações visam atrair consumidores, oferecer-lhes uma participação restrita e controlada (considerar apenas o conveniente, sem renunciar certos aspectos) com o único propósito de impulsionar os negócios. Admite que as expectativas de participação entre consumidores e o mercado divergem e que o alinhamento de interesses não é frequente (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p.148). Mesmo assim, sugere (2009) que a atitude de participação ideal é a colaboração, ou seja, a relação simbiótica entre empresas e consumidores, como a incorporação remodelada dos trabalhos de fãs no circuito comercial, já que a dependência é mútua. Para isso, a contraparte mercadológica carece de evitar posturas proibicionistas (relacionadas ao protecionismo dos direitos autorais em casos de atividades sem fins lucrativos, principalmente em práticas mais criativas/interpretativas como as transformacionais do fandom) — estabelecendo um “uso aceitável26” do produto mediático —, de remover quaisquer bloqueios à participação, de atender a todas as reinvindicações e aos desejos dos consumidores, reconhecendo seus esforços, e de direcionar suas ações na construção de um relacionamento transparente e duradouro. Assim, Jenkins oferta a fórmula de sobrevivência às conturbações típicas do ambiente de convergência, evitando as revoltas, os boicotes e a consequente percepção negativa deterioradora de marcas.

A colaboração é, por vezes, alvo de desconfiança tanto pelos conglomerados mediáticos, hesitantes em privar-se do controle absoluto, quanto pelos consumidores, receosos sobre a possibilidade de se lesarem ou de se enganarem, que não sabem precisamente como estabelecer fronteiras nessa relação. Para estes, ser desejado pelas corporações “é ter seus desejos transformados em mercadoria. Por outro lado, tornar-se uma mercadoria expande a visibilidade do grupo. Grupos que não possuem o valor econômico

ele, a cultura do conhecimento, originada pela inteligência coletiva, é suficiente para expandir a democracia e a compreensão global, pois erige novas regras de convivência que proporciona a superação das diferenças.

26 Permitir as operações mediáticas sem fins lucrativos. Entender o upload e o compartilhamento

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reconhecido são ignorados” (JENKINS, 2009, p.97). O autor acredita que quando consumidores reúnem esforços em defesa de uma causa partilhada, possuem maiores chances de terem suas opiniões consideradas, embora reconheça que as comunidades têm “de negociar a partir de uma posição de relativa falta de poder enquanto as corporações, por enquanto agem como se tivessem a força da lei ao seu lado” (JENKINS, 2009, p. 234). Sendo assim, alega que “a melhor maneira de essa luta suceder seja criando sucessos que demonstrem o valor econômico do envolvimento do público participativo” (JENKINS, 2009, p.221).

A assimetria participativa presente no ambiente de convergência incita a associação entre as práticas de negócios da web 2.0 e a cultura participativa. Originado e popularizado por Tim O’Reilly em 2004, o termo web 2.0 denota a segunda fase da world wide web, focada no remodelamento do design de interface para oferecer, segundo sua promessa, maior atratividade visual, adaptabilidade via personalização e estimulo a trocas de informações e cooperação entre os consumidores nas diversas plataformas digitais de relacionamento (as “redes sociais”). A finalidade das referidas mudanças era reposicionar as empresas americanas do setor de tecnologia e comunicação após a crise denominada “bolha da internet27”, a fim de conquistar mais usuários e reestabelecer a credibilidade e a investibilidade no setor. Para tanto, O’Reilly (2004) instrui que, durante os projetos dessas plataformas, considerem “arquitetar” a participação promovendo a inteligência coletiva. De acordo com essa concepção, os sistemas 2.0 aprimoram-se ao passo que mais usuários utilizem-nos; e, para evitar o “egoísmo” de certos usuários, executam-se algumas precauções observadas abaixo:

Os usuários agregam valor. Mas apenas uma pequena porcentagem de usuários vai se dar ao trabalho de agregar valor ao seu aplicativo por meios explícitos. Portanto, as empresas da Web 2.0 definem padrões de inclusão para agregar dados de usuários e valor de construção como um efeito colateral do uso comum da aplicação (O’REILLY, 2004, p.3).

27 Supervalorização das ações de corporações do setor de tecnologia no fim dos anos de 1990.

A correção da especulação desencadeou a falência de inúmeras empresas no início dos anos 2000.

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A práxis anfêmera da “economia interativa” atual desenvolveu-se aos moldes instrucionais de Tim O’Reilly, desencadeando a proliferação de modelos de negócio que incentivam as interações sociais e a produção de “conteúdo colaborativo” para captar informações geradas no uso dessas plataformas, vendê-las a empresas e a bancos de dados, criar links patrocinados, além de monetizar cliques, visualizações e inscrições. No que tange a essa temática, Jenkins, Green e Ford (2014) relatam que apesar das plataformas de web 2.0 proporcionar recursos que facilitam a cultura participativa, o intuito dessas práticas não é participativo, pois utilizam a retórica de empoderamento do indivíduo e as atividades de colaboração e circulação de conteúdo como atrativo para aplicar-lhes posturas passivas dos expectadores tradicionais. Essa posição de passividade, consoante o pensamento dos autores, é imposta ao consumidor quando as empresas afiliadas à lógica 2.0 transformam pessoas com competência para decidir e modificar as corporações com as quais interagem em pacotes de dados, ignorando os laços sociais entre esses participantes, ao empregarem técnicas de vigilância eletrônica (surveillance), mineração e agrupamento de dados (datamining e clustering, respectivamente). Assim, o interesse em apenas rastrear, monitorar e quantificar desvaloriza e descontextualiza a participação. Por fim, argumentam que a participação oferecida por essas corporações (principalmente as detentoras de redes digitais de socialização, como o Facebook) é pré-estabelecida (oferecendo atividades que as beneficiam, como tagging28 e avaliação de produtos ou serviços) e projetada — ou, nas palavras de O’Reilly, “arquitetada” — para ocorrer de modo controlado, rejeitando sua capacidade participativa, sendo que, de fato, o consumidor é quem deveria estabelecer as regras: quando, onde e como quer participar (JENKINS; GREEN; FORD, 2014).

Assim como Jenkins repreende o modus operandi pseudoparticipativo das corporações endossadas pela segunda fase da web, alguns teóricos criticam o pensamento de Jenkins. Dijck e Nieborg (2009) consideram que os valores comunais e colaborativos, outrora reservados ao reduto contracultural, e que agora irrompem no âmbito comercial, maquiam o propósito ulterior de fomentar o consumo; fato admitido por Jenkins quando alega que “toda forma de

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