• Nenhum resultado encontrado

Ao tomarmos o texto como o local de observação dos efeitos da intervenção do corretor, podemos supor, em primeiro lugar, que a maior parte das correções se dá pelo tipo resolutivo, pois o professor pode conceber que, frente ao erro (em oposição à inadequação), seu papel é o de corrigir, haja vista que não há discussão quanto a estar certo ou errado. Relacionado a isso, e em segundo lugar, a correção resolutiva é a que tem mais resposta na reescrita, pois o corretor sana todos os problemas do aluno – ficando esse apenas com o papel de copiar a correção em sua nova produção textual, pois esse é um tipo de correção monológica (aquela em que apenas o professor pondera sobre o texto).

Ademais, em terceiro lugar, suspeitamos também que a correção textual- interativa – por ser aquela em que o professor dialoga com o estudante por meio de um bilhete – é o segundo tipo de correção mais responsivo, pois é aquela em que o

discente tem voz ativa na correção, e pode se colocar efetivamente como autor dentro do texto. Por fim, em quarto lugar, supomos que erros são mais facilmente corrigidos do que inadequações, porque essas exigem do aluno que ele entenda todo o contexto de produção para corrigir o que foi apontado pelo corretor.

O breve percurso histórico retratado neste capítulo descreve que o que constitui um texto e como ele deve ser produzido precisa ser pauta nas aulas de Língua Portuguesa, deixando explícito ao aluno cada um dos itens que o corretor deseja corrigir em sua redação durante o processo de ensino-aprendizagem e como o texto será avaliado.

Produzir um texto sempre envolve uma técnica, mas é possível transformar isso em tecnologia ao fazer o aluno refletir sobre o processo. Pensar no que é texto e no que é corrigir e avaliar pode levar a compreensão dos efeitos das intervenções do corretor em redações escolares, e a pensar por que corrigir é um processo metalinguístico, e, por consequência, tecnológico. Os conceitos apresentados até aqui, mas ainda não embasados teoricamente, serão aprofundados no próximo capítulo.

3 ENQUADRAMENTO DO TRABALHO

Este capítulo apresenta um panorama geral do enquadramento do trabalho dentro da área de concentração do PPGEL, a saber, Linguagem e Tecnologia, descrevendo como entendemos a metalinguagem como tecnologia, e refletindo sobre os gêneros textuais e a correção sob o mesmo viés.

A escrita pode ser vista enquanto uma tecnologia aplicada sobre a língua (AUROUX, 1992); por essa razão, ela é parte do nosso objeto de estudo na pesquisa em questão. Quando pensamos em tecnologia, o que normalmente nos vêm à mente são os aparatos tecnológicos (celulares, tablets, computadores…); no entanto, a tecnologia não é composta apenas por objetos, mas também por processos.

O computador, por exemplo, precisou ser pensado antes de ser produzido; esse processo, a planificação, também é tecnológico. A ideia central da obra O

Conceito de Tecnologia, que apresenta, de forma condensada, as reflexões de Pinto

(2005) sobre o tema que dá título ao livro, descreve que a condição humana é necessariamente tecnológica. Isso porque o homem está sempre inserido no processo de hominização; ou seja: ao produzir artefatos ele também edifica a si mesmo.

Nesse sentido, ele possui a capacidade, exclusivamente humana, de projetar e de produzir o que foi projetado. Cabe aqui uma das falas de Cupani (2016) sobre o tema, e que se junta ao que Pinto (2005) propõe:

(...) a nossa preferência geral por coisas e modos de agir eficientes e rápidos, a nossa inclinação a economizar tempo e esforço, a nossa frequente preocupação em controlar o futuro, e a crescente propensão a nos “programarmos” para o que nos propomos a fazer, indicam que adotamos irrefletidamente uma atitude e uma mentalidade tecnológicas. (CUPANI, 2016, p.12; grifos do autor)

Na perspectiva da filosofia da técnica, o ser humano é visto como um ser que tem a capacidade de sempre fazer algo novo a partir do natural. ‘Técnica’, então, traz uma ideia de libertação ao homem, já que ele é agente do seu ambiente e da

sua qualidade de vida; além disso, não é adaptado ao mundo, mas ajusta/interfere nele a sua maneira, ou seja, o transforma ao seu modo, adaptando o mundo a si. Ele, por exemplo, não muda de cidade ao enfrentar o inverno, mas produz roupas mais quentes para vestir e projeta aquecedores para sua casa.

A tecnologia se apresenta, consequentemente, “(...) como uma realidade polifacetada: não apenas em forma de objetos e conjuntos de objetos, mas também como sistemas, como processos, como modos de proceder, como certa mentalidade” (CUPANI, 2016, p. 14). Tudo (ou quase tudo) que envolve tecnologia circunda também a noção de técnica, um saber fazer; é como se a tecnologia fosse um segundo grau da técnica; por esse motivo, não há aquela sem que exista esta.

A técnica diz respeito ao conhecimento procedural, uma espécie de aprendizagem armazenada de forma que se possa acessá-la facilmente, ao passo que a tecnologia diz respeito ao conhecimento declarativo – o qual armazena fatos e saberes enciclopédicos. Tanto um sistema quanto outro podem ser verificados também quando tratamos de ensino:

O sistema procedural serve para que o aprendiz adquira, além de habilidades motoras, a gramática combinatória da língua, governada por regras. Essas regras combinatórias compreendem tanto sintaxe quanto morfologia e fonologia. Sempre ressaltando que, uma vez que os sistemas atuam interativamente, melhora em um sistema e depressão no outro são naturalmente esperadas. (AQUINO, 2012, p. 137)

Tais conhecimentos podem se complementar, alcançando as mesmas informações ou noções semelhantes:

O sistema declarativo parece ser importante para a memorização de relações arbitrárias e, em geral, é explícito. O sistema procedural é responsável pelo aprendizado de novas habilidades motoras e cognitivas, de hábitos, além de manter controle sobre as antigas; trata-se de um sistema implícito de difícil acesso à memória consciente. (AQUINO, 2012, p. 136)

Os dois sistemas estão em permanente interação para Ullman (2005), de acordo com Aquino (2012), seja cooperativamente – já que ambos os sistemas podem alcançar o mesmo conhecimento ou conhecimentos análogos (o declarativo adquire conhecimento por conta de sua rapidez e o procedural, gradativamente) –

ou competitivamente (de acordo com o efeito gangorra – quando um problema ou alteração em um dos sistemas favorece a capacidade de aprendizado do outro e vice-versa).

Tanto a escrita, no sentido da criação de um sistema de escrita para representar a língua, quanto a textualização, isto é, uma forma específica de escrever que obedeça a regras textuais específicas, são criações técnicas. E elas o são já que ao escrevermos precisamos fazer algumas escolhas para que nosso objetivo ao comunicar se cumpra de maneira completa.

Supomos também que a correção do texto do estudante pode ser vista da mesma forma. Parece ser papel do avaliador levar o aluno a transformar o conhecimento técnico/procedural (o domínio da escrita enquanto código) em conhecimento tecnológico/declarativo (metalinguagem), pois o aluno domina a técnica – sabe escrever, no sentido de colocar no papel, simbolicamente, a língua que fala, refletindo sobre ela –; porém, só isso, como visto no capítulo anterior, não constitui um texto.

Ele precisa dominar a técnica da escrita e da textualização para transformar as duas em conhecimentos declarativos, portanto, tecnológicos – o que, idealmente, faria com que ele produzisse textos de maior qualidade. É também absolutamente possível que alguém escreva bons textos sem o conhecimento declarativo, mas o que a escola faz é dar mais visibilidade a esse tipo de conhecimento ensinando a metalinguagem. Nesse sentido, o aluno é capaz de explicar as escolhas que efetua no texto ao distanciar-se dele.

E é a partir daí que a escola deve atuar, fazendo com que o aluno não escreva textos apenas, mas saiba refletir sobre as escolhas linguísticas que faz. O texto sempre envolve uma técnica, mas podemos transformar isso em tecnologia ao fazer o aluno pensar sobre tal ação. Segundo Flores (2019, p. 216), “(...) é com a língua que se fala da língua, tanto para o linguista como para o falante comum. Logo, não é facultado ao linguista e ao falante o ausentar-se da língua para explicar o sentido que seus constituintes têm”.

O domínio da língua é condição para se dominar a textualização (MARCUSCHI, 2008). Por essa razão, o que entendemos por escrita vai além do que Auroux entende por escrita, por exemplo; não a consideramos apenas como

aparato simbólico, mas como uma forma particular de escrever, que obedece a normas específicas e está centrada sempre no produtor (autor), no leitor (receptor) e no texto (o evento). É pertinente apontar que os critérios de textualidade “(...) não constituem princípios de formação textual, mas critérios de acesso à produção de sentido” (MARCUSCHI, 2008, p. 97); ou seja, é a partir deles que um texto constitui comunicação com o outro, mesmo que eles não sejam imprescindíveis a sua existência:

É bom frisar de modo enfático que o uso da expressão ‘critério’, ao invés da expressão ‘princípio’ para a noção ‘critérios de textualidade’, deve-se ao fato de não se admitir que esses aspectos da textualidade funcionem como ‘leis’ linguísticas, já que são apenas critérios que no caso da sua ausência, não impedem que se tenha um texto. O texto, quando considerado como unidade, é uma unidade de sentido e não unidade linguística. (MARCUSCHI, 2008, p. 97; grifos do autor)

É necessário olhar para a língua para entendê-la e dominá-la. Uma criança, por exemplo, aprende sua língua por meio de atividades metalinguísticas – maneira semelhante à forma como um adulto aprenderia uma língua estrangeira. Frases que fornecem informações sobre o código lexical de um idioma foram nomeadas por Jakobson (2010, p. 162) de ‘sentenças equacionais’. E o diálogo a seguir, proposto por ele e presente nesta mesma página, pode exemplificar isso:

Imagino este diálogo exasperante: “O sophomore foi ao pau”. “Mas o que quer dizer ir ao pau?” “A mesma coisa que levar bomba.” “E levar bomba?” “Levar bomba é ser reprovado no exame.” “E o que é ‘sophmore’?”, insiste o interrogador, ignorante do vocabulário escolar em inglês. “Um ‘sophmore’ é [ou quer dizer] um estudante de segundo ano.” (JAKOBSON, 2010, p. 162; grifos do autor)

Mais do que serem ciência, essas operações fazem parte de nossas atividades linguísticas cotidianas. Podemos, por exemplo, mudar certo vocábulo que causa ruído na comunicação ou encontrar um campo semântico comum aos integrantes de determinado diálogo. A metalinguagem é necessária tanto para a aquisição de uma língua quanto para o seu funcionamento habitual. O que o produtor de texto faz é justamente avaliar aquilo que escreveu em termos comunicativos.

Além disso, podemos relacioná-la também à ação de corrigir, pois, muitas vezes, a correção de texto pode ser vista como uma tecnologia, visto que é uma forma de aperfeiçoamento de uma outra tecnologia – a de produção textual por meio de um gênero específico. Ao juntar escrita e reflexão, os gêneros textuais podem ser igualmente compreendidos como tecnologia.

3.1 ENQUADRAMENTO DO TRABALHO DENTRO DA ÁREA DE LINGUAGEM

Documentos relacionados